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Pequenas e médias editoras debatem panorama editorial após proposta da Amazon
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Pequenas e médias editoras debatem panorama editorial após proposta da Amazon

Proposta da Amazon a pequenas e médias editoras causa reação e estimula reflexão sobre processos e políticas da cadeia editorial no Brasil
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"Os descontos para as livrarias físicas e distribuidoras são de até 50% e, para a Amazon, a grande maioria (das editoras) já dá 50%", informa Henrique Farinha, publisher da Editora Évora (Foto: Aurelio Alves/ O POVO)
Foto: Aurelio Alves/ O POVO "Os descontos para as livrarias físicas e distribuidoras são de até 50% e, para a Amazon, a grande maioria (das editoras) já dá 50%", informa Henrique Farinha, publisher da Editora Évora

Há cerca de duas semanas, a gigante do e-commerce Amazon contactou editoras pedindo que estas aumentassem o desconto oferecido a ela na venda de livros. A reação inicial veio em resposta coletiva do Grupo de Editores Juntos Pelo Livro, reunião de pequenas e médias editoras, que apontou "a inviabilidade de aceitar a elevação dos descontos". A proposta, para além, fez com que série de questões relacionadas à cadeia editorial fossem colocadas em discussão, da logística à subsistência das iniciativas.

"Os descontos para as livrarias físicas e distribuidoras são de até 50% e, para a Amazon, a grande maioria (das editoras) já dá 50%", informa Henrique Farinha, publisher da Editora Évora e um dos porta-vozes do movimento. A empresa, no pedido, demandou que os descontos sejam de 55% a 58%.

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"Descontos regulares para um varejista de livros acima de 50%, na prática, mudam a paisagem. Eles influenciam na precificação, na concorrência, na diversidade de canais e muito mais", resume Ivana Jinkings, editora da Boitempo.

Na prática, Henrique explica que, caso a proposta seja aceita, outras distribuidoras e livrarias irão pedir o mesmo valor. O ponto é também abordado por Ivana: "Criar um precedente que permita que um participante tenha condições de desconto e prazo de pagamento muito diferentes da maioria acelera a possibilidade de concentração e dependência", aponta.

Publicações da Aliás Editora
Foto: Reprodução
Publicações da Aliás Editora

O editor da Évora lembra que a Amazon recebe das editoras outros valores, referentes à taxa de marketing, compra de cupons de descontos aos leitores e entrega dos volumes para os depósitos da empresa.

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"As editoras estão com a margem pressionada, o lucro líquido das pequenas é baixo, normalmente na faixa de 4%", indica. A mudança reduziria o lucro e impactaria elos da cadeia. "Eu teria que sentar com meus autores e dizer que vou reduzir o direito autoral, chegar ao meu prestador de serviço - o revisor, o copydesk - e falar 'vou ter que te pagar menos porque minha margem caiu'", exemplifica.

Editor da Vermelho Marinho, Tomaz Adour ressalta que a aposta dela, atualmente, é o modelo de impressão sob demanda, no qual um livro é impresso por uma empresa a partir da procura. Nele, a editora recebe uma porcentagem maior do valor. O aumento do desconto, avalia Tomaz, pode impactar inclusive no preço final do livro.

"Projeto Retomada das Livrarias" visa fortalecer o mercado de livros no País, disponibilizando uma renda financeira para que os micro e pequenos donos de livrarias mantenham suas atividades (Foto: Alex Gomes em agosto de 2019)
Foto: Alex Gomes
"Projeto Retomada das Livrarias" visa fortalecer o mercado de livros no País, disponibilizando uma renda financeira para que os micro e pequenos donos de livrarias mantenham suas atividades (Foto: Alex Gomes em agosto de 2019)

"O desconto tinha de ser de 40%, 50% no máximo, porque se damos 50% os livros ficam caros e isso se repassa para o leitor", relaciona. "Se pedirem mais desconto e eu conceder, posso aumentar o preço do livro porque com isso cubro o aumento", corrobora Henrique, "mas, vamos ser francos, não tem a menor condição de fazer isso agora".

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Para editoras independentes que não negociam diretamente com a Amazon, o impacto da empresa se dá de outras formas, como ilustra Anna K, da Aliás. "O poder que a Amazon tem como grande distribuidora de livros faz com que uma editora pequena como a nossa tenha dificuldade no repasse. Enviamos um material, há uma demora - a gente conta com o transporte dos Correios - e as pessoas reclamam porque estão comparando com a Amazon, um grande conglomerado", ilustra. Apesar de não negociar diretamente, a Aliás assina a nota conjunta do grupo.

Estopim para refletir questões em aberto do universo editorial, como a logística de entrega, a concorrência e a concentração de mercado, a proposta da Amazon tem como saídas possíveis - indicam editoras e editoras ouvidos pelo V&A - a partir da ação governamental e da união da classe.

Tomaz aponta a aprovação da chamada Lei do Preço Fixo como uma saída adequada, já que ela tabelaria o valor de um livro durante o ano de seu lançamento e todos os vendedores - sejam físicos ou virtuais - teriam que comercializá-lo neste preço

A precificação fixa é, também, citada por Ivana, bem como o "Plano Nacional do Livro, planos municipais, bibliotecas públicas e comunitárias, rede de livrarias populares", elenca entre outros. Para Anna K, ter "um serviço de entrega eficiente" no País poderia ajudar. "Ou seja, a atualização e o não sucateamento dos Correios, por exemplo. É uma coisa muito maior", antevê.

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"As entidades têm de buscar fórmulas de estimular não só o equilíbrio entre os diferentes elos desse ecossistema, mas também o desenvolvimento de novos canais de distribuição, de novas formas de se chegar ao consumidor, de mercado", define Henrique. "Do lado das políticas públicas, temos que pensar que o livro é um bem cultural. Sendo, tem que ser uma política de estado o estímulo à disseminação desse bem, para que mais e mais pessoas tenham acesso. Há várias formas do governo estimular a produção de conhecimento e a sua disseminação. Precisa haver interesse", pontua.

Juntos Pelo Livro: debates democráticos a favor do setor

Em 2018, editoras se agruparam para discutir questões do mercado editorial que norteavam o debate à época: as recuperações judiciais das livrarias Cultura e Saraiva, além das falências da BookPartners e Laselva. “Foi pra discutirmos como reagir, o que fazer. E foi tomando corpo”, narra Henrique Farinha, publisher da Editora Évora. Sob a alcunha de Grupo de Editores Juntos Pelo Livro, o coletivo tornou-se um ponto de debate central do setor.

Com a proposta da Amazon e a consequente movimentação do grupo, inclusive, o número de integrantes saltou: o texto da nota à imprensa divulgada no último dia 15 indicou que cerca de 130 editoras faziam parte do ajuntamento, enquanto hoje o número está mais próximo de 200.

Henrique explica que, no Juntos Pelo Livro, as editoras debatem temas do mercado e avaliam posicionamentos em coletivo - ou, se for o caso, encaminham questões para entidades do setor, como a Câmara Brasileira do Livro, o Sindicato Nacional de Editores de Livros e a Liga Brasileira de Editores Independentes.

Entre temas já apreciados pelo grupo, estão as já citadas recuperações judiciais da Saraiva e da Cultura, sugestões de formas de financiamento para o setor enfrentar a pandemia, valorização do livro e da leitura e informações sobre editais, entre outros.

Dependendo da urgência do contexto e da questão debatida, o grupo se posiciona diretamente - como no caso da Amazon, que demandou que as resposta à proposta feita viessem em cinco dias. “A gente se posicionou o mais rapidamente possível, porque era necessário, mas é claro que isso foi encaminhado para as entidades e vamos aguardar”, indica Henrique.

As entidades são importantes nessa lógica, explica o editor, por terem estrutura jurídica e administrativa formatada e, então, terem a possibilidade de encampar os movimentos. Tomaz Adour, da Vermelho Marinho, destaca que, pelo perfil diverso de membros do grupo, as trocas são sempre importantes.

“A troca de informações é muito rica, com informações reais, privilegiadas muitas vezes. Todo mundo conhece todo mundo das livrarias, dos distribuidores, do governo”, destaca. Um tema atual em debate é o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), ligado ao Ministério da Educação.

Anna K, da cearense Aliás, conta que a editora já faz parte de outro grupo, a Coesão Independente, voltada para iniciativas editoriais com este caráter, onde as questões e demandas do Juntos Pelo Livro também reverberavam. “O grupo é um coletivo de editoras que, de forma descentralizada, democrática, toma decisões conjuntas”, define.

“São dezenas de editoras participando, algo que, talvez, nem a própria Câmara Brasileira do Livro tenha. Se torna imprescindível, cada vez mais e sempre, que estejamos conversando, dialogando e propondo juntos pelo livro, pela literatura, pela vida, pelo direito de existir”, destaca a editora.

Ivana Jinkings, da Boitempo, destaca a importância de um espaço do tipo para o setor, ainda mais levando em conta o desenrolar da crise do mercado editorial e livreiro - que despontou em 2012, tomou maior proporção em 2018 e foi acentuada com a pandemia.

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“No ano passado, por conta da desastrosa possibilidade de tributação do livro, houve aglutinação e consenso, muito mais do que a partir da solicitação de aumento de descontos de ‘um’ varejista de livros. Esse espírito deve ser retomado por todas as entidades do livro e quem delas participa”, defende. “A Amazon só será um problema de fato se não formos capazes de abraçar, juntos, as inúmeras possibilidades que se apresentam”, finaliza.

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