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Mito do fio de Ariadne é revisitado em espetáculo teatral
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Mito do fio de Ariadne é revisitado em espetáculo teatral

Com reflexões sobre amor, morte, violências e dores, espetáculo "Ariadne - Cartografias de um Labirinto" propõe releituras do mito de Ariadne para os tempos atuais
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Foto: Tim Oliveira/Divulgação "Ariadne - Cartografias de um Labirinto" vem sendo imaginado desde 2018

Na mitologia grega, a heroína Ariadne, filha de Pasífae e do rei Minos, da ilha de Creta, ajudou o ateniense Teseu a derrotar o Minotauro. O monstro carnívoro meio touro, meio homem vivia em um labirinto inescapável. Para auxiliar o herói a matá-lo e a sair desse labirinto, ela deu a ele o famoso “fio de Ariadne”, que guiou os seus caminhos. A “dona do fio da intuição” esperava viver ao lado de Teseu, mas, mesmo com sua vitória, isso não ocorreu. Tempos depois, conheceu o deus Dioniso, com o qual se casou.

A história de Ariadne pode ter sido resumida no parágrafo acima, mas as experiências vividas pela heroína deixaram marcas em sua trajetória que se expandiram para muitas narrativas. Além disso, abriram espaço para diferentes interpretações. Uma delas será transmitida neste domingo, 19, no canal do Theatro José de Alencar no YouTube: o espetáculo “Ariadne - Cartografias de Um Labirinto”, da Companhia Crisálida de Teatro. Com uma conexão com os tempos atuais, o trabalho propõe ressignificações ao mito de Ariadne ao abordar temas como o amor, a morte, o abandono, a violência contra a mulher e a complexidade de relacionamentos.

Dirigida pela atriz e dramaturga Juliana Veras, a produção é ambientada em um território onírico que destaca a relevância dos pensamentos. O espetáculo traz Ariadne, Pasífae, Fedra, Minos, Teseu e Minotauro, com atuações de Elaine Cristina, Ohana Sancho, Paulo de Souza e Rafaely Santos, além da própria Juliana.

Na cena, a “senhora do Labirinto” busca se encontrar com Dioniso, mas, diante de conflitos internos, se vê presa em labirintos físicos e psicológicos. Dentro dela surge um desejo por liberdade e por mudanças, e aparentemente o amor consegue apontar os caminhos necessários. A peça também propõe reflexões sobre questões sociais “urgentes”.

“Ariadne - Cartografias de um Labirinto” vem sendo desenvolvido desde 2018 e ganhou força para ser veiculado durante a pandemia. O interesse em falar sobre esse mito está atrelado a uma pesquisa anterior sobre “os amores” de Dioniso, deus do vinho, das festas e também do teatro. Ao percorrer a sua trajetória, a companhia alcançou a história de sua esposa, Ariadne.

No espetáculo são apresentados personagens próximos a ela para conversar sobre o labirinto. Um deles é Fedra, sua irmã, que acabou tirando a própria vida de forma trágica devido a um amor não correspondido. A peça, entretanto, propõe uma leitura diferente, com as duas irmãs “trocando forças entre si” para lutarem contra “os labirintos que estão no mundo”.

Trazer “acontecimentos trágicos” e apresentá-los sob a ótica da “delicadeza”: essa é uma das características do espetáculo. A história não é modificada, mas são postas em cena diferentes “formas de olhar” sobre temas como relacionamentos familiares, patriarcado, violências urbanas e domésticas: “É como se, por meio desse espetáculo, trouxéssemos uma lupa para esses acontecimentos que são muito brutais, mas ao mesmo tempo são de delicadezas profundas. Nosso desejo, enquanto companhia, é trazer uma lupa sobre acontecimentos que precisem de atenção e atitude ao nosso redor”, aponta Juliana.

Os personagens em cena compartilham representações simbólicas que ajudam a construir os significados das lutas contra o labirinto para que seja possível sair dele. A partir do diálogo e do encontro entre eles, o espetáculo reúne o território familiar para conversar sobre esses labirintos, abordando também acontecimentos que permeiam ambientes familiares.

Um dos labirintos da pandemia, na visão de Juliana, ocorreu com a impossibilidade de sair de casa para algumas pessoas devido ao distanciamento social rígido. Usando poesia e música, o trabalho mostra as repercussões dessa reclusão no ambiente familiar: em alguns casos, um lugar “de empoderamento e de força”; em outros, a presença de conflitos e violências domésticas. Essas reflexões são apresentadas com sensibilidade.

Durante o espetáculo, Ariadne, a senhora do Labirinto, deseja encontrar-se com Dionísio, seu
Durante o espetáculo, Ariadne, a senhora do Labirinto, deseja encontrar-se com Dionísio, seu (Foto: Tim Oliveira/Divulgação)

Falar sobre a mitologia grega em sua trajetória artística não é novidade para Juliana. Esse é um desejo, aliás, que nasceu “dentro da academia”, espaço em que foi incentivada a abordar, em seus trabalhos, um tema que “não se cansaria” de pesquisar. Assim, enveredou pelo estudo dos mitos da Grécia e com o tempo aprimorou seu “olhar” para esse campo.

“Não nasceu pronto esse meu olhar. Eu ficava bastante incomodada com a acidez e a violência presentes nesses mitos, mas me interessei em descobrir o impacto que essas histórias têm até hoje e fui identificando que, na verdade, as violências trazidas por esses mitos retratam emoções humanas que são vividas desde sempre. Os mitos falam sobre os nossos monstros interiores, sobre os quais precisamos falar”, comenta.

A atriz acrescenta: “Para mim, falar por meio dos mitos é algo muito forte e muito importante. Eu diria até que nós não falamos sobre os mitos, nós falamos com os mitos e, com isso, abordamos acontecimentos do presente”.

Diante dos “labirintos” encontrados durante a pandemia, a atriz acredita que é necessário ter “muita calma” para atravessar essas situações. Ela alega que há, atualmente, uma “vontade imensa” nas pessoas de obter respostas rapidamente, e a pandemia as forçou a refletir sobre a espera e sobre seus lugares no universo.

“A pandemia nos colocou num labirinto inevitável, que nos obrigou a encontrar com muita urgência uma forma de sobreviver externa e internamente. Ela nos obrigou a nos conectarmos com esse fio da intuição, que está nas perguntas que fizemos na sinopse do espetáculo. Ele é um fio de extrema necessidade, e precisamos descobrir onde ele está e entender a força com a qual precisamos nos agarrar a esse fio”, afirma.

Na visão de Juliana Veras, o espetáculo poderá trazer reflexões aos espectadores e apontar caminhos para diferentes formas de se lidar com as dores e os “labirintos” trazidos pela pandemia. Além de esperar a “conexão” da peça com o público, a atriz deseja que a produção “comunique ao coração coisas que as pessoas estejam precisando sentir e pensar a respeito”.

O espetáculo
O espetáculo (Foto: Tim Oliveira/Divulgação)

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Ariadne - Cartografias de um Labirinto

Quando: neste domingo, 19, às 19 horas

Onde: Theatro José de Alencar no YouTube

Mais informações: @ciacrisalida no Instagram

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