Pela primeira vez desde 1872, o total de brasileiros que se declaram pardos é maior do que o de brancos. Os dados ético-raciais do Censo Demográfico 2022 - Identificação étnico-racial da população por sexo e idade demonstram que 92,1 milhões de pessoas se consideram pardas, número equivalente a 45,3% da população. Cenário se repete no Ceará, onde 64% das pessoas afirmam ser pardas.
Os números divulgados nessa sexta-feira, 22, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trazem tendências confirmadas desde o Censo de 2010. Os dados coletados nas pesquisas domiciliares de 2022 mostram um Brasil com aumento de 6,5% em sua população total, com ampliação de 11,9% da população parda, passando de 43% em 2010 para 45,3% — tornando-se a categoria maior peso relativo.
A tendência de alta é confirmada também nas declarações de pessoas de cor ou raça negra entre 2010 e 2022, que passaram de 7,6% para 10% da população no Brasil. No Ceará, essa variação de 12 anos identificou que houve um crescimento de 51% e, no ano passado, as pessoas declaradas pretas representaram 6,8% dos cearenses.
"Poderia-se compreender esta mudança demográfica sobre os fatores ético-raciais em decorrência da conscientização, da mudança de comportamento cultural, sobretudo, da nova geração. Mas isso são hipóteses a serem comprovadas", afirmou o chefe da Seção de Disseminação de Informações (SDI) da Superintendência Estadual do IBGE no Ceará (SES/CE), Helder Rocha. Conforme ele, as "inquietudes" deverão ser melhor analisadas pelos pesquisadores da academia, que buscarão compreender a mudança também nas perspectivas cultural e de outras variáveis que compôem a demografia.
Apesar da mudança na autodeclaração sobre raça ou cor, a realidade racial e geográfica do País, desde a sua colonização, continua: os pardos são maioria no Norte, Nordeste e Centro-Oeste; enquanto brancos representam a maior parcela populacional no Sul e Sudeste. Nesta última, região com a maior densidade demográfica do País, os brancos são 49,9%, ante 38,7% de pardos, 10,6% de pretos, 0,7% de amarelos e 0,1% de indígenas.
Especificamente em São Paulo, o Estado mais populoso do País, 57,8% dos habitantes se disseram brancos, 33% pardos, 8% negros, 1,2% amarelos e 0,1% indígenas. Padrão se intensifica na região Sul, onde os brancos têm parcela ainda maior da população, 72,6%, ante 21,7% de pardos, 5% de negros, 0,4% de amarelos e 0,3% de indígenas. Entre os Estados, o maior porcentual de autodeclarados brancos do País está no Rio Grande do Sul, 78,4% da população, seguido de Santa Catarina (76,3%) e Paraná (64,6%).
Já analisando o que os dados mostrados pelo IBGE significam, o professor da Uniateneu e doutorando em em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Hilário Ferreira, destaca a criação das políticas de cotas raciais depois do ano de 2010. "As políticas de cotas tem por finalidade a entrada de negros na universidade, de indígenas e quilombolas. Depois se expande para o mercado de trabalho. E nesse processos você vai encontrar muitas tentativas de burlar as políticas de cotas", avalia.
O professor ressalta ainda a criação das bancas de heteroidentificação exatamente para averiguar se os candidatos às cotas são negros ou negros pardos. "E o que se observa é um grande número de pessoas brancas se dizendo pardas. Nessa perspectiva, penso que a ausência de um debate mais profundo dentro das instituições de ensino sobre as relações étnico-raciais leva algumas pessoas a associarem pardo a mestiço. Pardo, hoje, se torna um lugar que abarca tudo e ao mesmo tempo não abarca nada", pondera.
De acordo com as definições do Censo, cor e raça são a percepção que o informante tem sobre si mesmo (autoidentificação) e sobre como os outros moradores (que não estejam no domicílio no momento da entrevista) se autoidentificam. O quesito é denominado cor ou raça e não apenas "cor" ou apenas "raça", por haver diferentes critérios que o informante pode utilizar.
Esses critérios consideram origem familiar, cor da pele, traços físicos, etnia, dentre outros. O IBGE destaca que as cinco categorias disponíveis (Branca, Preta, Amarela, Parda e Indígena) podem ser entendidas pelo informante também de forma variável.
“Vale lembrar que 'Raça' é uma categoria socialmente construída na interação social e não um conceito biológico”, frisa o texto da publicação Censo Demográfico. A investigação sobre cor e raça declarada dos moradores foi feita, no caso de pardos, a pergunta foi: a pessoa que se declarar parda ou que se identifique com mistura de duas ou mais opções de cor ou raça, incluindo branca, preta, parda e indígena. (Colaborou Bruna Lira)
QUADRINHO - IBGE utiliza definições para cada uma das categorias de raça e cor
Investigação sobre a cor ou raça declarada dos moradores foi feita com as seguintes opções de resposta:
Branca - Para a pessoa que se declarar branca
Preta - Para a pessoa que se declarar preta
Amarela - Para a pessoa de origem oriental: japonesa, chinesa, coreana etc.
Parda - Para a pessoa que se declarar parda ou que se identifique com mistura de duas ou mais opções de cor ou raça, incluindo branca, preta, parda e indígena.
Indígena - Para a pessoa que se declarar indígena ou índia. Esta classificação se aplica tanto aos indígenas que vivem em terras indígenas, como aos que vivem fora delas, inclusive em á
Fortaleza é a 3ª cidade e a 1ª capital com mais pessoas declaradas pardas
Fortaleza confirma o perfil de raça e cor do Ceará e do Brasil: em números absolutos é o 3º município e a 1ª capital do Brasil com mais pessoas pardas. Dos quase 2,5 milhões que moram na Capital, 1,4 milhão se declara da cor ou raça parda. Ainda conforme os dados, a Cidade é a sétima do País com mais população declarada branca.
"Nossa população sempre foi composta, em sua maioria, por pessoas pardas. O que aconteceu foi um destaque maior na capital cearense, em que nós somos a primeira capital que demonstra maior número de pardos. Mas porque existem algumas capitais que têm características próprias, como Salvador e Maranhão, que têm um maior número de pessoas pretas; já na região Sul, predomina um maior número de pessoas brancas", declarou o superintendente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Ceará, Francisco Lopes.
Essa lógica faz com que, no Nordeste, especialmente Fortaleza, apresente mais pessoas que se declaram pardas. "O pardo é justamente esse cruzamento entre raças, do branco com o negro. Com isso, a gente tem detectado bem essa autoidentificação da população", frisa.
Considerando a categoria de pessoas declaradas indígenas, a porcentagem aumentou 172% no Ceará entre 2010 e 2022 e hoje representa 0,5% dos cearenses. O Brasil apresentou ainda redução da porcentagem da população declarada branca ou amarela nos últimos 12 anos. A fatia populacional passou de 47,7% para 43,5%. No Ceará, essa redução foi de 9% — a segunda maior do Nordeste — e, atualmente, pode-se afirmar que 27% dos cearenses se declaram de raça ou cor branca.
Considerando a população que se declara amarela, também houve queda na porcentagem de representatividade: antes era 1,1% da população e atualmente, 0,4%. Entre os cearenses, 0,1%.
Potiretama é o único dos 184 municípios cearenses cuja maioria da população se declarou branca. Ao todo, 52,3% dos 5.974 habitantes se autodeclararam no grupo de pessoas brancas por meio da pergunta sobre cor ou raça que as caracteriza.
Tarrafas (43,3%) e Tabuleiro do Norte (40,8%) são os segundo e terceiro municípios do Estado que têm o maior percentual de pessoas que se declararam brancas em relação ao total da população residente. As cidades têm, respectivamente, 7.529 e 30.652 habitantes, de acordo com o Censo 2022.
Em número de habitantes, os municípios com a maioria de pessoas declaradas da cor ou raça branca foram Fortaleza (793.975 pessoas), Juazeiro do Norte (89.668) e Caucaia (87.058).
Choró (80,9%), Tejuçuoca (79,3%) e Viçosa do Ceará (78,9%) são, respectivamente, os que têm o maior percentual de pessoas que se declararam pardas em relação ao total da população residente. Salitre, a 531 km de Fortaleza, é o município cearense com maior proporção de população autodeclarada preta: 14,7%.
O professor da Uniateneu e doutorando em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Hilário Ferreira, afirma que não é possível deixar de lado o entendimento do que é o processo de branquitude da sociedade brasileira. "É basicamente a prevalência de privilégios. Penso que o povo brasileiro é realmente pardo, no entanto, tem que ter claro que o processo de racialização do Brasil é evidente. A Polícia sabe quem é o pardo, quem é o negro, o indígena e o branco", frisa. (Sara Oliveira)
Cor ou raça
A investigação sobre a cor ou raça declarada dos moradores foi feita com as seguintes opções de resposta:
Branca - Para a pessoa que se declarar branca
Preta - Para a pessoa que se declarar preta
Amarela - Para a pessoa de origem oriental: japonesa, chinesa, coreana etc
Parda - Para a pessoa que se declarar parda ou que se identifique com mistura de duas ou mais opções de cor ou raça, incluindo branca, preta, parda e indígena.
Indígena - Para a pessoa que se declarar indígena ou índia. Esta classificação se aplica tanto aos indígenas que vivem em terras indígenas, como aos que vivem fora delas, inclusive em áreas quilombolas.