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Desafios do entorno do Dragão do Mar são prioridade, aponta Helena Barbosa
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Desafios do entorno do Dragão do Mar são prioridade, aponta Helena Barbosa

Ao Vida&Arte, gestora Helena Barbosa ressalta desafios e projetos para a gestão frente à superintendência do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
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Nova superintendente do Dragão do Mar, Helena Barbosa tem 15 anos de ação na cultura (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Nova superintendente do Dragão do Mar, Helena Barbosa tem 15 anos de ação na cultura

A superintendência do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC) está sob novo comando: em 20 de janeiro, Helena Barbosa foi anunciada como superintendente do equipamento que fica na Praia de Iracema. Com trajetória de 15 anos na cultura e uma década na gestão pública, ela recebeu o Vida&Arte na sexta, 10, para longa entrevista na qual compartilhou prioridades e planos para o CDMAC. A gestora ressaltou políticas do entorno e de arrecadação como prioritárias, reconheceu desafios orçamentários a partir da anunciada redução por parte do Governo de 10% dos contratos de gestão com organizações sociais — como o Instituto Dragão do Mar, que gere o CDMAC — e defendeu integração entre equipamentos do Estado.

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O POVO - Em entrevista ao V&A, a secretária da Cultura Luisa Cela citou como desafios do Dragão do Mar a manutenção física, o entorno e a atualização de conceitos. Qual cenário você encontrou ao assumir e o que desponta como prioridade inicial?

Helena Barbosa - A necessidade de atualizar o que é uma dinâmica de gestão dentro de um centro cultural. Isso envolve pensar o que é essa identidade organizacional, o conceito, o que somos, a partir de que fundamento a gente vai se construir. É como se a gente precisasse dar uma atualização no planejamento estratégico do Dragão do Mar e isso passa por revisões conceituais do que somos, algo que fundamenta todo o restante: programas, ações, curadoria dos museus, tudo tem costura com o DNA do Dragão do Mar. Isso tem a ver com rever organograma, ver que fluxos funcionam ou não, o que está dando certo enquanto estratégia, revisitar várias políticas, inclusive de arrecadação, acessibilidade, ação cultural.

OP - Algumas reformas já vinham ocorrendo ao longo dos últimos anos, ainda que afetadas pelo contexto da pandemia. Há necessidade de ações estruturais no momento?

Helena - Houve, no processo da pandemia, esse investimento em manutenção que foi feito a conta gotas. Em dois anos de pandemia se fez um pouquinho aqui, ali, e já se pede novamente uma manutenção. A gente fez um diagnóstico em infraestrutura e vamos dividir toda a demanda em alto, médio e baixo graus de prioridade e ver, a partir dessa sistematização, como avançar durante os quatro anos de gestão. Existe uma grande expectativa em torno dessa configuração que é toda muito vantajosa para a cultura: a Luisa na secretaria, a gente aqui e a Rachel (Gadelha) na presidência (do Instituto Dragão do Mar, organização social responsável pela gestão do Dragão Mar). Estamos com as mesmas linhas de prioridade na gestão. Existe o desejo político, mas tem que ter uma organização, porque o contrato de gestão de um ano não vai conseguir resolver uma demanda que historicamente está no acúmulo. Será que com a arrecadação, com a captação, a gente vai diminuindo a lista (de demandas)? A gente vem sendo provocado — e eu estou provocando a equipe — para pensar como a gente pode começar a ter mais autonomia, inclusive de captação, para que a gente também não dependa totalmente do Estado. Em uma OS (organização social), isso é superpossível. O primeiro momento é de sistematizar o tamanho do nosso desafio, que vai diminuindo, mas depois virão outros. É um prédio, ele vai estar em manutenção sempre. Somos seres humanos, vai ter sempre algum tipo de demanda. Mas, além da demanda, é importante saber que existe um movimento de resolução.

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OP - Na listagem de desafios, quais têm alta urgência?

Helena - Os desafios do entorno. O que venho reforçando é que o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura é um personagem que está dentro dos desafios do entorno. Temos o que a gente chama de Parque Dragão, que é o Dragão do Mar, o Porto Iracema, o Porto Dragão e a Biblioteca Pública com desafios compartilhados. Fora isso, as autoridades — municipal e estadual — têm responsabilidades. O que a gente vem desenvolvendo a priori é pensar como provocar em todos esses personagens a criação de um plano de cuidado com o entorno. Enquanto equipamento cultural, somos agente mediador. Como, a partir da ação cultural, das ações da vice-governadoria e da Prefeitura, a gente melhora esse entorno? Falando enquanto Dragão do Mar, é muito importante que a gente cuide do externo para começar a ampliar ações internas. Nós ouvimos nas últimas duas semanas quem está aqui dentro trabalhando e o próximo passo é ouvir o externo. A próxima agenda é abrir um seminário para a gente escutar a Cidade. Não vou ficar fazendo atendimentos individuais. Respondo à Cidade, ao Estado, à sociedade civil. A melhor estratégia é chamar todo mundo para ser escutado — e isso passa pelos fóruns de linguagem, conselhos, trabalhadores da cultura, instituições, empresários, comerciantes e vendedores, as comunidades do Poço da Draga e da Graviola, quem quiser chegar, porque o Dragão do Mar não pertence a uma classe, ele é do Estado, do Brasil.

OP - Sobre o entorno, sempre se fala de "revitalização", "requalificação". Que ações estão já previstas e como fazer com que esse movimento não recaia em ideias de higienização?

Helena - Segurança se faz com ocupação, com as pessoas na rua, com luz acesa, com árvores podadas. A gente tem um histórico de relacionamento com o Dragão do Mar há muito tempo. Sempre me senti muito segura aqui. Hoje, depois de tudo que aconteceu, tem esse sentimento de vazio. Vazio, para a gente, é vilão. Quando eu estava no Porto Dragão, a gente começou a colocar bandas no meio da rua. Fizemos uns vídeos, viralizou e veio todo mundo ver o samba. A gente falou com a Prefeitura: "Quero ocupar. Vamos fazer a nossa parte e tu ajeita aqueles postes". Cada um de nós tem responsabilidades nisso. A nossa é promover ação cultural, que provoca a Prefeitura ao papel dela. A partir disso, fomos falar com a vice-governadoria, que tem alguns programas com expertise sobre como lidar com a situação das pessoas do entorno. A gente compôs um grupo de trabalho, colocamos educadores sociais na rua, mapeamos demandas de segurança, urbanismo, de quem mora na rua. Quando falo do plano de cuidado do Dragão do Mar, não é só prédio, são as pessoas que estão aqui dentro. Uma das nossas solicitações foi fazer com que as instituições que cuidam disso conhecessem o que nós somos gente e a gente conhecesse o que elas são, para criar pontos de referência. Com relação às obras, no ano passado, eu — ainda enquanto Porto Dragão — participei de algumas reuniões sobre isso e havia um projeto de início, mas houve uma parada por conta de licenças. Após já estar na gestão do Dragão, me reuni com a Luisa e com responsáveis do governo para a gente dar entrada nessas licenças. É conversar de novo com a Prefeitura, a Seuma (Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente), para priorizar isso e o processo está em tramitação das licenças. Há um desejo político de execução muito grande, e isso por si só já é massa. Todas as nossas ações vão priorizar primeiro o entorno.

OP - Após esse momento de pensar e agir no entorno, quais as possibilidades e planejamentos em termos de programação?

Helena - A partir da escuta dos fóruns de linguagens, vamos saber o que é que a cena artística espera do Dragão do Mar. Ele nasce muito forte no caráter plural. É importante ter pluralidade e isso é uma diretriz do plano da Secretaria. Sei que existem, historicamente, alguns grupos que não entraram aqui, e estou falando de classe social, território, etnia, gênero. O processo será escutar a cena, convidar todo mundo, fazer com que todo mundo se sinta à vontade para vir para cá falar e construir o Dragão que a gente quer. Como é que a gente dinamiza, fomenta circuitos? O Dragão vem muito forte por conta de todo o lastro que tem de ser vitrine da cultura cearense. É muito importante que todo mundo que vem se construindo consiga chegar no Dragão do Mar e subir no Anfiteatro, na Praça Verde, porque essas pessoas vão ser convidada para o Sesc em São Paulo, o Novas Frequências (festival no Rio de Janeiro), o Se Rasgum (festival em Belém). Nosso princípio central é que tenhamos uma dinâmica de pluralismo nas linguagens, nas pessoas, nos corpos e nos territórios que vão estar aqui dentro. Isso é motriz. Meu papel, enquanto Dragão do Mar, é pensar, depois que eles entraram, como é que vou “dar pézinho” para estarem em outros lugares. Isso vem de uma articulação com festivais. A política cultural cearense vai investir nisso. A gente chegou na SIM São Paulo (Semana Internacional de Música, feira de negócios da música realizada no fim de janeiro e na qual o cearense Nego Gallo levou o primeiro lugar no Pitch de Novos Artistas: UnitedMasters) com um monte de artistas apoiados pelo Estado. O único em competição era o Nego Gallo, os outros a gente colocou para trocar ideia. É assim que funciona, e aí o Mateus Fazeno Rock volta com quase dez shows marcados e com participação no programa Cultura Livre. Esse movimento não é à toa. O Dragão do Mar consegue ter isso pelo lastro que carrega. Ele é muito forte no imaginário de todo mundo. Até brinco com a minha equipe que estou há dez anos na gestão pública e 15 anos na cultura, mas quando vim para cá foi a primeira vez que vi o pessoal da minha rua comemorando (risos). É forte esse imaginário. Às vezes meus trabalhos não chegavam lá no morro (do Teixeira, da comunidade do Castelo Encantado, no bairro Vicente Pinzon), mas o Dragão do Mar chegou. Chega no morro e chega em Perdizes e no Rio. É com esse capital que a gente tem que trocar para fortalecer a cena cultural cearense.

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