A última década e meia foi de fortalecimento do ensino acadêmico em artes no Ceará, indo da oferta de cursos de graduação em diferentes linguagens — em instituições como a Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) — à aprovação ocorrida há duas semanas do Doutorado Acadêmico em Artes do Programa de Pós-Graduação em Artes da UFC. O cenário abre espaço para uma reflexão sobre a formação universitária no campo artístico, com avanços — que incluem o projeto de outro doutorado, desta vez no IFCE — e desafios, como a interiorização.
Apesar de exemplos como a graduação em Música na Universidade Estadual do Ceará, que data do final dos anos 1970, a maior oferta de cursos desponta como fenômeno novo. "A formação em artes no Ceará é muito recente em relação ao Nordeste", reconhece Lourdes Macena, artista, professora e coordenadora do Mestrado Profissional em Artes do IFCE.
"A partir de 2000, passamos a ter cursos superiores, tecnólogos, ofertados pelo Instituto Federal que foram as primeiras formações em artes específicas que o Ceará teve em graduação", contextualiza, se referindo às criações dos cursos tecnológicos de Artes Visuais e Teatro no antigo Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará em 2002 — que se tornaram graduações plenas em 2008, quando a instituição assumiu o novo nome.
2008 foi também o ano em que o Instituto de Cultura e Arte (Ica) da UFC foi transformado em unidade acadêmica, congregando cursos como Moda e Música. Foi a partir de 2010, porém, que a instituição instaurou as graduações em Teatro, Dança e Cinema. Já em 2013, a UFC criou o próprio Programa de Pós-Graduação em Artes, fato que também ocorreu no IFCE em 2016.
"Quando a gente vê a conquista do doutorado, é uma coisa extraordinária, porque essa dívida é enorme", avalia Lourdes. A visão é compartilhada por Thereza Rocha, artista, professora e vice-coordenadora do PPGArtes da UFC. "Isso significa tentar pagar parte da dívida histórica que esse país tem com a região. Isso significa reter a excelência artística e acadêmica em/de artes de modo que cultivem terras nordestinas", considera.
A docente da UFC reconhece na aprovação do doutorado na instituição o "reconhecimento do avanço das pesquisas em artes realizadas aqui", mas pondera: "Crescimento, entretanto, desproporcional em relação ao investimento de verba pública nessas mesmas pesquisas. Não parece um contrassenso?", indaga.
"O impacto (da aprovação) é enorme: temos um doutorado na área de artes dentro do próprio Ceará, ofertado para os cearenses", celebra Lourdes, ressaltando que exigências em concursos públicos de formação em artes poderiam ser consideradas injustas "porque o próprio Estado não as oferecia" — o que levou gerações de estudantes cearenses a se pós-graduarem fora de solo cearense.
A docente do IFCE também lembra que o doutorado reforça a importância da qualificação do ensino de artes em escolas, por exemplo. "É uma área específica, que tem um assento na Capes, respeito dentro da questão organizacional do MEC, e não se pode colocar profissional formado em outra área para atender a essa demanda", defende Lourdes. Em diálogo, Thereza lembra que "profissionais bem formados começam a puxar a rede na pesca por trabalho".
"À medida que o campo avança, faz-se necessário criar modos de essas pessoas trabalharem profissionalmente", afirma a vice-coordenadora. Ela ressalta, ainda, a necessária "pressão" de pessoas licenciadas nas graduações artísticas da UFC para que "esses componentes, além de se tornarem curriculares (e não extracurriculares), sejam ministrados por pessoas com essa formação específica".
Lourdes adianta que o Programa de Pós-Graduação em Artes do IFCE irá pleitear conquista semelhante à da UFC ainda neste ano. "O PPG vai apresentar uma Avaliação de Propostas de Cursos Novos (APCN) à Capes no segundo semestre buscando o doutorado. Isso virá para fortalecer e atender às demandas cearenses. Parabenizamos a UFC, essa querida irmã, por sua vitória e vamos também à luta", confia.
Entre as "demandas cearenses", Lourdes ressalta uma falta: "A imersão pelo sertão". "A gente precisa compreender que o Estado precisa avançar em oferecer a formação para qualificação dos profissionais dessa área sertão adentro", defende.
Thereza faz coro à necessidade de interiorização. "Até bem pouco tempo, as políticas de arte e cultura do estado do Ceará privilegiavam Fortaleza e não desenvolviam iniciativas de reparação histórica das iniquidades capital-interior", sustenta. "Qualificar academicamente professores do ensino superior através do doutorado acadêmico significa capilarizar e redistribuir o que pertence às pessoas: o capital cognitivo produzido pelo dinheiro público", finaliza.
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