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Curadora-chefe do MuBE (SP), professora cearense Galciani Neves revista trajetória na arte
Vida & Arte

Curadora-chefe do MuBE (SP), professora cearense Galciani Neves revista trajetória na arte

Professora e pesquisadora cearense, Galciani Neves é nova curadora-chefe do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (SP) e fala ao V&A sobre desafios da atuação curatorial
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Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (SP), no bairro Jardim Europa, foi inaugurado em 1995 (Foto: Nelson Kon / divulgação)
Foto: Nelson Kon / divulgação Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (SP), no bairro Jardim Europa, foi inaugurado em 1995

"Meu maior lugar de aprendizado é na conversa", resume a professora e pesquisadora cearense Galciani Neves em determinado momento da entrevista ao O POVO. Nascida em Fortaleza e formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), passou a construir uma trajetória profissional voltada ao campo das artes e encontrou terreno fértil em São Paulo, onde mora desde 2005 e, recentemente, assumiu o cargo de curadora-chefe do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE). Entre os desafios da nova tarefa, está não somente o contexto da pandemia, mas também a própria sustentação das ações culturais e educativas em meio a frequentes ataques e esvaziamentos, além da priorização de conexões possíveis com outros corpos, vozes e processos.

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O percurso de pesquisa artística para Galciani começou ainda em Fortaleza, no Alpendre Casa de Arte, espaço cultural que funcionou na capital cearense entre 1999 e 2012. "Há 20 anos ou mais, a Cidade ainda era árida em produção e cenário artístico. Tinham poucas iniciativas, mas o Alpendre era um lugar que tinha efervescência em todas as artes. Uma figura muito importante para mim foi o (artista visual e escultor) Eduardo Frota, que tinha um grupo de estudo que frequentei por um tempo. Acho que todo mundo lá queria ser artista. Eu não, mas nessa época não se falava muito de curadoria, eu pelo menos não tinha conhecimento", remonta. Junto da experiência, a pesquisadora destaca ainda professores importantes na UFC, como Ronaldo Salgado, Tadeu Feitosa, Silas de Paula e Firmino Holanda.

A ida para São Paulo veio como uma forma de aprofundar o pensamento sobre arte. Chegou na cidade para uma especialização em Design Gráfico na qual estudou o livro de artista, tema que levou para um posterior mestrado em Comunicação e Semiótica na Pontifícia Universidade Católica, onde alcançou depois o título de doutora. Ao longo dessas vivências, acumulou experiências profissionais em eventos como a Bienal de São Paulo (2010 a 2013). Dali, aproximou-se fortemente da ação docente. "Tive uma convivência intensa com projetos educativos, colaborei com a construção dos materiais, ministrava aulas da História da Arte que faziam parte da formação dos educadores, também ministrava cursos para professores de escola pública", recupera.

A partir deste ponto, passou a dar aulas em instituições como a Fundação Armando Alvares Penteado (SP) e a UFC. "Fui convidada para ser professora colaboradora da UFC e isso também foi muito importante para mim, porque voltei a Fortaleza para contribuir com a Cidade e entrei em contato com pessoas que estavam pensando arte dentro do lugar que me formou. É muito emocionante, não consigo nem usar outra palavra", divide Galciani. "Me defino antes como professora para depois entender que sou curadora. Vejo a atividade em sala de aula e a atividade como curadora muito juntas. Ao mesmo tempo que pesquiso para construir conteúdos e experiências em sala de aula, usufruo também da minha experiência como curadora e com as trocas que tenho com os artistas", considera.

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É na busca por cada vez mais trocas que deve se nortear o trabalho da professora e pesquisadora como curadora-chefe do MuBE. "O sistema sempre funcionou na exclusão, agora (na pandemia) isso só foi escancarado para outras pessoas. Se a gente pensar no que uma jovem artista preta periférica enfrenta para afirmar que quer ser artista, o sistema sempre se apresentou como um lugar impenetrável", reconhece Galciani. "Quando a gente pensa no cargo de curadoria, também tem que pensar que é a construção de uma esfera pública de discussão. A gente planeja uma exposição tendo em mente um projeto plural, diverso, que seja de natureza polifônica, que tenha a educação como principal vocação, mas a exposição é também um lugar de legitimação de obras e de artistas porque essa seleção também acaba por não escolher algumas vozes, trabalhos, processos", aponta.

Neste sentido, a curadora ressalta como prioridade a atenção às pautas identitárias. "Se acentua cada vez mais a necessidade da gente romper uma bolha - se é que isso é possível, importante frisar - e ampliar o olhar", defende. "Preciso estar atenta ao que me aparece e também me atentar a ampliar e diversificar meus modos de investigação e de diálogo, realmente jogar tentáculos para fora de onde sempre trabalhei", afirma Galciani. "No processo de construção de uma curadoria, a busca por novos pares para estarem juntos numa exposição é primordial".

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A essa intenção, desafios outros se somam, tanto relacionados ao contexto da pandemia quanto, como ressalta a curadora, aqueles já existentes. "Em um País em que educação e cultura são atualmente completamente desrespeitadas, iniciativas de apoio são o que a gente mais vai precisar, porque não podemos contar com uma política pública de apoio - o que é uma pena, mas é a realidade. A pandemia deixa tudo mais pronunciado, mas a nossa estrutura de ação já era sem estrutura", reforça.

O imperativo dos dispositivos e plataformas digitais é visto por Galciani como uma "estratégia importante", mas há um contraponto. "Isso vai funcionar por um tempo, ainda vamos aprender a explorar o que o meio digital nos apresenta, mas precisamos ter o cuidado de não achar que migramos para a virtualidade. Se acharmos, levamos tudo que o espaço expositivo tem de mal constituído para o espaço digital e o digital vira uma espécie de caricatura mal feita do espaço expositivo físico", alerta.

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