Expirada oficialmente em setembro de 2021 para salas de cinema e válida na TV paga até o próximo dia 12, a cota de tela — que garante a exibição de obras brasileiras — vem sendo destaque no debate do setor audiovisual no País. O projeto de lei (PL) que previa a renovação do dispositivo até 2043 foi desmembrado em passagem pela Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal e, agora, segue somente referente à TV para a Câmara dos Deputados.
A cota de tela é um instrumento adotado em todo o mundo e tem criação ligada ao contexto pós-guerra na Europa. O mais recente modelo no Brasil existe desde 2001, com a criação da Agência Nacional do Cinema (Ancine). Quem contextualiza é Marina Rodrigues, produtora executiva focada em políticas públicas no audiovisual. "Ela foi criada com o objetivo de evitar o monopólio estrangeiro e se mostrou uma fonte eficaz de economia e ampliação da atividade audiovisual", explica.
No Brasil, a política foi responsável por melhores índices de filmes nacionais no mercado. "Ela foi o principal fator a elevar nosso market share de irrisórios 1% para acima de 14% em um curto período de tempo. Isso significa que mais filmes foram vistos e, consequentemente, ampliamos nossa capacidade de produção", ressalta.
A média anual de participação no mercado da produção nacional entre 2012 e 2019 foi de cerca de 13%, conforme a Agência. No entanto, segundo dados do Sistema de Controle de Bilheteria atualizados nesta segunda, 4, este número em 2023, até aqui está em 1,3%.
"Desde 2019 as produções brasileiras estão sem essa ferramenta de visibilização dos filmes nacionais", ressalta a produtora Iris Sodré, associada à Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte, Nordeste, entidade do setor.
O período de quatro anos destacado por ela foi marcado pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro — o funcionamento pleno da cota prevê que o presidente decrete anualmente os parâmetros para o instrumento, dever negligenciado por ele — e impactos da pandemia.
O desmembramento do PL original, do senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), ocorreu após aprovação de emenda de Eduardo Gomes (PL-TO) que atendia ao setor exibidor. Empresas do ramo demandaram debate sobre a cota nos cinemas, alegando questões econômicas vindas do período.
Ainda que reconheça que o PL em trâmite tinha "falta de contrapartidas de dedução de impostos e/ou tributos para os exibidores", Marina defende que a manutenção das salas não tem relação com a cota de tela.
"Isso é uma responsabilidade da Ancine via Fundo Setorial do Audiovisual, e sabemos que os exibidores de multiplex estiveram bem servidos por estas verbas mesmo durante a pandemia. Além disso, os lançamentos recentes deram sobrevida aos números financeiros e chegamos a bater um número bem próximo aos resultados pré-pandêmicos", afirma.
A incerteza sobre a continuidade do trâmite para cotas nos cinemas tem movimentado segmentos do audiovisual. "Todos os artistas, técnicas, produtoras e associações estão unidos para levar ao Congresso a urgência da aprovação da cota de tela nas salas", aponta Íris.
O cineasta Déo Cardoso — que lançou "Cabeça de Nêgo", longa de estreia com produção independente, nos cinemas em 2021, em meio aos impactos da pandemia e à ausência da cota de tela —, reforça a necessidade do debate extrapolar o setor e ser compreendido, também, pelo público. "A gente tem que ser didático, mesmo. Muitas pessoas nem têm o hábito de ir ao cinema. É pensar em como levar isso ao público geral, para ele entender que isso é garantia de emprego e renda para muita gente, que é importante para a economia brasileira", defende.
Para o diretor, a retirada das salas do debate em tramitação é "uma derrota". "O público brasileiro tende a gostar dos filmes que falam a sua língua: obras do Paulo Gustavo, do Halder Gomes. Tem demanda. A gente tem muita produção nacional e, quanto mais, melhor. O público que vai decidir se (um filme) é bom ou ruim, mas para isso ele precisa estar exposto ao produto", defende.
Citado por Déo, Halder Gomes (de "Cine Holliúdy") faz coro. "É uma situação muito desigual onde superproduções ocupam às vezes quase 100% das salas. No pouco que sobra, colocam filmes brasileiros em horários horríveis. A cota de tela vem para determinar regras de mercado para que possa existir uma normalidade na competitividade", afirmou o diretor à Rádio O POVO CBN.
O caso da mais recente produção de Halder, "Bem-vinda a Quixeramobim", é paradigmático. "O filme entrou em cartaz neste espaço muito imprensado que deixaram pra gente, praticamente no Ceará. (O lançamento) não foi como deveria ser e, ainda assim, ele vendeu mais ingressos que a capacidade do Estádio Castelão", comparou. De acordo com Informe de Mercado da Ancine, o público do longa foi de 67.788 espectadores.
O diretor foi além e afirmou que, ao entrar em plataformas de aluguel e streamings, a produção desbancou obras de Hollywood. "Quem ficou em segundo lugar por mais de uma semana disputando foram Tom Cruise, The Rock e Brad Pitt, porque o primeiro era 'Bem-vinda a Quixeramobim'. Se esse filme estivesse em cartaz em horários nobres, teria público no cinema também", defende.
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