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Experiência faz a diferença: 50+ e a superação do etarismo a ser discutida no mercado de trabalho
Reportagem

Experiência faz a diferença: 50+ e a superação do etarismo a ser discutida no mercado de trabalho

No Ceará, mais de 320 mil idosos estão na força de trabalho. Isso deve ser mais comum à medida que a pirâmide etária pende ao envelhecimento da população. Mas até que ponto o mercado de trabalho está preparado para apostar nos candidatos "experientes"
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Claudemir Rodrigues de Freitas (esq.), Ana Magalhães, gestora de Gente e Gestão da rede de supermercados Uniforça e Walfrefo de Matos (dir.) destacam que inclusão gera produtividade e melhora o ambiente de trabalho (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Claudemir Rodrigues de Freitas (esq.), Ana Magalhães, gestora de Gente e Gestão da rede de supermercados Uniforça e Walfrefo de Matos (dir.) destacam que inclusão gera produtividade e melhora o ambiente de trabalho

O envelhecimento da população brasileira tem gerado desafios ao mercado de trabalho no que se refere à empregabilidade de profissionais com mais de 50 anos. Até que ponto as organizações estão preparadas para apostar nos profissionais “experientes”?

Neste sentido, encontrar alternativas no mercado formal tem sido difícil para esses profissionais e, neste cenário, falar sobre etarismo é necessário, já que por falta de oportunidades, muitos têm apelado ao mercado informal.

O preconceito por conta da idade - ainda que seja velado - é captado pelos números. A partir de 2034, a população em idade ativa (PIA), de 15 a 59 anos, vai começar a diminuir, enquanto a população de 50 anos e mais de idade crescerá e será maioria da população brasileira a partir da década de 2060, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Estudo realizado em 2022 pela Ernst & Young por encomenda da agência Maturi releva que as pessoas com mais de 50 anos representam, em média, de 6% a 10% do quadro das empresas, embora sejam 26% da população brasileira.

Outro levantamento, do Grupo Croma com base nos dados da Oldiversity, 86% das pessoas acima dos 60 anos já sofreram preconceito no mercado de trabalho, independentemente de sua qualificação. E apenas 5,6% das empresas afirmam contratar profissionais dessa faixa etária.

Ainda assim, a participação dos 50+ no mercado de trabalho cresce, assim como a discussão sobre a qualidade dos empregos a que têm acesso e a necessidade de cotas nas empresas para esse público.

A Relação Anual de Informações Sociais (Rais) com informações mais recentes, de 2022, aponta que o número de trabalhadores brasileiros com mais de 50 anos chega a 13,4 milhões. Um salto em relação ao número de 2021, 9,3 milhões. Em 2006, esse número era de 4,4 milhões.

Boa parte desse montante ocupa cargos com baixa remuneração que exigem menor qualificação educacional. No setor privado, funções como faxineiro, motorista de caminhão, auxiliar administrativo e porteiro são as mais comuns, enquanto no setor público vemos a incidência maior de cargos de chefia.

Profissionais com mais de 50 anos ganham espaço no mercado de trabalho, com mais de 13 milhões com carteira assinada(Foto: Sincovat/Arquivo)
Foto: Sincovat/Arquivo Profissionais com mais de 50 anos ganham espaço no mercado de trabalho, com mais de 13 milhões com carteira assinada

No Ceará, o IBGE apontou que, ao fim de 2024, o número de trabalhadores com pelo menos 60 anos que estavam ocupados chegou a 326.860 - entre formais e informais. Eles possuíam rendimento médio habitual de R$ 2.531 em 35,4 horas trabalhadas por semana.

A avaliação é que a subutilização dos trabalhadores experientes faz parte da realidade e a discriminação é trava para contratações e progressão de carreira.

Janete Bezerra, diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), afirma que o etarismo é uma questão que continua incomodando, já que trabalhadores com mais de 50 anos, que, mesmo com capacidade e competência suficientes de produzir e entregar encontram maiores dificuldades nesta fase da carreira.

Ela diz ainda que a ideia de filtrar candidatos por idade não se mostra eficiente, pois se criam vieses subjetivos. Para ela, a análise por geração é problemática, pois cada uma tem características positivas e negativas.

Janete pontua que profissionais das gerações Millenial e Z, por exemplo, têm urgência em crescer na carreira, querem feedbacks rápido, trabalhar apenas com o que foi contratado e cuidar mais da qualidade de vida. Já os 50+ têm uma atenção voltada a garantia do sustento, manter vínculos no ambiente de trabalho e continuar produzindo independente da idade. Em ambos os casos, comportamentos legítimos, avalia.

Ela aponta ainda que uma solução para o longo prazo é a conscientização das empresas de que a partir de agora o mercado de trabalho entrou em outro momento. Então, não é concebível esperar contratar um profissional jovem com perfil de 50+, por isso a necessidade de cativar e recepcionar melhor os profissionais experientes.

"O empresário, claro, vai sempre buscar entrega, produtividade, resultado — e isso está certo. Mas o que assegura que um 50+ não pode entregar tanto quanto nas condições certas", questiona.

O secretário do Trabalho do Ceará, Vladyson Viana, destaca que, assim como a empregabilidade no mercado de trabalho formal aumentou, no informal também ocorre movimento similar, mas mais acelerado, conforme dados da Pnad Contínua, o que representa um desafio.

Para ele, apesar do crescimento no ambiente formal, a empregabilidade dos profissionais 50+ ainda encontra barreiras. Por isso, o Estado tem investido, junto à ABRH, em trabalho de conscientização nas organizações.

O próximo passo deve ser a indução de política pública que oferte condições para que esse processo de contratação ocorra, como educação profissional e introdução a novas carreiras, empreendedorismo ou redirecionamento à carreira com novos vieses, afirma.

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ITAITINGA-CE, BRASIL, 24.04.2025: Claudemir Rodrigues de Freitas, Ana Magalhães, gestora de Gestão da Uniforça e Francisco Walfrefo de Matos. Empregabilidade 50+. (Foto: Fabio Lima/ OPOVO)
ITAITINGA-CE, BRASIL, 24.04.2025: Claudemir Rodrigues de Freitas, Ana Magalhães, gestora de Gestão da Uniforça e Francisco Walfrefo de Matos. Empregabilidade 50+. (Foto: Fabio Lima/ OPOVO)

Rede de supermercados aposta em diversidade e educação continuada para aumentar produtividade e fidelização

Quem imagina profissionais 50 contando os dias para que a aposentadoria chegue, precisa rever conceitos. O cenário atual de mercado é de longevidade em crescimento e profissionais que chegam à casa dos 60 anos com todo gás e só pensam em se manter produtivos.

Essa é a realidade de dois profissionais cearenses: Valfredo Matos, comprador comercial de 58 anos, e Claudemir Rodrigues de Freitas, analista de cadastro de 59 anos - que completa 60 anos no início de junho. Contemporâneos e colegas de trabalho na rede de supermercados Uniforça, dizem que veem a proximidade do período de pedido de aposentadoria chegar com o desejo de permanecerem ativos no trabalho. Em comum, destacam que se sentirem acolhidos no ambiente de trabalho é fundamental para isso.

Valfredo começou no ramo aos 16 anos, quando precisou ir com o pai ao cartório pedir emancipação, já que a área comercial exige viagens constantes. Desde então não abandonou mais a carreira que exerce há mais de 40 anos.

Ele diz que é do tempo do disquete, do fax, mas que procurou se adaptar às novas tecnologias e aproveitou para aprender muito com os profissionais mais jovens. Esse foi um dos combustíveis que o fez iniciar uma faculdade aos 54 anos.

Hoje colhe frutos de gratidão pelas trocas de experiências que teve durante a trajetória. "Encontrei há poucos dias um gerente de uma grande empresa que quase chorou ao me encontrar. Disse que fui a primeira porta aberta dele. Ele foi jovem aprendiz comigo, e eu o treinei como representante comercial. Hoje é um grande profissional".

Já Claudemir começou no ramo do varejo aos 19 anos e acumula 38 anos de trabalho. Há 6 anos no atual emprego, diz que participou de todos os processos seletivos para entrada e que é feliz por perceber que a empresa o valoriza pelo profissional experiente que é.

"Eles valorizam muito essa questão da idade, da maturidade, da experiência adquirida ao longo do tempo. Me sinto muito útil aqui, em todos os sentidos. Às vezes, os mais jovens vêm pedir orientação, ajuda. É muito gratificante saber que eles têm essa consideração com a gente", destaca.

Ele ainda diz que nutre objetivos profissionais e pessoais, sendo o principal deles a conclusão do curso superior de Gestão Comercial que teve de trancar à época da pandemia.

Ana Cristina Magalhães, gerente de Gente e Gestão da Rede Uniforça, destaca que a valorização da diversidade na organização aliada à educação continuada são fatores fundamentais para gerar harmonia e produtividade.

"Enxergamos o profissional 50 como essencial e entendo que ter pessoas de várias idades, gêneros e perfis, construímos uma empresa mais diversa e, consequentemente, mais produtiva no trabalho, nas ideias e na criatividade", pontua.

O objetivo é criar vínculos com os colaboradores. Uma forma de demonstrar isso e apoiar todos os supermercados foi a criação da Academia Uniforça, que ofereceu em 2024 mais de 700 horas de treinamento, beneficiando 3 mil funcionários.

"A expectativa é que o envelhecimento da população acelere, então, o que fazemos hoje é abrir portas também para o nosso futuro. A tendência é trabalharmos mais tempo e isso deve ser feito com qualidade de vida e equilíbrio", diz.

Os desafios em receber bem

A busca dos profissionais mais experientes por oportunidades em novas carreiras é outra realidade em evidência. Neste caso, o desafio fica por conta das unidades de ensino profissional e superior em receber bem esse perfil.

O psicólogo e professor da Unifanor Wyden Vitor Araújo ressalta que estudos já revelaram uma face do etarismo em dificultar a aceitação dos mais experientes, também, no ambiente acadêmico e profissionalizante.

"O fato da empregabilidade aumentar não tem, talvez, relação direta com a superação do etarismo. Tem mais a ver com a própria demanda do mercado de trabalho".

Especialista em Psicanálise, Vitor entende que lidar com essa receptividade tanto no ambiente acadêmico quanto no laboral tende a compreender e lidar melhor com questões importantes como o clima organizacional e a saúde mental dos trabalhadores experientes.

Para o professor, isso é importante para que o ambiente acadêmico seja mais acolhedor e menos desafiador para os 50 , que em alguns casos buscam esse ambiente após anos em uma carreira e agora tentam encontrar realização e felicidade em um novo espaço.

 

Marcos Ferreira, especialista em longevidade
Marcos Ferreira, especialista em longevidade

Transição de carreira

Pensar em mudar de carreira após anos de trabalho pode parecer ser difícil. Mas a maturidade pode ser uma janela de oportunidades. A avaliação é de Marcos Eduardo Ferreira, empreendedor, investidor anjo e especialista em Mercado de Longevidade. Em julho de 2022, ele lançou a Silver Pub - Aceleradora e Agregadora de Negócios, com foco no apoio ao desenvolvimento de empreendedores e startups que oferecem produtos e serviços para o público 50 .

Ao refletir sobre o atual cenário de rápidas transformações, em que novas tecnologias e modelos de negócios estão constantemente moldando o futuro das profissões, ele avalia que a presença dos maduros nas companhias ganha mais relevância. Para ele, a transição de carreira para profissionais 50 não deve ser vista como tabu, mas uma possibilidade. Ele diz ainda que o crescimento da economia prateada tem levado o mercado a ser mais atento a esse público.

Para o empresário, a transição de carreira para os maduros é uma oportunidade de reavaliação e reinvenção. E destaca que não se trata apenas de continuar, mas de trabalhar com um novo propósito, com mais equilíbrio e em áreas que talvez nunca tenham sido consideradas antes. "Como alguém que já experimentou essa transição, posso afirmar que essa fase da vida é mais uma chance de evolução do que um fim", pontua.

Nesse contexto, tem crescido a perspectiva de que é fundamental garantir a representatividade dessas pessoas nas empresas, para que possam orientar as marcas de forma estratégica. "A transição de carreira na maturidade permite que o profissional se envolva em projetos que talvez não tenha tido tempo ou coragem de assumir antes. Muitos ex-executivos, por exemplo, têm optado por se tornar mentores, assumindo cargos de consultoria ou investindo em startups, contribuindo com sua experiência para ajudar novas gerações de líderes", afirma.

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