Marcada, historicamente, por casos de desestruturação e fuga de investimentos devido à desigualdade na competição com o Sudeste do País, a indústria do Nordeste vive um novo momento, hoje, no qual demonstra vontade e potencial para liderar o processo de neoindustrialização do Brasil. Na esteira dos projetos, os objetivos sustentáveis se destacam nas propostas e nos estímulos.
Fabrício Silveira, superintendente de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), destaca o que classifica de "apetite" do industrial por incentivos em um cenário internacional no qual "o Nordeste está em uma posição privilegiada".
O destacado por ele é atestado, na prática, nos números do programa federal Nova Indústria Brasil. De um total de R$ 516 bilhões desembolsados nacionalmente desde 2023, alcançando 258 mil projetos, o Nordeste recebeu R$ 63,33 bilhões para contemplar 96 mil iniciativas.
Entre os principais eixos alvo dos recursos estão produtividade (R$ 39,8 bilhões), verde (R$ 19,7 bilhões), inovação (R$ 3,4 bilhões) e exportação (R$ 0,4 bilhões). No eixo verde, ressalta Silveira, o montante destinado à Região é 51% do total do Brasil. "Esses dados reforçam a oportunidade para o Nordeste, dado sua posição de destaque na atração de indústrias em busca de maior sustentabilidade", considera.
Já na chamada pública feita pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na última semana, o Nordeste levou propostas cuja soma chegou a R$ 127,8 bilhões - quase 13 vezes mais do que a oferta inicial do edital.
Os objetivos encontram no potencial de oferta de energias renováveis um diferencial competitivo para a atração de indústrias, de acordo com o diretor da CNI. "Esse potencial sustenta a estratégia de poweshoring, em que empresas buscam localizar suas plantas em regiões capazes de oferecer energia limpa, abundante e a custos previsíveis, reduzindo riscos frente às exigências globais de descarbonização".
João Mário de França, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (Caen/UFC) e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), diz considerar a motivação dos industriais e o estímulo do programa federal cruciais para o momento pré-reforma tributária.
"Isso porque a chamada 'Guerra Fiscal', nas quais os estados usavam descontos em impostos para atrair indústrias, vai perder força. Então, vai ser preciso pensar a atração de uma outra forma", explica.
Para isso, João Mário indica a estruturação de cadeias produtivas nas quais a vocação local pode ser impulsionada a partir de uma infraestrutura apta e formação de pessoal especializado. Neste caso, além da vontade, um planejamento que alie os setores produtivo e público é essencial.
Mas isso acontece, segundo o pesquisador, quando se vê a chegada do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) ao Ceará, da Escola de Sargentos em Pernambuco, do Parque Tecnológico Aeroespacial na Bahia e da criação da primeira Faculdade de Energias Renováveis e Tecnologias Industriais do Brasil ao Rio Grande do Norte.
Ao mesmo tempo, ressalta o diretor da CNI, é necessário ainda "financiamento adequado, modernização de equipamentos, infraestrutura compatível e políticas públicas alinhadas às exigências ambientais globais."
"A descarbonização industrial demanda investimentos significativos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, além de mecanismos que facilitem o acesso a crédito verde e instrumentos financeiros voltados à sustentabilidade", defende, apontando os elementos que podem ajudar o Nordeste na liderança da neoindustrialização no Brasil.
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Região não recuperou capacidade de produção
A vontade de inovar em um futuro sustentável com mais ganhos observada nos números do Nova Indústria Brasil demonstra o objetivo do setor industrial de retomar a produção ostentada no pré-pandemia de Covid-19, sugere a pesquisadora Liliane Barroso, coordenadora de estudos e pesquisas do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene). Isso porque, com exceção de Pernambuco, nenhum dos outros estados conseguiu retomar os patamares observados antes de 2020.
"A indústria em geral da Região não tem alcançado avanços expressivos e se mantém muito aquém do seu potencial. A produção em julho de 2025 foi 16,9% menor do que a realizada em fevereiro de 2020 (mês anterior à pandemia)", comenta.
Liliane avaliou o dados publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sobre o desempenho da produção industrial. No intervalo mencionado por ela, Bahia (-21,1%) e Ceará (-8,2%) recuam, enquanto Pernambuco conseguiu avançar 6%.
"Esse é um dado muito cruel. A indústria precisa de esforço extra, bem acima do normal, para tentar alcançar um patamar que já conseguia ter. Mas isso serve de alerta para chacoalhar os industriais no sentido de fazer alguma coisa", sugere.
Para isso, a coordenadora do Etene sugere o investimento em setores cuja mão de obra seja mais qualificada ao mesmo tempo que a demanda esteja latente. Neste bojo, cita, estão as montadoras de carros eletrificados, a geração de energia renovável e a tecnologia da informação.
Simultaneamente, observa, a modernização dos parques fabris atuais se mostra essencial para setores instalados há décadas e que precisam de uma atualização para se manterem competitivos.
"Temos muito potencial, mas muitos gargalos precisam ser resolvidos pelo poder público juntamente com os empresários", avalia.