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Restauro e conservação de arte unem técnica, sensibilidade e interdisciplinaridade
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Restauro e conservação de arte unem técnica, sensibilidade e interdisciplinaridade

Resgatando e preservando memórias, o restaurador mescla a mão artística com técnicas científicas para preservação de obras históricas
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Escola de Artes e Ofícios realiza cursos de formação para especializar alunos e permitir a perpetuação da arte de restauração (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Escola de Artes e Ofícios realiza cursos de formação para especializar alunos e permitir a perpetuação da arte de restauração

Por mais lindas e cheias de detalhes que sejam, o tempo não deixa de agir sobre a integridade estética e física de uma obra de arte — sejam elas pinturas (telas ou paredes), esculturas, construções arquitetônicas, entre outras. As marcas do período de vida daquele objeto, ou de sua má conservação, ficam impressas em sua estrutura como avarias.

Para resgatar a essência, profissionais misturam suas mãos artísticas com técnicas que adentram outros campos de conhecimento para intervir no processo de degradação, trazendo luz para a beleza e historicidade da peça.

“Tudo que é produzido pelo homem é objeto de restauro, dentro de sua medida. Até porque os objetivos também são perecíveis assim como o ser humano”, destaca Antonio Vieira, restaurador e professor da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho. Mas o objetivo desta profissão não é agir apenas quando a obra já está desgastada.

Carolina Alves, também restauradora e professora da mesma instituição, aprofunda a explicação sobre o campo do ofício, afirmando que outro papel importante deles é a conservação durante o período de vida daquele objeto. “Não é só o restauro que nos é valioso. Evitar que ele aconteça [também é], porque ele, de fato, interfere no bem”, detalha.

A restauradora acrescenta, ainda, o entrelace de disciplinas no trabalho, pontuando que ele não é visto “exatamente como arte, porque é preciso dominar diversas áreas”. Exemplificando, ela cita os testes químicos realizados com produtos a serem utilizados para a remoção de alguma sujidade, as pesquisas para a compreensão do contexto histórico em que a obra foi feita e os testes para entender os materiais usados nela.

“Preservamos a arte, contando através da nossa técnica aprendida, quais eram os meios que eram fabricados as obras, os materiais, as técnicas tradicionais que eram feitas”, sustenta ela, que também é coordenadora dos cursos oferecidos pela Escola.

Restauro é uma ciência, porque você tem que trabalhar com instrumentos de outras profissões”, corrobora Antonio, pontuando que o uso dessa interdisciplinaridade permite a realização de “uma restauração bacana”.

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Nos meios urbanos — Fortaleza inclusa — o trabalho desses profissionais se torna uma ferramenta indispensável para a preservação dos patrimônios físicos e suas identidades históricas. No campo artístico, resgata e preserva a memória de uma obra única. Mas até que ponto?

casos famosos de restauros que foram mal sucedidos e realizados por pessoas que não dominavam as técnicas citadas pelos dois profissionais. Uma delas é a intervenção na pintura Ecce Homo, em 2012. Parte do acervo do Santuário da Misericórdia — em Borja, Espanha —, a tela estava desgastada e com avarias, não sendo conservada corretamente.

Com uma boa intenção, a devota Cecilia de Gimenéz, tentou resolver a situação da má preservação da pintura de Jesus Cristo, feita por Elias García Martínez, mesmo não detendo o conhecimento necessário. O resultado foi uma mudança drástica na obra e uma enxurrada de críticas ao trabalho da senhora.

“O ocorrido apenas atesta a falta de regulamentação da área. Na jurisprudência brasileira, é garantida a liberdade do profissional. Os campos regulamentados são aqueles que exigem conhecimentos técnicos-científicos aprofundados e causem danos à saúde, vida e patrimônio das pessoas”, como explica o advogado Mário Pragmácio.

No Congresso Nacional, um Projeto de Lei em tramitação (PL 1183/2019), regulamentaria a profissão de conservador-restaurador, e técnico conservador e restaurador. Mas para Mário, também especialista e mestre em Museologia e Patrimônio, o texto precisa de melhorias.

“Traz previsões que pecam na parte técnica, como por exemplo a possibilidade desses profissionais atuarem com bens culturais de natureza imaterial, o qual segue uma matriz e uma lógica completamente distinta do restauro/conservação de bens móveis”, clarifica ele.

Antonio acena positivamente para uma regulamentação da profissão, para resguardar aqueles que estudaram e estão atuando na área. Também frisa a necessidade de proteção, devido a insalubridade que os produtos químicos manuseados podem oferecer.

Entretanto, ele aponta ser necessário olhar também para a história do ofício. Anteriormente, não havia um curso que preparasse para exercê-lo, eram pintores e arquitetos que atuavam na área e passavam os conhecimentos para seus filhos, tornando ela uma tradição familiar.

“Procuramos legalizar para trazer benefícios à profissão, para não chegar qualquer um e dizer ‘sou conservador-restaurador’. Mas tem certificado, curso técnico, graduação?”, questiona retoricamente. “Mas, de uma certa forma, vai tirar muita gente do mercado de trabalho”, continua, esclarecendo que uma família que trabalha e domina as técnicas necessárias, pode ser prejudicada.

Ele finaliza reforçando que os restauradores que estudaram para aprender e continuam para aprimorar, não invalidam aqueles que aprenderam de forma tradicional.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-11-2023: A Escola de Artes e Ofícios realizam cursos de formação para especializar alunos e permitir a perpetuação da arte de restauração. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-11-2023: A Escola de Artes e Ofícios realizam cursos de formação para especializar alunos e permitir a perpetuação da arte de restauração. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Outros tipos de restauros

Todo objeto está fadado a sofrer com a ações do tempo, seja ele artístico ou não, e em algum momento avarias aparecerão. Para reparar e diminuir os danos dos livros em seus acervos, às Bibliotecas da Universidade Federal do Ceará (UFC) contam com profissionais para atuarem nesta área.

Um deles é João Bosco Ferreira Junior, tipógrafo do Centro de Humanidades. Artesanalmente, desempenha o trabalho de restauração, mas destaca os cuidados necessários para respeitar o original.

Antes dele entrar no setor, a restauração das capas era feita de uma forma mais simples. “Eles não dominavam ferramentas. Aplicavam a capa a cartolina e faziam o título manuscrito”, conta, detalhando que naquela época — por volta da década de 1980 — não existiam ferramentas que ele utiliza hoje. Em seu trabalho, busca usar o mesmo modelo que as capas originais, apenas sinalizando ter sido restaurada por meio de um selo. Além do desenho, é respeitado padrões do tipo do papel e a gramatura.

Regras também devem ser seguidas quanto a restauração das folhas, sendo determinado um quantitativo de quantas cópias delas podem ser feitas: 20 no máximo. O tipógrafo costuma tirar apenas das páginas iniciais e finais.  E, a depender do dano, a restauração não é feita caso exista outra edição da mesma obra, devido a gravidade e tamanho da intervenção.

O Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS) também conta com uma equipe para trabalhar na conservação dos arquivos visuais do acervo. David Felício Araújo é um dos técnicos que a integra, trabalhando para manter a informação de uma obra audiovisual por meio da duplicação. “Esse é o princípio da preservação, aumentar a vida útil de um filme”, explica.

Analógico ou digital; foto ou filme; David atua para conservar a obra, fazendo que ela não chegue a precisar da intervenção de uma restauração, que ele afirma ter um alto custo financeiro. Todo as ações de preservação realizadas nos laboratórios que cuidam desse processo devem respeitar também um limite.

“Existe uma questão ética muito latente no processo de produção de novas cópias, para que não possamos, em um trabalho de restauração, acabar apagando ou criando uma deturpação do material original”, detalha, também explicando também deve-se respeitar os direitos autorais da obra para a realização ou não da ação.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-11-2023: A Escola de Artes e Ofícios realizam cursos de formação para especializar alunos e permitir a perpetuação da arte de restauração. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-11-2023: A Escola de Artes e Ofícios realizam cursos de formação para especializar alunos e permitir a perpetuação da arte de restauração. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Trajetória e profissão

Em 2009, Antonio Vieira ingressou na Escola de Artes e Ofício Thomaz Pompeu Sobrinho como um aluno. Se demitiu do antigo emprego para se dedicar unicamente ao curso técnico de restaurador. Atualmente, é professor da escola e já participou de importantes restaurações para a cidade de Fortaleza, como o histórico Vitral da Secretaria da Fazenda do Ceará.

Ele relembra como era escasso o número de profissionais da área no Estado quando começou no curso. “A maioria dos nossos professores vieram de fora. A Escola criou um mercado de restauradores que, até então, não existia”, conta, acrescentando que posteriormente ao curso, criou uma empresa para atender o nicho.

Após o técnico, veio a graduação de licenciatura em Artes Visuais, onde ele aplicou os conhecimentos que já tinha adquirido — frisando também que a academia contempla mais a arte contemporânea. No mercado de trabalho, o professor o destaca como promissor, mas pontua que é necessário “dedicação e muito profissionalismo”.

Para a professora e coordenadora dos cursos da Escola, Carolina Alves, o mercado tem necessidade de profissionais no campo, apesar de não existir uma regulamentação, porque obras históricas precisam ser preservadas e restauradas.

Assim como Antonio, ela também é ex-aluna da Escola — cursou em 2021 — e hoje trabalha como professora. Também é graduada em Arquitetura e Urbanismo, apesar de não exercer a profissão.

Ampliando o raciocínio anterior, ela também destaca que o profissional geralmente é buscado quando o patrimônio já está em ruínas, que é quando acontecem os “grandes restauros”. “A nossa área é muito mais do que recuperar uma pintura que perdeu uma camada pictórica de tinta, por exemplo, é atuar para que isso não aconteça”, sustenta.

Antonio aprofunda, classificando como um desafio o ofício, pois as peças que geralmente eles pegam são consideradas velhas ou que “não tem jeito”. Mas um restaurador não pode intervir sem antes um estudo daquela obra e entender o que precisa ser feito, além de necessitar respeitar as técnicas usadas pelo autor da peça.

“Tem que ter bom senso. Não pode ultrapassar o limite. A obra não é particular, é do outro. Precisa ter muita capacidade para entender não se pode interferir na obra dele”, afirma. “Trabalhamos aliados à bibliografia, porque não estamos inventando uma história. E eu tomo cuidado nesse sentido, para que o resultado seja o mais próximo possível daquilo que o artista deixou”, completa.

Corroborando, Carolina apresenta alguns preceitos que ela, e outros restauradores, seguem na realização de seu trabalho. Uma delas é a mínima intervenção no material original. Outro deles são estudos e testes para separar o que foi acrescentado do que já existia, respeitando a obra do artista.

Com todo o cuidado dos profissionais, as estruturas desses bens materiais vão sendo resgatadas, mas respeitando tudo o que o compõe que as acompanham. “É o resgate da nossa história, da nossa memória”, enaltece Maninha Morais, gestora executiva da Escola, o trabalho dos profissionais formados pela instituição e seus alunos.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-11-2023: A Escola de Artes e Ofícios realizam cursos de formação para especializar alunos e permitir a perpetuação da arte de restauração. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 07-11-2023: A Escola de Artes e Ofícios realizam cursos de formação para especializar alunos e permitir a perpetuação da arte de restauração. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Tradição e aprendizados

Denismara Pereira Diniz, 53 anos, é filha do famoso escultor Mestre Bibi — responsável por esculpir a estátua de São Francisco de Chagas, em Canindé — e desde jovem teve a prática de conservação e restauração em sua vida, trabalhando com imagens em igrejas.

Aprendeu tradicionalmente o ofício com os pais, os acompanhando em trabalhos que envolviam projetos artísticos e restauração. Ainda assim, mesmo com experiência acumulada, um certificado se fez necessário. Por isso, se tornou uma das alunas da Escola de Artes e Ofício Thomaz Pompeu Sobrinho.

“Não adianta dizer ‘Sou filha Mestre Bibi’. ‘Tá, e daí? Não temos certeza que você saiba fazer’”, ela simula um diálogo sobre o que poderia acontecer. “Alguns padres me conhecem, mas não todos”, completa.

A mulher define como “diferente” estar fazendo o curso, contando que as técnicas e produtos que ela conhecia eram da época da mãe dela. Agora, participando da turma de aperfeiçoamento ministrada pelo professor Antonio, ela descobre novas ferramentas que facilitam o trabalho que já exercia.

Eu junto o que eu sei, com as técnicas que professor vem ensinando”, detalha. “Tudo ficou mais fácil”, declara.

Já Mairlon Xavier, 35 anos, vem aprendendo sobre o ofício com a turma de iniciação da Escola. Desde a infância, tinha o talento para desenhar e o conservou o talento até a fase adulta. Mas não tinha cogitado algo que envolvesse conservação ou restauração.

Foi em um estágio na Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor), que teve contato o tópico “patrimônio e restauro”, ficando interessado em aprender mais sobre o assunto. Já conhecia a escola, “mas devido a tempo e distância nunca teve a oportunidade”.

Quando conseguiu conciliar, entrou na instituição de ensino para aprender sobre, mas apenas como um hobby. Graduando em História, une o aprendizado acadêmico com as pesquisas realizadas na formação técnica para as restaurações.

Quando pensa na possibilidade de um dia trabalhar com a obra de um artista que admira, Mairlon conta sentir um “quentinho no coração’. “Óbvio, tem o cuidado com qualquer obra que esteja fazendo, mas pegar um artista que admira ou um quadro de um tema que você goste, tem uma coisa a mais”, afirma.

Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho

  • Onde: av. Francisco Sá, 1801 - Jacarecanga
  • Visitação guiada: das 9 horas às 11 horas (manhã); das 13 horas às 17 horas (tarde) 
  • Cursos:  Gratuitas e divulgadas por meio de editais no site da Escola (www.eao.org.br)
  • Informações: (85) 3238-1244/ @escolaarteseoficios.tps (Instagram)/ easrteseoficios (Facebook)
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