Mostra Petrúcio Maia, Troféu Carlos Câmara e shows no Anfiteatro do Dragão do Mar, atualmente fechado para reforma, têm um espaço saudoso na memória do público, de músicos e musicistas do Ceará. Para recuperar o lugar de destaque da Música, sem comprometer outras linguagens artísticas, uma força-tarefa tem sido empreendida por artistas da área em busca de mais oportunidades para a linguagem. O objetivo é pôr em prática o Plano Estratégico de Desenvolvimento e Difusão da Música, que conta com metas amplas, de curto, médio e longo prazo, envolvendo setor público, privado e ONGs.
A mobilização se tornou pública ainda no mês de junho, quando alguns integrantes se reuniram no Dragão do Mar com cartazes com frases como "Cadê a Música que tava aqui?" e "Dragão do Mar, o teatro também é da música". À época, se opunham à ausência da linguagem artística na convocatória de ocupação do Teatro do Dragão. Juntos estão atuando Sindicato de Música do Estado do Ceará (SINDMUCE), Coletivo Mulheres na Música, Grupo de Pesquisa em Música ligado à Universidade Federal do Ceará e o Coletivo de Música do Ceará.
Há mais de dois anos os artistas se organizam no grupo "Música do Ceará". Durante os momentos de isolamento social rígido, formaram redes solidárias para ajudar colegas que passavam por dificuldades financeiras em ação que distribuiu mais de 15 mil cestas básicas, além de kits de higiene, limpeza e auxílios a artistas do interior.
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"As pessoas não têm noção da realidade socioeconômica da maioria dos artistas, incluindo os nossos grandes mestres, grandes ídolos, muitas vezes o público não tem essa ideia dos bastidores", conta o jornalista, compositor e produtor cultural, Dalwton Moura. Do início pra cá, estabeleceram encontros regulares para partilhar experiências e projetos, além de dialogar com seus principais contratantes — o setor público e o privado.
Aumento dos cachês, mais transparência em editais, igualdade de gênero, novos espaços e adaptação dos já existentes estão entre as principais pautas. Até agora, foram encaminhadas 29 propostas para a Secretaria de Cultura de Fortaleza e 30 para a Secretaria Estadual de Cultura.
Com a Secult-CE, dois encontros foram realizados, o primeiro no Fórum de Linguagens, em junho, e o segundo na última quarta-feira, 30 de junho. Na quarta, foram recebidos pelo secretário Fabiano Piúba, por coordenadores da pasta e gestores de equipamentos culturais. Em nota, a pasta disse estar "em diálogo com os artistas para construção da Temporada de Arte Cearense", prevista para este mês. O objetivo da chamada pública é selecionar projetos artísticos para compor a programação da Rede Pública de Equipamentos da Cultura do Ceará.
Sobre o fato do Dragão do Mar não dispor de aparelhos de som para realização de shows, a Secult-CE disse que a Casa Civil tem cedido para eventos. Alega, ainda, estar em processo licitatório para aquisição de equipamentos de modernização do sistema de som e luz, não só do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, como do Teatro Carlos Câmara e Theatro José de Alencar.
Recém inaugurados, o Museu da Imagem e do Som e a Estação das Artes também são apontados pelo grupo como locais "sem estrutura adequada" para receber atrações musicais. Hoje, a maior parte dos equipamentos públicos de cultura têm contrato de gestão com organizações sociais, o Instituto Dragão do Mar (IDM) e o recém fundado Instituto Mirante.
Com a Secultfor, não houve reunião até o fechamento desta matéria. Em nota, a Secretaria disse que "devido à complexidade da solicitação — mobilização de inúmeras agendas —, a Secultfor está em processo de articulação com os envolvidos para que este momento de diálogo possa ocorrer o mais breve possível". Na lista de 29 tópicos para a pasta municipal, destaca-se os pedidos do grupo "Mulheres da Música CE" . Na carta, elas cobram mais equidade de gênero nas canções selecionadas por editais e maior participação feminina no Festival de Música de Fortaleza, tanto na produção, como júri e banda-base.
Para Jord Guedes, cantora, compositora e integrante do grupo, a desigualdade de gênero faz parte de um contexto social mais amplo que também afeta a música, e com a mobilização a expectativa é que mudanças positivas ocorram.
"A gente espera respostas práticas, né? Que contemplem as nossas demandas e que melhorem a transparência e a distribuição do que temos de política cultural", diz Jord, que além de artista também é assistente social e militante feminista.
No início deste mês, Fortaleza recebeu a volta do Festival I'Music. Em três dias de shows, subiram nos palcos no Iguatemi atrações nacionais como Caetano Veloso, Jorge Ben Jor e Vanessa da Mata. Mas chamou atenção a ausência de músicos cearenses, indagação oficializada pelo SINDMUCE à produção do Festival. Os artistas entendem que as empresas e produtoras devem ser aliadas na valorização da Música produzida no Ceará.
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O interior do estado também se faz presente na pauta musical, com a demanda de descentralização do incentivo à música. Um dos representantes desse movimento é Edu ASAF, cantor, compositor, produtor cultural, que reside em Sobral e desenvolveu uma pesquisa crítica ao comportamento de estados e municípios quanto às leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo.
Para ele, embora as leis tenham auxiliado artistas em momentos duros como a pandemia, os municípios não conseguiram se adaptar o suficiente para as exigências delas. Um caminho possível para a música seria através das redes públicas de educação.
"As escolas são os equipamentos, você tem 184 municípios no Ceará e em todos eles têm escola no estado, então se você tem uma política junto da educação, ali se pode ter música", propõe.
PL quer estabelecer cota para artistas cearenses em eventos públicos
Fruto da mobilização, o PL 278/2022 foi apresentado na Assembleia Legislativa do Ceará pelo deputado estadual Renato Roseno (PSOL). Segundo a proposta, shows, festivais e eventos custeados com verbas públicas estaduais deverão contar com a presença de pelo menos 50% que tenham nascido ou atuem no Ceará. Apresentado na última quarta-feira (07), o PL agora segue para avaliação nas comissões da ALCE.