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Risco Bets: número de apostadores supera o de investidores em CDBs, fundos e ações
Reportagem

Risco Bets: número de apostadores supera o de investidores em CDBs, fundos e ações

|Bets| No Brasil, 23 milhões de brasileiros realizaram alguma aposta em 2024, segundo a Anbima. Destes, 47% desse público confessou que realiza apostas mesmo estando com dívidas atrasadas
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Empresas que operam bets pagaram R$ 2,01 bilhóes em outorgas para o governo federal (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Empresas que operam bets pagaram R$ 2,01 bilhóes em outorgas para o governo federal

Mais de 23 milhões de brasileiros realizaram alguma aposta por meio de plataformas bets no ano passado. O número que equivale a 15% da população acima de 16 anos é superior aquele que opta por aplicações tradicionais, como debêntures e CDBs (6%), fundos de investimento (5%), criptomoedas (4%), compra de ações na Bolsa (3%) e a aquisição de imóveis para a revenda (3%).

Os dados fazem parte da 8ª edição do Raio-x do Investidor Brasileiro, feito pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, em parceria com o Datafolha. A pesquisa ouviu 5.846 pessoas de todas as classes sociais nas cinco regiões do País, em novembro de 2024.

O levantamento mostrou ainda que 47% desse público confessou que realiza apostas mesmo estando com dívidas atrasadas e o equivalente a 4 milhões deles consideram isso um tipo de investimento.

Além disso, o percentual de pessoas que apostam mesmo estando endividadas é bem superior à média da população em geral (33%). E, entre aqueles que consideram as bets uma forma de investimento, o indicador de endividamento chega a 51%.

Alta propensão ao vício

"A pesquisa trouxe também um dado preocupante, 10% dos apostadores apresentaram alta propensão ao vício, com comportamentos como gastar mais do que podiam perder, enfrentar críticas de familiares ou amigos e recorrer a empréstimos ou venda de bens para continuar apostando", aponta o relatório.

Embora acreditem que possuam chances de ganhar grandes quantias em curto espaço de tempo, a maioria das pessoas que apostam em bets se considera "autocontrolada" em relação ao dinheiro, segundo a pesquisa.

Conforme os analistas que O POVO consultou, a avaliação é de que as apostas online não passam perto de se enquadrar como opção de investimento, mas que, sim, podem ser consideradas como gasto supérfluo que pode ser cortado em necessidade de economia no orçamento.

Ricardo Teixeira, professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que a busca por ganhos rápidos e fáceis chamam atenção de muita gente, principalmente com perfil mais jovem. No entanto, a avaliação de Ricardo é de que o avanço das bets é "perturbadora", pois evidencia uma série de problemas estruturais que deságuam em outros aspectos da vida.

"Não temos um horizonte claro de para onde ir, o que faz com que mais pessoas apostem em ganhos rápidos e "fáceis". Porque, na realidade, não são fáceis. São jogos em que a maioria das pessoas acaba pagando para uma minoria ganhar", aponta.

Ainda segundo o professor, há a percepção entre os jovens de que mudança de status econômico é limitada ao realizar investimentos. "Para quem viveu 20 anos, esperar dois anos por um rendimento parece uma eternidade".

Em meio ao crescimento das bets, o número de investidores nas opções reconhecidas pelos órgãos de controle segue em estagnação. Entre 2021 e 2023, o percentual de pessoas investidoras entre a população brasileira subiu de 31% para 37%. Em 2024, esse quantitativo parou de subir e estagnou em 37%.

Ao mesmo tempo, um contingente de 32 milhões de pessoas ficou de fora do mercado financeiro mesmo com reserva financeira disponível.

Mesmo entre os que estão inseridos no mercado financeiro de alguma forma, o perfil médio dos investidores não é de Bolsa de Valores, renda fixa ou fundos, mas a tradicional caderneta de poupança.

Segundo o levantamento, o equivalente a 20% da população investe apenas na poupança, enquanto outros 17% utilizam mais de um produto financeiro para alocar seu dinheiro, e outros 12% não aplica dinheiro em nenhum tipo de produto.

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O papel dos influencers em um país de endividados

O Raio X do Investidor mostrou ainda que 52% dos brasileiros não possui reservas financeiras, não economizam e não investem nenhum valor. Neste segmento, a grande maioria (59%), tem um nível de estresse financeiro considerado alto.

"De modo geral, ao aprofundar os comportamentos, cerca de 84% dos brasileiros e brasileiras concordam totalmente ou em partes que vivem sob pressão para aumentar a renda, enquanto 50% afirmam que trabalham excessivamente apenas para pagar suas contas", aponta a Anbima.

O que, na avaliação da entidade, cria um ciclo complicado de romper: o alto estresse, por exemplo, afeta o sono de 37% das pessoas, prejudicando o desempenho profissional e, consequentemente, as chances de melhorar a renda.

E é em meio a esse cenário - de grande endividamento e baixa educação financeira - que preocupa a crescente associação de influenciadores com as casas de apostas, na avaliação do presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Wandemberg Almeida.

Ele cita ainda o direcionamento errático feito por influenciadores de grande alcance. "Tudo começa com a falta de planejamento financeiro, de conhecimento, de gestão dos próprios recursos. Falta direcionamento e eu também responsabilizo, infelizmente, pessoas falando de mercado financeiro sem ter conhecimento real sobre ele (mas com grande alcance nas redes sociais)", completa.

 

Ceará na mira dos sites de aposta

O número de CNPJs cadastrados no Brasil que são referentes a jogos de azar online saltou 153% entre 2022 e 2024. O levantamento, feito pela BigDataCorp, revela que estados como o Ceará possuem uma proporção de bets superiores às demais empresas.

Segundo o estudo "CNPJs do Brasil", embora as regiões Norte e Nordeste representem apenas 19,47% do total de pessoas jurídicas do País, elas concentram 37,34% das empresas de apostas online.

Nesse recorte, estados como Amazonas, Maranhão e Rio Grande do Norte, além do Ceará, se destacam. No Estado, estão registrados 2,6% de todos os CNPJs brasileiros, enquanto abriga uma proporção de 5,5% do setor de bets.

O número geral de empresas com CNAE de jogos de azar online saltou de cerca de 840 no fim de 2022 para mais de 2.100 no fim de 2024. A projeção é que ao fim de 2025 o crescimento se consolide e mais 1.200 novos CNPJs sejam incluídos, o que representa um avanço de 61,5%.

Outro detalhe captado pelo levantamento é a alta presença de empresas sediadas no Exterior. Enquanto a média geral é de 0,34% dos CNPJs, no segmento de apostas esse número chega a 0,87%.

Thoran Rodrigues, CEO da BigDataCorp, comenta que, no caso das regiões Norte e Nordeste, existe uma combinação de mercado e oportunidade."De um lado, pessoas de renda mais baixa são, mesmo que indiretamente, o público-alvo dessas empresas, e esses estados concentram essa população. Do outro lado, a oportunidade de entrar em um mercado em crescimento e inexplorado era praticamente irresistível."

Os dados são da B3.
Os dados são da B3.

Investidores buscam independência na hora de investir, mas ajuda profissional pode ser alternativa

O Raio-X do Investidor em 2024 revelou a consolidação da preferência dos investidores em preferir escolherem por si suas opções de investimentos.

Um total de 49% dos entrevistados disseram que investem por meio de aplicativos ligados a alguma instituição financeira, uma alta de 4 pontos percentuais (p.p.) em relação a 2023.

O número é ainda maior quando olhamos para a geração Z (16 a 28 anos), em que essa proporção chega a 68%.

Essa mesma faixa etária é a que mais utiliza canais digitais para se informar sobre investimentos. YouTube (57%), Instagram (49%), além de portais e sites (35%), são os preferidos.

Apesar do crescimento da digitalização, ajuda profissional a partir da atuação de um assessor de investimentos pode ser positivo para quem não tem tanto tempo para acompanhar o mercado.

Para Nisabro Fujita, CEO da M7 Investimentos e Soluções Financeiras, o avanço da digitalização tornou fácil o acesso do investidor de executar ordens e navegar dentro das estruturas de investimentos, executando as ordens sozinhos.

Mas o que gera independência também aumenta o risco. O executivo destaca que apenas buscar informações com influenciadores sem se atentar ao seu perfil de risco e objetivos, é um problema.

"É muito importante procurarmos profissionais habilitados, com as devidas certificações que existem. Até porque é muito difícil para o investidor sozinho lidar com a quantidade de informação que existe. Buscar isso só pelas redes sociais ou YouTube até vai encontrar algumas informações interessantes, mas também muitas que não agregam", pontua.

Por isso, defende o modelo de atuação do assessor de investimentos que se baseia no Check-up 360°, em que elenca as necessidades, objetivos, posição financeira, momento de vida e estratégia do investidor.

"Muitas vezes vejo as pessoas se preocuparem apenas com o perfil de investimento. Aqui, eu prefiro investir mais tempo no entendimento do investidor, para podermos fazer esse trabalho de assessoria, de condução, de oferecer estruturas mais adequadas ao momento de vida e aos objetivos da pessoa", ressalta.

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