Logo O POVO+
Marcas eternas: Apreço popular e legislação garantem perpetuação de bens intangíveis
Reportagem

Marcas eternas: Apreço popular e legislação garantem perpetuação de bens intangíveis

No Brasil, número de pedidos de recuperação judicial saltaram 78% entre janeiro e agosto, segundo a Serasa Experian. No Ceará, entre janeiro e agosto 15 empresas foram à Justiça para tentar evitar a falência por meio do dispositivo. Ainda assim, popularidade dos negócios tornam marcas imortais
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Na imagem, viatura da Companhia de Energia Elétrica do Estado do Ceará (Coelce), que foi privatizada e que desde que foi adquirida pela Enel, passou a ser chamada de Enel Distribuição Ceará
 (Foto: Edmundo Sousa, em 01/11/1989)
Foto: Edmundo Sousa, em 01/11/1989 Na imagem, viatura da Companhia de Energia Elétrica do Estado do Ceará (Coelce), que foi privatizada e que desde que foi adquirida pela Enel, passou a ser chamada de Enel Distribuição Ceará

 

 

O Brasil enfrenta um momento de crescimento da quantidade de empresas que pedem recuperação judicial (RJ) para evitar a falência. O caso mais recente é o da Tupperware, que foi à corte dos Estados Unidos fazer o pedido.

No Ceará 15 empresas já foram neste ano à Justiça pedindo recuperação judicial, conforme a Serasa Experian.

Em meio ao cenário adverso, empresas consolidadas no mercado são afetadas, mas até que ponto suas marcas são prejudicadas perante o público apesar do momento de adversidade?

Historicamente, menos de 40% dos negócios abertos no Brasil sobrevivem após cinco anos de atividade.

Quanto menor o porte do negócio, maior a mortalidade, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Somente em 2023, cerca de 2,1 milhões de empresas fecharam no Brasil. Isso significa que quatro negócios têm os CNPJs "baixados" a cada um minuto, em média.

Nos últimos anos, o impacto da crise econômica enfrentada pelo Brasil complicou o cenário adverso, mas uma atualização na legislação brasileira permitiu o aperfeiçoamento das regras para falências e recuperação judicial.

 

Comportamento do mercado no Ceará

 

Entre janeiro e agosto, a quantidade de falências decretadas no Ceará chegou a oito, uma queda de 55% em relação a igual período do ano passado. Ao mesmo tempo, os pedidos, deferimentos e conclusão de processos de recuperação têm crescido.

Ainda segundo o Serasa Experian, o número de pedidos de recuperação judicial cresceu 78% no Brasil entre janeiro e agosto, passando de 1,48 mil requerimentos. Esse é o maior montante para o período desde 2016, quando 1,86 mil pedidos foram feitos.

Em agosto, as empresas do setor de serviços são as mais afetadas, seguido por comércio e indústria. Do total de pedidos de recuperação judicial, a incidência de micro e pequenas empresas chama atenção, sendo 183 requisições dentre 238 pedidos registrados no mês.

Ainda que o volume de pedidos de RJ tenha saltado, houve queda de 2,9% nos pedidos de falência no Brasil.

Giovani Magalhães, especialista em Direito Empresarial e membro da Comissão Especial de Recuperação Judicial e Falências da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE), avalia que esse movimento está relacionado com o contexto econômico, de impacto da pandemia sobre as empresas e a retomada mais lenta do que o esperado, com inflação e juros altos.

O advogado explica que a RJ é um instrumento jurídico para solucionar os problemas que geram crises empresariais.

"Esses problemas ocorrem muitas vezes por uma decisão equivocada, uma intempérie da economia, mas em casos em que a empresa tem viabilidade econômica e pode voltar a ser lucrativa, a Justiça viabiliza essa recuperação", afirma.

As marcas, no entanto, não necessariamente “morrem” ou perdem seu tamanho a partir do processo de recuperação judicial.

Giovani destaca que é interessante observar que, muitas vezes, uma marca pode se manter no mercado, mesmo que o controle dela mude de mãos.

Na imagem, viatura da Companhia de Energia Elétrica do Estado do Ceará (Coelce), que foi privatizada e que desde que foi adquirida pela Enel, passou a ser chamada de Enel Distribuição Ceará (Foto: Edmundo Sousa, em 01/11/1989)
Foto: Edmundo Sousa, em 01/11/1989 Na imagem, viatura da Companhia de Energia Elétrica do Estado do Ceará (Coelce), que foi privatizada e que desde que foi adquirida pela Enel, passou a ser chamada de Enel Distribuição Ceará

Exemplo disso é o caso da companhia aérea Varig, que acabou virando Gol Linhas Aéreas.

Existem ainda os casos de estatais que são privatizadas, como a Coelce - que atualmente é Enel Ceará, e a Teleceará - que passou a ser chamada de Telemar e, posteriormente, Oi.

"Por mais paradoxal que pareça, a recuperação judicial ou mesmo a falência podem ajudar a preservar uma marca".

"O grande segredo para que a RJ funcione é que o plano apresentado ao juiz seja bem desenhado, pois será basicamente um manual de como a empresa pretende se reerguer perante os credores, pagando suas dívidas, e consiga voltar ao mercado", completa.

Dentro desse cenário, o especialista enfatiza que, ainda que a empresa venha a falir, marcas, modelos e produtos se tornam ativos patrimoniais que podem ser alienados ou usados como garantia para financiamento.

No Ceará, exemplo disso ocorreu com a indústria Sucos do Brasil que acumulou uma dívida superior a seu faturamento anual e passou anos lutando na Justiça para não ser liquidada.

Apesar do processo, há aproximadamente dez anos, sua principal marca, a Jandaia, permanece viva até hoje.

 

 

O valor das marcas no processo de pagamento de dívidas das empresas em crise

O valor de marcas e patentes também pode ajudar empresas a sair do momento de crise. Para organizações em crise, esses ativos podem ter importância crucial na recuperação judicial, por exemplo.

Conforme o Código Civil, o estabelecimento comercial abrange não apenas os bens tangíveis, como máquinas e equipamentos, mas também os intangíveis, como as marcas, patentes, direitos autorais e know-how.

"As marcas são instrumentos de identificação no mercado, enquanto as patentes concedem exclusividade de fabricação e comercialização de produtos inovadores. Ambos são protegidos pela legislação de propriedade industrial, exigindo o registro para assegurar exclusividades frente aos concorrentes", explica Rosa Sborgia, advogada da Bicudo e Sborgia Marcas e Patentes.

Ela ainda destaca que esses ativos podem servir como garantia em momento de instabilidade econômica, endividamentos ou empréstimos.

Por isso, até mesmo para as empresas que não estão em processo de RJ ou falência, é vital que os empresários protejam esses bens intangíveis de forma legal e regular para que tais ativos estejam preservados.

 

 

Além da Tupperware, Avon também pede recuperação judicial nos Estados Unidos

O aumento dos pedidos de recuperação judicial impacta até mesmo empresas de alcance internacional. No início do mês, a Avon Products Inc. (API), subsidiária da Natura & Co, entrou com pedido de "proteção judicial" nos Estados Unidos, sob processo similar ao conduzido no Brasil.

A Natura & Co, maior credora da API, está apoiando o processo com empréstimo de US$ 43 milhões numa modalidade que visa garantir a continuidade das operações durante a recuperação judicial.

Outros US$ 125 milhões devem ser aportados pela credora para manter as operações da Avon fora dos Estados Unidos.

Tupperware anunciou que está com dificuldades para manter operação(Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram Tupperware anunciou que está com dificuldades para manter operação

Esse montante deve ser levantado por meio de leilão supervisionado pela corte norte-americana, em que serão vendidos ativos da API para que as operações na Ásia, Europa e África sejam mantidas.

A opção por pedidos de recuperação judicial no sistema de justiça dos Estados Unidos tem se tornado comum.

No início do ano, a Gol Linhas Aéreas também seguiu o mesmo caminho. Americanas, Casas Bahia, 123 Milhas, Oi, Marisa e Tok & Stok seguiram caminhos similares.

 

Marcas que faliram ou perderam espaço no mercado, apesar da grande fama

 

 

O segredo para que marcas perdurem por décadas a fio

Cearenses de diversas idades já devem ter ouvido a expressão: "Do tempo do Romcy". Os mais antigos sabem bem dos detalhes dessa frase, enquanto os mais jovens podem até usar a expressão, mas sem entender bem sua origem.

Uma das principais marcas do varejo cearense da metade final do século passado, a Romcy se consolidou de tamanha forma que o público a tornou uma expressão popular e símbolo de "cearensidade".

Bob Santos, SG Propag(Foto: Chico Alencar, em 10/5/2015)
Foto: Chico Alencar, em 10/5/2015 Bob Santos, SG Propag

Uma das responsáveis por essa fixação da marca no imaginário do público é a agência de propaganda SG Propag, que completa 50 anos de mercado em 2024.

A publicidade eficaz, por meio de jingles e slogans criativos foram um diferencial que popularizou Romcy.

O auge veio entre as décadas de 1980 e 1990, quando o varejista liderava no comércio de eletrodomésticos e materiais de construção.

Loja Romcy em Fortaleza(Foto: Divulgação / Arquivo O POVO.Doc)
Foto: Divulgação / Arquivo O POVO.Doc Loja Romcy em Fortaleza

Bob Santos, diretor da SG Propag, vivenciou de perto esse processo junto do pai, o fundador da agência.

As veiculações das propagandas da Romcy chegaram à TV, no intervalo do Jornal Nacional com o slogan "O Barato do Dia Romcy", em que Assis Santos era o garoto propaganda.

Além da Romcy, outras marcas fazem parte dos 50 anos de história da SG Propag, como a Casa Pio e sua campanha "Pá, Pé, Pio", que completa 48 anos, além das óticas Itamaraty, com sua famosa campanha "Sua idade, seu desconto".

Bob destaca que, para as marcas ocuparem esse espaço na memória afetiva, não só dos cearenses, mas de qualquer público, a comunicação precisa ser verdadeira.

"Poucas marcas se dispõem a fazer uma comunicação de longo prazo, com consistência. Hoje em dia, a comunicação é muito imediata e efêmera. Os investimentos em mídia são rápidos e intensos, mas desaparecem com a mesma velocidade. Então, essa consistência ao longo do tempo é o que gera essa ligação afetiva com a marca, esse carinho, principalmente quando a mensagem é autêntica. O que fica na memória são coisas genuínas e positivas", afirma Bob.

 

 

Cecomil segue como uma das empresas mais lembradas do Ceará

Após 34 anos de história, a Cecomil Informática encerrou suas atividades em janeiro de 2020.

Relevante marca do varejo de tecnologia e informática foi a pioneira na venda de produtos da Apple no Estado e ganhou o apreço dos consumidores cearenses.

Passados quase cinco anos do encerramento das operações de 13 lojas espalhadas por Fortaleza, além de uma unidade em Sobral, a marca segue em alta: Em 2024, seguiu na lista Anuário Datafolha Top of Mind das marcas mais lembradas pelos consumidores.

O legado iniciou com a fundação do negócio em 1985, quando Luciano de Mello Nogueira decidiu empreender.

Luciano já havia trabalhado na Brahma lavando camburões de cerveja, depois foi taxista, mas foi como empresário que alcançou o sucesso profissional.

Inicialmente, a Cecomil era focada no segmento corporativo, vendendo produtos para escritórios. Com a evolução tecnológica, fortaleceu sua entrada no varejo, comercializando disquetes, computadores pessoais (PCs), além de TVs.

No auge do negócio, a Cecomil manteve em seus quadros 430 funcionários, conta a filha do fundador, Luciana Nogueira, ex-diretora de RH da Cecomil.

Luciano de Mello Nogueira, fundador da Cecomil Informática(Foto: Arquivo O POVO.Doc)
Foto: Arquivo O POVO.Doc Luciano de Mello Nogueira, fundador da Cecomil Informática

Ela destaca que o varejo de tecnologia se tornou mais concorrido, focando em notebooks e celulares, e houve a entrada de grandes varejistas nacionais que já vendiam produtos da linha branca, além do início da venda direta por parte das grandes marcas, como HP e Dell.

Isso contribuiu para o aumento da concorrência e a redução ainda maior das margens de lucro, destaca Luciana. A partir de 2014, o negócio enfrentou uma crise e entrou em recuperação judicial.

Luciano de Melo Nogueira faleceu em 2016, aos 59 anos, vítima de câncer no intestino que havia sido diagnosticado um ano antes. Sem o fundador, o negócio permaneceu por curto período até a concretização da falência.

A Cecomil Informática foi fundada em 1985 e permaneceu no mercado até 2020(Foto: Arquivo O POVO.Doc)
Foto: Arquivo O POVO.Doc A Cecomil Informática foi fundada em 1985 e permaneceu no mercado até 2020

Hoje, Luciana é consultora na área de Recursos Humanos e destaca que sente o tom carinhoso do público em relação à marca fundada pelo pai.

Ela diz que o sonho de Luciano era deixar um legado. "De certa forma, ele conseguiu. A Cecomil vive na lembrança das pessoas e isso é gratificante para nós".

"Tivemos muitos parceiros fiéis e uma equipe muito dedicada, que ficou conosco até o final. Até hoje tenho contato com muitos ex-funcionários que lembram com carinho da empresa", conta.

 

Confira galeria de imagens de fachadas de lojas que marcaram época no Ceará

abrir

 

 

Americanas e o processo de recuperação judicial que envolve denúncia de fraude bilionária

A incidência de pedidos de recuperação judicial por grandes empresas de alcance nacional tem crescido ano após ano no Brasil.

Um dos casos recentes mais emblemáticos foi o da varejista Lojas Americanas, que anunciou um rombo de mais de R$ 40 bilhões, confirmado no início de 2023.

A descoberta ocorreu após uma série de inconsistências contábeis que levou a uma desvalorização de mais de 70% do valor das ações da empresa na Bolsa de Valores.

Pouco mais de um ano após o pedido de RJ no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), a Justiça homologou o plano de recuperação que inclui as formas de pagamento aos credores e uma reorganização administrativa.

Somente nos primeiros 30 dias após a homologação, a Americanas foi obrigada a pagar dívidas trabalhistas de R$ 89,2 milhões, além de dívidas com micro e pequenas empresas, que chegam a R$ 180,2 milhões.

Quatro bancos (Bradesco, BTG Pactual, Itaú Unibanco e Santander) respondem por mais de 35% da dívida.

Americanas divulga prejuízo de R$ 19,1 bi em 2021 e 2022(Foto: )
Foto: Americanas divulga prejuízo de R$ 19,1 bi em 2021 e 2022

Ficou acertado na Justiça que o Grupo Americanas receberia um aporte de R$ 24 bilhões, sendo metade bancado por seus acionistas de referência (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Alberto Sicupira).

O restante foi aportado pelos bancos lesados, em troca de conversão de dívidas em ações.

Em meio ao processo de RJ, o Grupo Americanas segue sendo alvo de investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e um comitê independente.

A chamada Operação Disclosure investiga denúncia de fraude e resultou na emissão de mandados de prisão preventiva contra ex-diretores da Americanas, suspeitos de manipulação de mercado, fraude contábil, lavagem de dinheiro, insider trading e associação criminosa.

O ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez foi preso em Madri-ESP. Os investigadores descobriram que os executivos envolvidos no esquema tinham um grupo no WhatsApp chamado G30, onde falavam sobre as fraudes.

 

 

Mais notícias de Economia

O que você achou desse conteúdo?