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Marcas propõem moda contra-hegemônica e celebram expressões diversas
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Marcas propõem moda contra-hegemônica e celebram expressões diversas

Conheça quatro iniciativas cearenses de moda contra-hegemônica que celebram formas de expressão de pessoas pretas, indígenas e LGBTs
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Iniciativas como MANCUDA, Pior Grife, Tremembé e Preta Chic propõem moda baseada em expressões de pessoas pretas, indígenas e LGBTs+  (Foto: Carll Souza e Nair Beatriz; Naya Oliveira; arquivo pessoal; Preta Chic / divulgação)
Foto: Carll Souza e Nair Beatriz; Naya Oliveira; arquivo pessoal; Preta Chic / divulgação Iniciativas como MANCUDA, Pior Grife, Tremembé e Preta Chic propõem moda baseada em expressões de pessoas pretas, indígenas e LGBTs+

É difícil precisar a origem do clichê "último grito da moda", mas, apesar do esgotamento do uso, o termo traz na palavra "grito" um relevo simbólico ao destacar uma forma de expressão que pode ir da celebração ao alerta, do embate ao aviso. Expressar-se, afinal, é gesto norteador tanto na utilização quanto na produção de moda. Neste sentido, o Vida&Arte destaca quatro iniciativas cearenses, entre outras inúmeras possíveis, que tensionam regras e moldes da moda ao expressar vivências e mensagens de pessoas pretas, indígenas e LGBTs a partir de peças de vestuário e acessórios. Das bolsas feitas de bandana da Preta Chic aos grafismos indígenas da Tremembé, passando pelo desafio ao bom gosto da Pior Grife e chegando à celebração de si, dos seus e dos próprios territórios da MANCUDA, as expressões, pelo "pano" e pelos discursos, são de autoestima, proposição de novas possibilidades e construção coletiva — sempre.

MANCUDA

Mancuda completa três anos desde a criação oficial neste domingo, 7 de maio. Iniciativa começou na pandemia e tem na cultura das favelas a principal expressão
Foto: Nair Beatriz e Carll Souza / divulgação
Mancuda completa três anos desde a criação oficial neste domingo, 7 de maio. Iniciativa começou na pandemia e tem na cultura das favelas a principal expressão

Carll Souza, do Grande Pirambu, e Nair Beatriz, do Bairro Ellery, têm caminhos irmanados desde os primeiros cursos em 2016 na Rede Cuca e a graduação em Ciências Sociais na UFC em 2017, na qual se somaram na construção do fórum de negres do curso. Ao longo das vivências, a moda se fez presente — das temáticas das formações iniciais ao desejo de Nair pela graduação na área, abandonado pela necessidade de um curso que permitisse tempo para trabalhar, chegando à construção conjunta de uma primeira peça com estamparia africana, que foi dada de presente à produtora cultural e amiga Lilica Santos.

A MANCUDA — batizada a partir de gíria elogiosa usada em comunidades de Fortaleza — nasce desse percurso e se concretiza em 2020. "Moro com minha tia, que me ensinou um ponto de costura à mão e acabei me jogando nessa possibilidade, costurar à mão me ajudou muito (no isolamento da pandemia)", recupera Carll. O jovem fez uma bolsa e, com o apoio da amiga, passou a vendê-la. Foi o começo do aprofundamento da parceria.

Descolando-se da "ideia equivocada" de que moda era somente o que se via em circuitos de poder, a dupla estabeleceu um projeto que localizasse "socialmente, geograficamente e culturamente" onde a MANCUDA nascia e de onde tirava inspiração: "Nosso espelho, nosso território, nossa família".

Com olhar histórico e ancestral, se debruçaram em fotos antigas, histórias de parentes — como a de Wellington, tio de Carll que foi assassinado na saída de um baile funk no mesmo ano de nascimento do jovem (estampa inspirada nele no topo da página) — e bagagens próprias para criar coleções que valorizassem aspectos, estéticas e vidas das periferias.

O conceito que rege as produções é o de "favela wear", como explica Carll, uma "prática metodológica de trabalho que tem como foco entender subjetividades e realidades territoriais faveladas atreladas à música, história e arte de maneira positiva". "Não adiantava construir um projeto de marca que não estivesse alinhado a um projeto de vida", atesta.

É por isso que, dos desfiles às redes sociais, as pessoas à frente e atrás das câmeras são periféricas, pretas, LGBTs, gordas. "A gente precisa se representar nesse lugar", reforça. Tal construção é coletiva, e não por acaso Carll cita inúmeros nomes e referências na fala: Lilica, Caio Souza (da Hust Street, parceria na estampa Wellington), Vitória Maria (da Avia Handmade), Preta Chic, Mateus Veríssimo (que produz os reels da marca)... "Ubuntu: eu sou porque nós somos", cita.

"As pessoas se identificam porque são corpos reais em territórios reais. A gente quer que elas se vejam dentro de um lugar positivo, cheio de histórias, trajetórias e memórias. Para poder se entender como uma contranarrativa — ou até 'contramoda' —, a gente precisa se desvencilhar da cultura do capital e da cultura do branco. A principal expressão da MANCUDA é a da favela", define.

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Pior Grife

Pior Grife, de Bento Ben Leite, "preza pela liberdade de ser quem se é"
Foto: Naya Oliveira / divulgação
Pior Grife, de Bento Ben Leite, "preza pela liberdade de ser quem se é"

Criada em 2018 pelo artista visual Bento Ben Leite, a Pior Grife traz, do nome às estampas, provocações a ideais de bom gosto e beleza. "Comecei a desenhar, cortar e pintar roupas que eu havia comprado em brechós ou roupas antigas minhas mesmo", recupera o início.

"Tenho amigues que também vendem roupas com suas artes que me incentivaram a fazer o mesmo, o t0sko e a Xyka. Estampas que me desagradam no mercado me inspiraram a vender peças com artes que gosto, percebendo que há espaço para toda uma gama de gosto", aprofunda.

A ironia do nome, explica, vem como "resposta a uma norma que a sociedade pede da moda e comportamento que eu e minhes amigues nunca nos encaixamos". Hoje, a Pior Grife vende blusas com estampas que reproduzem pinturas em tela de Bento, além de pôsteres e ecobags.

O artista é autor da pintura "deusa das águas e travesti da lambada", que foi censurada na exposição Queermuseu em 2017 e que está reproduzida em peças da marca. "Como transmasculino cearense, tenho poucas referências de pessoas como eu no mercado da moda e como artista acho importante expressar quem sou e que isso alcance outras subjetividades", destaca. "A marca preza pela liberdade de ser quem se é, sem se importar com o que a sociedade cisheteronormativa pensa de nós", resume.

Preta Chic

Coleção Gang Bags, da Preta Chic, aposta em bolsas feitas de bandanas. Na imagem, Lavínia Vieira e Mathilda Rodrigues, proprietárias da marca
Foto: Coletivo Preta Chic / divulgação
Coleção Gang Bags, da Preta Chic, aposta em bolsas feitas de bandanas. Na imagem, Lavínia Vieira e Mathilda Rodrigues, proprietárias da marca

"Potencialização periférica". É assim que a Preta Chic define o que expressa a partir da atuação como marca e coletivo. Formada pelo grupo de autodidatas Rebeca Marques, Mathilda Rodrigues, Lavínia Vieira e Luiz Fernando Oliveira — "e isso diz muito sobre os nossos que vieram antes de nós e também como a moda vem sendo feita", apontam —, a Preta Chic nasce na Serrinha.

"Todas viemos de periferia e o coletivo é majoritariamente liderado por travestis. Nossas maiores referências são as ruas, as travestis que vieram e estão aqui por nós", definem. O grupo apostou no projeto de uma marca de moda a partir da necessidade de angariar recursos, passo efetivado com a criação da chamada Gang Bag, desenvolvida por Rebeca, com lapidação de Mathilda e produção executiva de Luiz.

"No início, era apenas para ser vendido entre os nossos, porém se tornou algo muito maior", lembram. A bolsa é feita de bandanas, elemento da cultura do rap. "A Preta Chic por si só é um ato político, estamos a todo momento correndo e escapando das estatísticas que perseguem nossos corpos. O trabalho que a gente vem construindo enquanto coletivo e marca faz com que se abra um leque de possibilidades para os nossos", acreditam.

"Quando se vem de periferia, o esforço é dobrado, o acesso é mais difícil, informação de moda muitas vezes nem chega. Estudamos muito por conta própria, queremos expressar nossas raízes de forma sincera, elegante e chic, a periferia é múltipla!", avisam.

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  • Siga a marca: @pretachic.085
  • Onde comprar: Na BABA Lab (rua Monsenhor Bruno, 819, Aldeota)

Tremembé

Registro do editorial "O Vestir é Ancestral", feito em 2022 na Aldeia Córrego João Pereira, em Itarema, para a marca Tremembé
Foto: Irae Tremembé / divulgação
Registro do editorial "O Vestir é Ancestral", feito em 2022 na Aldeia Córrego João Pereira, em Itarema, para a marca Tremembé

A partir de um episódio de racismo em uma rede social em 2021, o artista autodidata Rodrigo Tremembé transformou a tentativa de deslegitimidade e subalternização em um movimento para expressar a cultura e identidade do próprio povo a partir da moda. "O vestir também é um ato político", ressalta, lembrando dados da Global Fashion Agenda que apontam a indústria da moda como a segunda mais poluidora hoje.

"Não tem como falar de povos indígenas sem considerar nossas relações com a terra. Logo, minha produção com moda dialoga com esse universo sustentável, onde o vestir assume uma postura regenerativa em um mundo que está febril pela própria sociedade", aponta.

Nas diferentes peças criadas por Rodrigo, as costuras são concretas e simbólicas. "Sob o chão da aldeia, percebi que haviam formas de costurar o moderno ao ancestral, levando grafismos e pinturas do meu povo, que outrora marcavam apenas nossas peles, para tecidos. Busco uma moda mais verde, lenta, com o pé no chão. Onde se valoriza a produção autoral, o uso adequado dos recursos e matérias primas usados nas peças e sobretudo a relação que essas roupas mantém com a ancestralidade", define.

As escolhas têm total alinhamento com as vivências do jovem na comunidade. "Sou fruto de um povo de muita luta, resistência e espiritualizado. Isso está presente nas peças, cada grafismo e pintura tem uma simbologia e significado, assumindo uma dimensão espiritual onde o design se torna sagrado. O aldeiamento da moda me permite ampliar a cultura e a voz de meu povo", celebra.

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