Em cima de um palco, Denise Fraga conta a história de Julinho, um rapaz que tem uma paixão inusitada. A atriz também compartilha com o público a trajetória de Clarice, uma professora que reencontra um aluno anos mais tarde. São incorporados à teia de narrativas também os relatos de Fátima, Bruno, Wagner e artistas conhecidos.
Em cena, ela tece “um bordado de vida, arte e humor cotidiano que leva o público a rir de situações corriqueiras”. Histórias reais entrelaçadas por aspectos em comum e costuradas com “pérolas da literatura, música, imagens e poesia”. É dessa forma que se constrói a peça “Eu de Você”, criada e idealizada pela própria atriz e dirigida por Luiz Villaça.
O espetáculo terá quatro sessões gratuitas na Caixa Cultural Fortaleza, com apresentações que seguem até domingo, 12, com ingressos distribuídos a partir de uma hora antes do início (ver serviço). Denise Fraga ministrará ainda a oficina "O Intérprete e a Comunicação do Texto" na sexta, 10, das 10 horas às 13h30min, para 20 participantes.
A ideia para o espetáculo surgiu do interesse em fazer “uma peça mais móvel”. Depois de anúncios convidando o público a compartilharem suas histórias, a equipe da obra recebeu 300 relatos, e ficou decidido que as que fossem escolhidas seriam traçadas com “literatura, poesia e música”.
Denise Fraga apresenta espetáculo "Eu de Você" em Fortaleza
Sobraram, então, entre 25 e 30 histórias para serem trabalhadas. Na visão de Denise Fraga, a arte ajuda as pessoas a viver e “quem lê Dostoiévski e Fernando Pessoa, no mínimo, vai sofrer mais bonito, porque sofrerá com companhia e com a cumplicidade dos poetas”. “A maioria das coisas produzidas em arte e literatura falam justamente dos imperfeitos, dos nossos eternos dilemas, de como alcançá-los. E a peça surgiu meio dessa ideia”, afirma.
Mas, afinal, quais características os personagens têm em comum? Segundo Denise Fraga, suas histórias são narrativas “que poderiam acontecer com qualquer um de nós”. Os relatos foram recolhidos no final de 2018, logo após a eleição presidencial de Jair Bolsonaro. A atriz compartilha que as cartas recebidas demonstravam grande melancolia e pessoas dividindo suas vulnerabilidades.
“Eu estava triste. A nossa equipe estava triste. Acho que nos irmanamos também naquelas vulnerabilidades, e pensávamos o País dividido, com aquela eleição de 2018 e a triste divisão que aconteceu com todos nós. Então, pensávamos: o que nós todos temos em comum? Qual é o terreno do qual ninguém escapa?”, indica.
Apesar de ser a única atriz no palco, Denise se recusa a dizer que o espetáculo é um monólogo. Ela é acompanhada por três instrumentistas, sendo elas Ana Rodrigues (piano), Priscila Brigante (bateria) e Lua Bernardo (baixo). “Não é um monólogo, porque o tempo inteiro a música conversa com o texto e faz várias intervenções que não são exatamente uma trilha”, explica. Segundo a artista, a “música tem uma personalidade” em cena.
Tendo estreado em 2019, o espetáculo teve de ser interrompido devido à pandemia de Covid-19. Com o período de paralisação, a atriz chegou a pensar que talvez nunca mais fosse possível fazer teatro presencialmente. “Parecia que eu tinha sido abatida em pleno voo. Eu estava correndo e me deram uma rasteira. A peça tinha uma importância enorme para mim”, relembra.
Mesmo diante de dois anos de pausa, poucos elementos da obra foram alterados no retorno. “Sentimos que a peça foi potencializada pela pandemia. Na verdade, até tem muita gente que acha que ela foi feita após a pandemia, porque ela é essa espécie de celebração do encontro, esse convite a olhar e vestir a experiência do outro”, pontua.
Além de ser sua primeira jornada em Fortaleza, a peça assume outra característica especial: todas as sessões são gratuitas, a partir de patrocínio da Caixa e do Governo Federal. Denise Fraga avalia esse aspecto como muito importante para o acesso à arte. “Precisamos fazer as pessoas entenderem que o acesso à arte e à cultura é um direito de todos”, ressalta.
Outro destaque feito pela diretora é que a gratuidade pode estimular mais pessoas a frequentarem espaços artísticos, principalmente em um mundo no qual “cada vez mais as pessoas são educadas a comprar coisas que não precisam”. “Um ingresso de teatro ou um livro muitas vezes pode modificar a vida de uma pessoa, mais do que um tênis jogado no fundo do armário”, acrescenta.
Denise descreve “Eu de Você” como “uma das experiências mais incríveis” da sua vida. A partir da peça, sentiu que aumentou o seu “grau de escuta” e o seu “fascínio por gente”. Há uma curiosidade em saber as histórias que cada pessoa carrega consigo - e o aprendizado de que, mesmo diante de dificuldades, a vida ainda pode trazer novas inspirações.
“O que eu sinto é que às vezes a peça pega uma história de vulnerabilidade e sofrimento e essa narrativa que a pessoa achou que era banal nós embrulhamos para presente no papel da arte, da beleza, e devolvemos a história para a pessoa. Ela, vendo sua história no teatro, tem a capacidade de perceber que a vida ainda é um jogo fascinante, apesar de todas as adversidades”, reflete.
Eu de Você