Logo O POVO+
Exposição virtual exalta histórias de moradores da periferia de Fortaleza
Vida & Arte

Exposição virtual exalta histórias de moradores da periferia de Fortaleza

Exposição virtual "Projeto [sem nome]", dos artistas Léo Silva e Vitória Helen, retrata histórias de vida, luta e ocupação de moradores dos bairros Santa Filomena e Curió, na periferia da capital cearense
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Vitória Helen (@arth3mis no Instagram), moradora do Curió, e Léo Silva (@desconectaoleo), morador do Santa Filomena, são os artistas por trás da exposição virtual
Foto: Lucianna Silveira/Divulgação Vitória Helen (@arth3mis no Instagram), moradora do Curió, e Léo Silva (@desconectaoleo), morador do Santa Filomena, são os artistas por trás da exposição virtual "Projeto [sem nome]"

"Nosso bairro nasceu da luta pela moradia, da ocupação pela desapropriação de terra e pela construção de casas", conta Elisabeth Silva, 62, ao O POVO, sobre a formação do bairro Santa Filomena, localizado no Grande Jangurussu, em Fortaleza. As lutas e mobilizações coletivas por moradia digna atravessam a organização de diversos territórios da periferia da capital cearense. A história do Curió, na Grande Messejana, também é marcada pela força de sua comunidade. Um tanto dessas vivências estão documentadas na exposição virtual "Projeto [sem nome]", dos artistas cearenses Léo Silva e Vitória Helen.

A exposição é fruto do "Projeto [sem nome]", pesquisa que mescla vivência comunitária, entrevistas com moradores, fotografia e lambe-lambe nesses bairros da Regional VI. O escritor, fotógrafo e documentarista Léo Silva é morador do Santa Filomena. Já Vitória Helen, graduanda em Artes Visuais e arte educadora, reside no Curió. Juntos, eles conectam Santa Filomena e Curió; mergulham nos relatos de personalidades; deixam suas marcas por meio da arte urbana; e documentam histórias com a fotografia. As duas primeiras edições do projeto contaram com a publicação de zines (revista independente com textos e imagens). Nesta terceira etapa, os artistas expõem tudo isso em mostra on-line, acessível com audiodescrição.

Vitória e Léo ouviram tanto personalidades e lideranças das ocupações que formaram os bairros quanto a juventude desses territórios. As conversas originaram fotografias. Nos registros, cada morador segura geralmente uma fotografia física ou outro objeto simbólico. Com o ensaio, os artistas produziram lambes. Em cada lambe-lambe, os personagens aparecem com o mapa do bairro onde moram ao fundo, em colagem. Os lambes foram colados nas proximidades das casas desses moradores ou mesmo no muro de suas residências.

Na plataforma virtual do "Projeto [sem nome]", 12 histórias são retratadas. A exposição apresenta, em fotografias, o resultado da intervenção urbana com lambes. As imagens acompanham descrição dos personagens. Logo, é possível também conhecer vivências, lutas e sonhos. Há, ainda, uma mostra paralela: a seção "Acervo Pessoal" conta com fotografias antigas dos moradores, que retratam as ocupações a partir das décadas de 1980 e 1990, modos de viver, espiritualidade e memória das comunidades.

abrir

Quem compõe os retratos do bairro Curió é Iolanda Araújo, ex-empregada doméstica que estuda curso técnico em Enfermagem; Rita de Cássia (dona Ritinha), manicure, mediadora de leitura e fundadora da Biblioteca Comunitária Livro Livre Curió; Talles Azigon, poeta, também fundador da Biblioteca e da editora Substânsia; Maria Zildene, fundadora da creche Maria de Lurdes; Fátima da Silva, uma das líderes das ocupações dos anos 1990; e o rapper Theo Gabriel, conhecido como Theo085.

Além de Elisabeth, moradora do Jangurussu há 36 anos e integrante das Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), participam dos retratos do Santa Filomena: a articuladora comunitária Valzenir Santos; Ronny Relato, educador e voluntário do Meninos de Deus, projeto esportivo de combate à violência; Iraci Delfino, do movimento social Crítica Radical e mutirante dos anos 1990; Maria Lurdes e Jesus Evangelista, também ativos na luta por moradia; e José Ednardo, o "Jacaré", agitador cultural com quadrilhas juninas.

Elisabeth viu a formação do Santa Filomena. "Vim no início de 1986, tinha muito mato e manguezal, quase não tinha casa. Já tinha a raiz da Igreja Católica e dos movimentos sociais, bem no início das ocupações. A população foi crescendo, construindo casas, lutando pela desapropriação de terras. Conseguimos o mutirão habitacional. A capela foi construída pela comunidade. O nome do bairro veio depois, quando chegou o conjunto habitacional Santa Filomena. Hoje muita coisa mudou, mas continua a luta por melhorias, como saneamento básico", conta. "As Cebs atuam com a teologia da libertação, a partir do evangelho ligado ao cotidiano, com a compreensão da transformação e da luta política", acrescenta.

Elisabeth Silva, moradora do Jangurussu desde a década de 1980(Foto: Bárbara Freitas/Divulgação)
Foto: Bárbara Freitas/Divulgação Elisabeth Silva, moradora do Jangurussu desde a década de 1980

Sobre o "[sem nome]", Beth comemora: "Gostei muito, porque resgata a história da comunidade. Até para as pessoas mais novas, que vão chegando, saberem. É uma memória que muitas vezes fica tão esquecida". Quando alguém a visita, pergunta: "O que é isso aqui?", apontando para o lambe-lambe com sua foto no muro de sua casa. "As pessoas se admiram", diz.

O projeto homenageia moradores, comunidades e bairros, diz Léo. "A gente busca o processo de conhecer as pessoas, junto da história da comunidade. O projeto vem de dar nomes, trazer esses nomes na fotografia, nos zines e, agora, no site. Eu e Helen estamos distantes, mas também próximos. É uma inquietação da gente. Toda imagem tem uma história e a gente também se encontra nessas histórias. A mobilização é um processo coletivo. Aqui, cada bloco ganha nomes de santo ou lutador social. É um meio de também homenagear as pessoas da época, que lutaram por melhorias no país, em suas comunidades". A ideia é estender o trabalho em fotolivro, mais para frente.

Vitória Helen divide: "É uma forma de mostrar a pluralidade de cada território, mostrar que ali existem pessoas, não apenas estatísticas. No meu caso, tenho ótimas memórias de infância. (Isso) foi se perdendo por questões principalmente da vida adulta, como trabalho, mas que dizem respeito a como as cidades não são projetadas para pessoas que moram na periferia. Qualquer oportunidade se encontra no centro da cidade. Para quem trabalha com cultura, isso é cada vez mais evidente. Chegou um período em que o meu bairro se tornou dormitório, como acontece com vários trabalhadores, pois faculdade, trabalho e cursos são distantes dessas regiões e não existe uma mobilidade urbana eficiente aqui. Quando foi decretado isolamento (devido à pandemia da Covid-19), mesmo de forma conturbada, pensei em possibilidades de restabelecer esse vínculo com o meu bairro e ações que pudessem minimamente garantir uma renda para manter minha família nesse período. Conheci o Léo, e arquitetamos o projeto".

Para a artista, Curió e Santa Filomena têm muito em comum. "Principalmente por virem de lutas por moradia digna. Nada aqui foi cedido de boa vontade, foram anos de reuniões e mobilizações para conseguirem o que é nosso por direito. Não consigo pensar em grandes diferenças entre os bairros, existem muito mais coisas que nos aproximam".

Projeto [sem nome]

Mais info: projetosemnome.com.br

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker.

 

O que você achou desse conteúdo?