Usando codinomes e realizando diferentes assaltos no mesmo dia, João Acácio Pereira da Silva foi um criminoso conhecido da década de 1960. A mídia o chamava de "bandido da luz vermelha", por usar uma lanterna de aro avermelhado. A história do ladrão ganhou livro, filme e agora inspira o monólogo "Um Artista da Luz Vermelha", um trabalho de Murillo Ramos, Yuri Marrocos e do coletivo Manada Teatro, que relacionam a trama do criminoso com a "maldição" do ser artista.
Aos quatro anos, João Acácio se tornou órfão. Ele e o irmão mais velho, Joaquim Tavares Pereira, passaram a ser cuidados pelo tio, que os submeteram a trabalho forçado em troca de comida, além de terem sido torturados física e psicologicamente pelo parente, que negou as acusações. Na pré-adolescência, foi estuprado por meninos mais velhos. Em meio a um início de vida marcado pela violência, João Acácio teve seus piores instintos despertados.
Passou a se envolver em furtos e de Santa Catarina se mudou para São Paulo, onde participou de roubos e desmanches de carros. Conseguiu enganar a polícia ao se passar por diferentes assaltantes, mas o que ficou mais conhecido foi o "bandido da luz vermelha". O criminoso usava roupas chamativas e tinha seu próprio "estilo" de agir: entrava nas casas de madrugada, cortava a energia e carregava uma lanterna com uma lente vermelha.
Depois de seis anos, a polícia conseguiu prender o bandido, após ter deixado impressões digitais em uma mansão. Ao ser preso, ele confessou apenas quatro crimes e foi condenado por quatro assassinatos, sete tentativas de homicídio e 77 assaltos, com uma pena de 351 anos, 9 meses e três dias de prisão.
Mas por que um criminoso virou tema de produtos artísticos? A ideia era celebrar os 25 anos de carreira no teatro do ator e diretor Murillo Ramos, que teve a infância marcada pelas notícias sobre o "bandido da luz vermelha". Desse modo, Murillo e Yuri se unem para relacionar a trama de João Acácio com questões referentes à vida de um artista, envolvendo as vaidades do criminoso e também abordando sucesso e fracasso.
A ideia inicial era realizar um espetáculo, mas a pandemia limitou os objetivos. No ano passado, o monólogo foi exibido em vídeo no YouTube, dentro do segundo episódio do programa "Zona de Criação", promovido pelo equipamento cultural Porto Dragão. Mas agora o projeto ganha um livro, que será lançado no dia 17 de setembro.
A obra discute a paixão sensacionalista da mídia policial e relaciona a criação do "bandido da luz vermelha" a um personagem de ficção. "Tem o João Acácio e o bandido da luz vermelha. O bandido da luz vermelha é meio que um personagem criado pela mídia policial. A partir dessa criação, e olhando para a vida de João Acácio, do bandido da luz vermelha, nós começamos a notar que eram excludentes entre si, eles não poderiam ser as mesmas coisas", afirma Yuri, autor da dramaturgia.
"Quando escolhemos falar sobre o João Acácio, nós estamos trazendo também temas que são difíceis de serem tratados no teatro", afirma. "Eu quero lidar com coisas que são difíceis no teatro, eu quero lidar com a dramaturgia que é vulgar, que é intragável", explica Yuri. "É perigoso falar de um assassino, mas se for perigoso eu também quero, é importante que seja perigoso. Não é fácil, mas ao mesmo tempo não é sobre facilidade", reflete. O autor explica que o intuito do trabalho não é romantizar a vida de um assassino, mas trazer questionamentos para que o público tire suas próprias conclusões.
Para Yuri, os meios de comunicação transformaram João Acácio em um "artista pop", através das notícias que geraram expectativas sobre a prisão do assaltante e sua condenação. Para ele, o mesmo tipo de cobertura jornalística ainda existe nos dias de hoje e cita como exemplo o caso recente do serial killer Lázaro.
"O leitor vai caminhando pela vida de João Acácio, o Bandido da Luz Vermelha, e termina de frente para a própria vida. Não há, nesse texto, um personagem que concentre em si a carga da ficção, mas aqui, a realidade circula o centro de massa da ficção sem nunca, entretanto, atingi-lo", afirma Yuri.
"Ao passo que os crimes de João Acácio nos causam asco, a forma como a mídia sensacionalista o transformou em um artista pop nos meios de comunicação de massa fez com que nós fizéssemos um paralelo da vida de João Acácio com a 'maldição' do ser artista. O sucesso não opõe o anonimato, a morte não se inspira na vida", declara. Para o autor, o livro é um "indigesto manifesto sobre como a sociedade trata seus artistas, seus bandidos, seus pacientes psiquiátricos e todos aqueles que habitam a penumbra da sociedade''.
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui
Lançamento do livro "Um Artista da Luz Vermelha", de Yuri Marrocos
Quando: amanhã, às 18h30
Onde: Theatro José de Alencar (rua Liberato Barroso, 525 - Centro)
Quanto: R$ 40 (livro)