Os aplicativos e sites de apostas, conhecidos como bets (apostas em inglês), têm ganhado não somente mais popularidade no Brasil, mas ido para o lado de quem os vê como um investimento ou uma parte nada saudável, que culmina em vício ou ludopatia.
A "loteria de apostas de quota fixa" ou "o mercado das bets" trata-se de sistemas de apostas online relacionados a campeonatos reais, a maioria, de teor esportivo.
Para se ter ideia, em 2023, cerca de 22 milhões de pessoas (14% da população) afirmaram ter realizado pelo menos uma aposta, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O próprio termo bets em inglês, comum no Brasil, está associado à presença de plataformas estrangeiras de apostas online no País. Algumas dessas empresas operadoras no mercado esportivo que mais se destacam internacionalmente são a Bet365, Betfair, Sportingbet, BetWay e são do Reino Unido.
No panorama brasileiro, a parcela dos 14% dos apostadores se divide em 5 milhões de pessoas (3%) que dizem utilizar frequentemente os aplicativos de bets. Além de 8 milhões (5%) que usam de vez em quando e outras 10 milhões de pessoas (6%) que raramente fazem uso desses aplicativos.
Ou seja, o crescente interesse da população por apostas online foi constatado pelo levantamento feito pelo Datafolha e divulgado pela Anbima. Um total de 5.814 pessoas, de todas as regiões do País, passou por entrevistas entre os dias 6 e 24 de novembro de 2023.
Foram ouvidos homens e mulheres de 16 anos ou mais, das classes A/B, C e D/E, em que 71% trabalham, fazendo parte da população economicamente ativa (PEA). Com relação ao estrato social, quase metade dos pesquisados é da classe C (47%), seguidos pelas classes D/E (29%) e A/B (24%), resultando uma renda familiar média de R$ 4.072.
Apesar de a maior parcela das pessoas entrevistadas ser feminina (52%), o público masculino demonstra destaque em porcentagem de apostadores, com aderência de 19%, e diferença de nove pontos percentuais em comparação às mulheres (10%).
A pesquisa indica que são mais elevados os números de apostadores entre os entrevistados que já aplicavam dinheiro em fundos de investimento (16%). As pessoas que mais apostam são das classes A/B, com 17%, e C, com 15% de expressão.
Considerando as gerações, os brasileiros das idades de 16 a 27 anos (geração Z) foram os que mais fizeram apostas online (29%) em 2023. Logo depois há os millennials ou geração Y (28 a 42 anos em 2023), com 18%. A geração X (43 a 62 anos em 2023), com 6%, e os boomers (63 anos ou mais), com 4%.
Diante de todo o panorama de quem aposta, as razões de quem doa seu tempo para as bets estão principalmente na possibilidade de ganhar dinheiro rápido em situações de necessidade (40%) e na chance de alto retorno (39%).
É a percepção de Wesley Vidal, de 24 anos, que além de estudante de Geologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), considera-se apostador profissional, com quase quatro anos de experiência no segmento.
Vidal conta que aposta todo dia e alega que sua principal fonte de renda financeira vem das bets (60%), mas confessa que antes de usá-las não fazia investimentos.
Sobre sua realidade atual, apesar de questionado, prefere não dizer o quanto ganha ou perde apostando. Mas diz que, no começo, chegou a aplicar R$ 1,3 mil no crédito e teve retorno de R$ 2,5 mil. Desde então, nunca mais parou.
Diz, ainda, que a maioria dos usuários das bets que conhece é assim: "Começa a investir depois de lucrar com as apostas, e considera as bets uma forma de aplicação financeira."
Inicialmente, Vidal foi estimulado a usar as plataformas de apostas online devido ao seu ciclo de amigos que já apostava.
"Meu pai me falou para não me meter nisso, mas eu continuei". Para ele, "deu muito certo" porque a turma de amigos (das classes D/E) começou apostando pouco e, segundo o apostador, conseguiu ter alto retorno a ponto de melhorar a renda mensal.
E a percepção acerca do mercado das bets que chega até Vidal é que há quatro anos havia um forte estigma contra as apostas. Ele expressa também que "antes as pessoas não tinham perspectiva de que era possível tornar isso a principal fonte de renda". Porém, diz que "hoje o Brasil é um dos países que mais tem apostadores no mundo.
O pessoal deixa de comer para estar apostando". "É claro que tem mês que eu não vou ganhar nada, tem mês que eu vou perder. Mas o foco é no longo prazo. O apostador de verdade pensa no longo prazo como regra principal", afirma Vidal.
O que a pesquisa Datafolha mostra é que os entrevistados consideram os aplicativos de apostas uma forma de diversão (26%).
Esse percentual é maior entre a classe A/B (33%) e entre os millennials (30%), que são as pessoas que nasceram entre 1984 a 1995. As mulheres mencionam a chance de ganhar dinheiro rápido com as bets mais do que os homens (46% para elas e 35% para eles).
A quantidade de apostadores que acham que os aplicativos de apostas são uma possibilidade de conseguir dinheiro rápido em momentos de necessidade é maior entre as classes C (42%) e D/E (44%), e a geração X (52%) e entre quem não investe (46%).
Em seguida, alguns citam que usam as bets pela emoção de apostar (25%), e pela oportunidade de apostar valores pequenos (20%). Já os homens representam mais a valorização da emoção de apostar (27%) em relação às mulheres (23%).
Além de prováveis prejuízos e alto risco de aplicação financeira, as bets também podem gerar compulsão. O vício em apostas é denominado ludopatia, e é um risco à saúde pública reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 1980.
Na Casa Despertar, por exemplo, uma a cada 10 pessoas que busca acolhimento é por vício em apostas. Quem diz isso é Marcelo Palácio, responsável pelo acolhimento da clínica especializada em tratamento de dependências, localizada no Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Em relação ao princípio das compulsões, em geral, há um padrão, conforme Palácio. Inicia-se com o estímulo das amizades que já apostam, adquirindo cada vez mais desejo por aquela sensação, até se tornar vício. E há os casos em que a predisposição pode ser o fator de desenvolvimento da obsessão em apostas.
"É preciso ter a cabeça boa para continuar apostando", comenta o apostador Wesley Vidal. O que é realmente vício para ele é quando não se aceita a perda de dinheiro. Mais precisamente quando a dependência é gerada pela vontade de recuperar o dinheiro perdido.
Já para Miguel (nome fictício), 31 anos, "isso é uma desculpa". Segundo ele, a tendência após "perder toda a banca" (todo o valor das apostas) é tentar recuperá-la, mas o que provoca a compulsão é "o prazer durante a aposta", que envolve a adrenalina da incerteza de ganhar ou perder.
"O jogador compulsivo, ele não aposta para perder ou para ganhar. Ele aposta para sentir essa emoção durante a aposta." Miguel se identifica como jogador compulsivo em recuperação, e participa na condição de voluntário das reuniões dos Jogadores Anônimos (J.A.), em Fortaleza, nos bairros Centro e Praia de Iracema.
Os JA (jogadores anônimos) são uma irmandade gratuita composta por pessoas que compartilham suas experiências durante as reuniões em grupo, com o intuito de parar de jogar.
O ex-apostador diz que passou a perceber que a busca pela emoção das bets se tornou compulsão quando iniciaram as crises de ansiedade por não conseguir parar de apostar. A vivência dele é que os sintomas do vício propiciam "mentiras e manipulações".
"É tudo pela ganância, de querer mais e querer voltar ao jogo". Por conseguinte, para ele, a vida "acaba virando uma personalidade voltada simplesmente ao jogo".
(85) 98865-2500
Comunidade Terapêutica
Endereço: R. ngelo Rodrigues Monteiro, 40,
Telha, Aquiraz-CE
Clínica Especializada
R. Manoel Feliciano de Lima, 11, Aquiraz-CE
(85) 98929-5529
Grupo Fortaleza
Segundas-feiras 19h
Endereço: R. São Paulo, 32 Sala 316, Centro,
Fortaleza-CE
Grupo Iracema
Sábados 10h -12h
Endereço: Av. Almirante Barroso, 949,
Praia de Iracema, Fortaleza-CE
Impacto
O responsável pelo acolhimento da clínica especializada em tratamento de dependências, Marcelo Palácio, alerta que o vício não chega apenas aos viciados mas a toda a família
Série de reportagem mostra como as apostas esportivas e os jogos de azar podem representar ameaça de vício