Helena Barbosa, nova superintendente do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, destaca integrações entre equipamentos culturais do Governo do Estado, melhoria nos fluxos financeiros do Instituto Dragão do Mar e busca de caminhos financeiros para auxiliar na manutenção do CDMAC.
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OP - Tudo sobre o que falamos, obviamente, depende de orçamento. Como e quando a medida do governo de redução de 10% de contratos de gestão com organizações sociais deve impactar o Dragão do Mar?
Helena - Não consigo te dizer esse impacto agora porque vou começar a trabalhar no contrato de gestão a partir de segunda-feira (dia 13), mas vai ser grande. A gente tem que dar uma analisada, é uma realidade e temos que nos readequar. Mas o Dragão do Mar tem uma capacidade de arrecadação por si próprio e isso é algo que a gente não tinha se atentado, em como isso pode diminuir alguns gastos: processos de manutenção pequenos, aquisições, a gente consegue fazer. Precisamos organizar as políticas de arrecadação e de pautas (modalidade de ocupação de palcos direta entre produtoras e equipamentos). Por exemplo, temos um valor para a pauta da Praça Verde, mas ele é baseado em quê? Por que é um valor tão baixo para um lugar que cabe 4,5 mil pessoas, para shows grandes? Nem falo de shows pequenos, porque a gente tem uma responsabilidade social com os menores, mas por que a gente cobra esse valor para um show grande? É preciso trazer alguém que já estudou sobre isso para saber qual é a tabela de valores de um centro cultural do porte do Dragão do Mar nacionalmente, para atualizar. Isso é uma mudança de comportamento inclusive com quem se relaciona com a instituição, mas para nós é uma via para fortalecer o que vai ter de ausência. A outra via é a captação de recursos. O próprio Instituto Dragão do Mar vai montar um núcleo de captação de recursos. A volta do Ministério traz grandes alívios, se tem um cenário muito positivo com isso e na nossa relação com Brasília. São caminhos para sanar um pouco do que vai ser essa perda. Isso quer dizer que tudo vai ser pago? Não. Temos política de gratuidade, compromisso com políticas de ação afirmativa, é estruturante. Mas estou trabalhando na política de arrecadação e na captação de recursos. Se tenho uma receita própria mais bem elaborada, a manutenção se dá pela própria arrecadação. São meios que a gente vai conseguindo até tudo se organizar de forma mais firme.
OP - Como você avalia o cenário de novos equipamentos culturais do governo, da Estação das Artes ao Museu da Imagem e do Som?
Helena - O Estado ganha muito. A Pinacoteca é um sonho antigo da Cidade. Fiquei muito orgulhosa quando vi "Negros na Piscina" (exposição em cartaz no equipamento), é um alto nível que a gente tem que manter. Nossa conversa é como a gente vai qualificar os outros equipamentos para também terem o mesmo nível. Isso vem de um processo de desejo político, de movimento, mas não gosto de comparação. A gente tem é que fazer as coisas em conjunto. Quero é que se juntem a Cecília Bedê (gestora do Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar) e o Rian Fontenele (diretor da Pinacoteca) e pensem como é que a gente vai buscar dinheiro lá fora e trazer para cá.
OP - Existe algum planejamento para isso?
Helena - A gente tem a bandeira da cultura. Como otimizar isso? Como a gente pensa um processo de captação que trace um circuito? Quero poder sair da Estação das Artes, vir para o Dragão do Mar e depois ir para outro canto. Não vejo o porquê disso não acontecer. A gente precisa estimular esse tipo de pensamento. São equipamentos de OSs diferentes (o Dragão do Mar é gerido pelo IDM e a Pinacoteca é gerida pelo Instituto Mirante). Entre nós aqui do IDM, consigo provocar essas coisas mais rápido. Achei que com um equipamento de outra OS, teria dificuldade, mas o próprio Rian já me procurou. A Rosely Nakagawa, gestora do Centro Cultural do Cariri, já me disse que passa por desafios semelhantes aos nossos e quer trazer a equipe dela para cá para ver como a gente resolveu. Partilhar ações, metodologias de gestão. A gente pode se tornar muito mais produtivo e otimizar muito mais recursos com essas integrações, aprofundando experiências para a cena toda.
OP - A dinâmica de pagamento de cachês foi historicamente desafiadora por conta de atrasos que forçavam a classe artística a cobrar recebimento. Em entrevista de balanço de gestão, o ex-secretário da Cultura Fabiano Piúba citou modernizações e melhorias no fluxo financeiro do IDM. De que modo isso se efetiva numa rapidez maior da dinâmica?
Helena - A Rachel (Gadelha) tem um perfil muito centrado na importância da institucionalidade e isso traz outro tipo de celeridade a tudo se você tem um fluxo bem desenhado e todo mundo sabe dele. Hoje, consigo ver de forma muito mais nítida para onde vai o meu processo. Acho que tinha uma fragilidade no fluxo e no entendimento das atribuições de cada setor, mas a Rachel traz essa arrumada no IDM. Dá pra usar uma inteligência bacana nesse processo e isso é que vai me dizer se teu cachê vai chegar atrasado ou não. Outra coisa que é inovadora são os sistemas, com a atualização de regulamento de contas, de contratação, de instrumentais, de fluxos. Vem fluindo cada vez mais rápido. Não sei como estão no Dragão do Mar os atrasos, porque não tive tempo de ver, mas para mim tem que subir no palco já tendo assinado o contrato. Isso reeduca a gente, mas também quem a gente está contratando. Acontece da gente demandar a documentação até o dia 10, mas dá dia 20 e ninguém nem responde. Se você quer ter uma relação contratual com o Estado, tem que se profissionalizar. O que fiz no Porto Dragão: se não mandou até dia 10, não vou contratar. Isso revela uma falha de profissionalização da cena, mas por outro lado o Estado passa a dar formação para isso. Na primeira vez que fui gerente (de Ação Cultural do CDMAC, em 2017), muitas pessoas tinham dificuldade de emitir qualquer nota fiscal. Hoje em dia, não vejo mais tanto isso. Existe o tempo de maturação das coisas e os sistemas vêm para dar a celeridade, a organização.
OP - Você citou várias experiências anteriores ao longo da conversa. Que bases elas, em especial a do Porto Dragão, te dão para a atuação frente à Superintendência?
Helena - Fiz uma pesquisa na minha última especialização (em Gestão Cultural Contemporânea) com o Itaú Cultural sobre o Dragão do Mar. Fiquei um tempo refletindo, a partir do repertório que tive acesso, sobre o quê, para mim, seria uma gestão exitosa. Ouvi do Tiganá Santana, filósofo e músico, uma frase muito importante: "Tem que ter numa mão uma espada, na outra o encantamento". Isso é uma doutrina africana. Passei (a gestão no) Porto Dragão todinha com espada e encantamento. O que isso quer dizer e por que isso é tão importante para uma gestão? O encantamento tem a ver com a poética. A gente tem que consumir a Cidade do ponto de vista poético, estar nos lugares, se relacionar com artistas, entender a cena. Tenho que saber que tipo de poética vou gerenciar, ter alguma intimidade com ela — ler, escrever, escutar a música de alguém que conheci agora —, e tenho que ter relação com a técnica. Estudei elaboração de projetos, prestação de contas. Eu teria que saber disso — de legislação, de compliance — porque quando eu chegasse em qualquer experiência de gestão viria um setor técnico que me diria "isso é assim" e eu poderia responder "mas por quê, qual o marco legal, isso está fundamentado em quê?". Que tipo de condução você vai ter de uma equipe tão grande se não tiver as duas coisas? Vim o tempo inteiro, na minha trajetória, correndo atrás da técnica e da poética. Apliquei isso no Porto Dragão, todo o meu caminho foi tentando buscar esse equilíbrio. Se mapeava um vazio, ia fazer um curso. Mapeava outro, ia consumir uma arte. Minha experiência lá conseguiu ser mais bem-sucedida porque eu estava mais fundamentada e com nível de maturidade melhor nessa percepção do que é a gestão cultural. Chego aqui com esse repertório.