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20 anos sem Cássia Eller: fãs lembram shows e do legado da cantora
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20 anos sem Cássia Eller: fãs lembram shows e do legado da cantora

Na marca de 20 anos do falecimento de Cássia Eller, produtores e fãs lembram de shows da cantora em Fortaleza e o legado deixado pela artista
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Cássia Eller fez apresentação com o Barão Vermelho na barraca Biruta, em Fortaleza (Foto: Cau Borges/Arquivo pessoal )
Foto: Cau Borges/Arquivo pessoal Cássia Eller fez apresentação com o Barão Vermelho na barraca Biruta, em Fortaleza

Quando Cássia Eller interpretou a canção “Por Enquanto”, originalmente composta por Renato Russo, viu sua carreira começar a ganhar ainda mais destaque. Com seu toque pessoal, trouxe uma nova roupagem aos famosos versos da música e conseguiu romper barreiras do sucesso. Eternizar canções, portanto, se tornaria marca de seu repertório.

Voz de hits como “Malandragem” e “Palavras ao Vento”, Cássia foi vítima de um infarto do miocárdio em 29 de dezembro de 2001. Apesar de sua breve carreira, a artista deixou seu nome marcado na história da música brasileira e milhares de fãs espalhados pelo Brasil que, até hoje, 20 anos depois, lembram de sua obra e de seu jeito único de encantar com sua voz - e não seria diferente no Ceará.

Em sua trajetória, Cássia realizou parcerias com diversos artistas, como Roberto Frejat, Djavan e, principalmente, Nando Reis. Foi em seu sétimo álbum, intitulado “Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo” (1999), que o trabalho entre os dois se intensificou, tendo quatro das 12 músicas do disco sido escritas por Reis. O artista dirigiu o álbum “Acústico MTV”, que representou o auge do sucesso de Eller e venceu, em 2002, o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock.

O talento e o trabalho de Cássia atingiram todo o Brasil e alcançaram também terras cearenses. Em 2001, a artista esteve no festival de música Ceará Music trazendo o repertório do “Acústico MTV”. João Carlos Parente, um dos produtores do evento, chegou a acompanhar a cantora e a participar do planejamento da turnê daquele ano, com apresentações em cidades como Manaus, Aracaju, Maceió e Recife.

“Viajei muito com ela. Foi uma relação muito bacana”, relata. Segundo João, seriam realizados em 2002 shows em parceria entre Eller e Rita Lee, com as duas dividindo palco: “Seria algo muito especial. Aconteceu tudo muito rápido. A Cássia estava em um momento espetacular da carreira e os álbuns estavam a todo vapor”.

Em Fortaleza, João estima que mais de 25 mil pessoas compareceram ao show. Ele avalia que a cantora “foi uma das artistas mais importantes em sua trajetória” e enfatiza a força de sua obra para a música brasileira.“O legado que ela deixa é que a música sempre fala mais alto. Ela também trouxe uma abertura e uma legião de oportunidades a outros talentos. Essa memória continua ecoando aí até agora”, finaliza o produtor do festival.

Além do Ceará Music, outro espaço em que Cássia trouxe sua arte para Fortaleza foi a barraca Biruta, como lembra o produtor e proprietário Fernando Sales. Em todas as suas aparições no local - que, segundo Sales, foram três - houve “receptividade maravilhosa” do público. Houve até um show em que o patrocinador pediu “para que parassem de vender ingressos porque não sabia que daria tanta gente”.

Um deles ocorreu quando o Barão Vermelho se apresentou, ocasião que, segundo Fernando, contou com plateia de mais de cinco mil pessoas. A participação especial de Cássia “quase pôs o local abaixo”: “Foram shows cheios, bem cheios mesmo, e quando ela entrou no show do Barão, nossa, faltou a Biruta ir abaixo mesmo. Ver o público a vendo cantar músicas do Barão e do Cazuza junto com a banda toda foi demais. Foi consagrador”, recorda.

O proprietário da barraca fala sobre o comportamento de Cássia nos bastidores antes dos shows: “Ela chegava um ou dois dias antes e ficava no final de tarde conversando muito com a banda. Ela era bem engraçada e contava piadas. Sempre foi bem receptiva”. A artista, aliás, era “unanimidade” no local - sempre com suas músicas tocadas na programação.

Fernando analisa a trajetória de Cássia: “Era uma intérprete que cantava com o coração, sabe? Ela era muito íntima com as músicas que interpretava”. Para ele, esse, por sinal, é seu legado: “É o que grandes artistas deixaram: a interpretação que vem da alma, de uma voz única e afinada como poucos”.

As memórias marcantes de shows da Cássia Eller na barraca Biruta não são apenas de Fernando Vilela. Quem também esteve lá e guarda consigo com bastante carinho um desses momentos é a diretora teatral Hertenha Glauce. “Ser contemporânea de Cássia já é um feito enorme, mas além de contemporânea, ‘estar conterrânea’ era simplesmente sensacional. Estarmos dividindo um ambiente não parecia real”, revela a fã.

Aliás, boas recordações de apresentações da cantora não faltam para Hertenha: ela conseguiu acompanhar shows de Cássia no Centro Dragão do Mar e até em Brasília - esse, por sinal, “inesquecível” por diferentes motivos. Um deles foi a coincidência de que, na capital do País, a diretora viu em uma edição do jornal Correio Braziliense um anúncio do espetáculo que faria ao lado do anúncio do show de Cássia Eller em Brasília. “Guardo com carinho esse jornal”, relata.

 

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Para Hertenha, o maior legado deixado por Cássia foi sua voz “inigualável”, uma visão que também é dividida por César Sabino, proprietário do restaurante e espaço cultural Bruta Flor. O encanto foi certeiro e ocorreu em 1990, quando em uma loja de discos na Praça do Ferreira teve sua atenção chamada pelo disco de estreia da cantora: “A voz da Cássia me arrebatou de primeira”.

Esse foi o começo de uma admiração que aumentou a cada dia, e o empresário sentiu cada vez mais as influências da artista em sua vida - afinal, por causa dela César pesquisou obras de mais cantoras de rock. O primeiro disco de Cássia se juntou depois a outros CDs, biografias e, claro, shows também. A barraca Biruta, foi, novamente, um ponto de encontro para assistir às apresentações da artista em Fortaleza. Para César, porém, a emoção não se restringiu a “apenas” ouvir Cássia ao vivo: ele teve a oportunidade de conversar diretamente com ela.

No show de 1994 na Biruta, ele esteve, junto com amigos, ao lado de Ronaldo Eller, irmão de Cássia. Ao perceber que César era muito fã de Cássia durante a interpretação de “1º de Julho”, foi convidado pelo irmão da cantora a visitá-la no camarim. “É algo que me emociona muito. Viver tudo aquilo foi uma coisa muito louca, porque nós conversamos sobre muitos assuntos. Era uma pessoa muito meiga”, relata César.

A admiração pela cantora é tanta que ele realizará uma exposição em janeiro no Bruta Flor com o acervo que construiu ao longo desses anos. “É uma forma de homenageá-la”, garante. Com as lembranças dos fãs sobre sua obra e a importância de sua trajetória para a música brasileira, é possível dizer que, com Cássia, o “para sempre” visto em “Por Enquanto” nunca acabará.

Fogo e Paixão

Na música brasileira, quando um artista quer mostrar maturidade ele se aproxima da MPB. O dueto de Marília Mendonça com Gal Costa foi citado incontáveis vezes como um atestado de qualidade da sertaneja. O mesmo quando Anitta cantou ao lado de Gil e Caetano na abertura das Olimpíadas de 2016. Jota Quest, Skank e Pato Fu, expoentes do rock mineiro surgido nos anos 1990, reverenciaram Milton Nascimento e o Clube da Esquina muitas vezes.

Com Cássia Eller não foi diferente, mas ainda mais forte. Apesar de claramente uma cantora de corpo e alma roqueiros, ela surgiu numa época em que a moda era ser "eclético" e seguir os passos de Marisa Monte. Mas Cássia não tinha a elegância de Marisa Monte. Também não era doce, comunicativa, popular e colorida como Marisa. Cássia foi a melhor cantora de sua geração, mas não tinha os agudos límpidos de Marisa Monte. Cássia era menos Novos Baianos e mais Mutantes. Admirava Chico Buarques, Caetanos e Djavans, mas sua mira também apontava para Jimi Hendrix, Vanguarda Paulistana e Janis Joplin.

Ser explicada, domada e polida para o grande público tornou-se uma meta para quem percebia o talento da intérprete que construiu uma ponte de melancolia entre a Legião Urbana ("Por enquanto") e Beatles ("I've got a feeling"). Para o padrão local, Cássia conseguiu ser o mais rock possível. Mas ela cresceu artisticamente como um bicho preso, que se mostrava bem mais autêntica quando estava sobre um palco. Não é por acaso, em cinco anos, ela lançou três discos ao vivo. Em estúdio, ela não tinha a mesma liberdade de ser.

No palco, Cássia ria, pulava, mostrava os seios, virava para que a plateia lhe passasse a mão na bunda, cuspia e rosnava como um animal pronto pra morder. E, quando ela "mordia", saíam performances antológicas como a do Rock In Rio 2001, cuja versão de "Smells like teen spirit" rendeu elogios até do ex-Nirvana Dave Grohl. Até a hora de pisar no palco, Cássia era tímida e introvertida. Mas quando as luzes acendiam e ela encarava a plateia, era só fúria e paixão pela música.

Marcos Sampaio, editor do Vida&Arte e crítico de Música

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