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Theatro José de Alencar: entre demandas por cuidado e por ocupação
Reportagem Seriada

Theatro José de Alencar: entre demandas por cuidado e por ocupação

Um dos principais palcos das artes do Ceará, o centenário Theatro José de Alencar tem lista de demandas estruturais enquanto segue recebendo múltipla programação; Secult prevê restauro em breve
Episódio 2

Theatro José de Alencar: entre demandas por cuidado e por ocupação

Um dos principais palcos das artes do Ceará, o centenário Theatro José de Alencar tem lista de demandas estruturais enquanto segue recebendo múltipla programação; Secult prevê restauro em breve
Episódio 2
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“Afinal temos um teatro (...) e todos nós o vemos, materialmente considerado. O teatro, porém, não está só na sua arquitetura, está, sobretudo, na sua moral, no espírito que o deve animar”, discursou o jornalista e escritor aracatiense Júlio César da Fonseca Filho na inauguração do Theatro José de Alencar (TJA) "O equipamento conta com mais de 12 mil metros quadrados, com espaços que incluem o saguão de entrada (com bilheteria e Café Iracema), o Pátio Nobre, o foyer - Sala Izaíra Silvino, o Palco Principal, o Jardim Burle Marx, o Porão, a Galeria Ramos Cotoco, a Praça Mestre Pedro Boca Rica, o Teatro Morro do Ouro e a Sala de Teatro Nadir Papi-Saboya" , em 17 de junho de 1910. A ideia do intelectual na gênese do equipamento, há 113 anos, encontra espelhamentos singulares na atual situação dele, que vem se equilibrando entre demandas por cuidado e por ocupação.

Entre uma concretização conturbada em meio aos contextos políticos da virada do século XIX para o século XX , um início de pompa e circunstância e uma trajetória de altos e baixos, o Theatro José de Alencar tem uma história que vai da influência da belle époque no Ceará ao atual contexto de desafios das políticas públicas culturais — percurso analisado nesta segunda reportagem do especial Raio-x dos Espaços Culturais.

Theatro José de Alencar, construído em 1910, é um dos principais equipamentos culturais do Ceará(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Theatro José de Alencar, construído em 1910, é um dos principais equipamentos culturais do Ceará

O espaço pede há anos por melhorias materiais — de restauro à atualização tecnológica — em meio a uma, felizmente, constante programação e movimento. Ao Vida&Arte, a Secretaria da Cultura do Ceará, responsável pelo equipamento em parceria com a organização social Instituto Dragão do Mar, reconhece como “necessária” uma “ampla obra de restauro” para o TJA. Há, inclusive, um projeto já pronto neste sentido e o início dos procedimentos licitatórios está previsto ainda para 2023.

O último grande movimento de manutenção do equipamento ocorreu há mais de 30 anos, com o restauro finalizado em 1991. A ação teve início ainda no final dos anos 1980 a partir da atuação da então secretária da Cultura do Estado, Violeta Arraes. Foram feitas intervenções estruturais, mas também uma redefinição conceitual e simbólica do equipamento, que passou a ser mais aberto às expressões culturais e à Cidade.

Apesar das décadas de distância entre o grande restauro de 1991 e o atual momento do TJA, diferentes trabalhos e serviços de preservação e reforma ocorreram no equipamento. A Secult informa que ele “passa por manutenções periódicas, resolvendo questões preventivas e corretivas” e adianta que está prevista para começar em breve, ainda em junho, uma nova manutenção que incluirá serviços no anexo do equipamento.

Theatro José de Alencar, referência cultural do Estado (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Theatro José de Alencar, referência cultural do Estado

Entre trabalhos de manutenção recentes realizados no Theatro, a secretaria destaca um serviço feito neste ano no sistema de refrigeração; a aquisição e instalação de dois elevadores para pessoas com capacidade locomotora reduzida, em 2019; e obras de manutenção e conservação que incluíram pintura, revisão hidráulica e elétrica nas salas de formação do Centro de Artes Cênicas do Ceará (Cena), Galeria Ramos Cotoco, Teatro Morro do Ouro, Biblioteca Carlos Câmara e Cantina do Muriçoca.

Além da parte estrutural do prédio, o V&A também questionou a Secult sobre demandas relativas a atualizações tecnológicas e de equipamentos do Theatro. “No último semestre foram realizadas atualizações no sistema de iluminação das salas de espetáculos do Theatro José de Alencar, como a transformação do sistema analógico para o sistema digital no Teatro Morro do Ouro e Sala de Teatro Nadir Papi Sabóia, que receberam racks e consoles digitais”, responde a pasta.

Clássicos vitrais coloridos do TJA estão visivelmente danificados(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Clássicos vitrais coloridos do TJA estão visivelmente danificados

Além disso, a secretaria adianta que “mais atualizações tecnológicas para a modernização do equipamento” estão previstas para ocorrerem junto ao futuro restauro. “A obra de manutenção terá início neste mês e a obra de restauro e modernização está com o projeto pronto”, resume a Secult.

“O projeto de restauro mapeou as demandas arquitetônicas e de instalações do equipamento cultural, sendo o primeiro passo para que se possa dar início ao processo licitatório para a obra”, explica a pasta, que afirma, ainda: “A Secult reforça que essas obras são de melhorias, e que o Theatro hoje segue operando com segurança”.

 

 

Melhorias e manutenções previstas para o TJA

 

 

 

A virada do TJA

Mais recente restauro do Theatro José de Alencar, ocorrido há mais de 30 anos, segue como referencial para o pensamento estrutural, programático e de usos do equipamento

O referido restauro do Theatro José de Alencar finalizado em 1991 foi um ponto de virada em termos concretos e simbólicos. O teatrólogo Oswald Barroso — diretor do equipamento no momento de retomada, entre 1991 e 1992 — escreve em “Theatro José de Alencar - O Teatro e a Cidade” (2002): “Com instalações tão amplas e espaços tão variados, o velho José de Alencar modernizou-se. Tornou-se não apenas uma ativa casa de espetáculos, (...) mas principalmente um grande centro de convivência, formação e difusão Cultural”.

Obras no Theatro José de Alencar duraram cerca de dois anos(Foto: João Carlos Moura, em 13/2/1990)
Foto: João Carlos Moura, em 13/2/1990 Obras no Theatro José de Alencar duraram cerca de dois anos

O que levou a este marco tão positivo e referencial na trajetória do TJA, porém, foi uma “situação-limite”, como descreve Oswald. O acúmulo de problemas estruturais no equipamento desde o princípio levou a um contexto, no final dos anos 1980, marcado por ameaças de desabamento de estruturas e de incêndio, além do comprometimento de diversas instalações.

“Com a necessidade de nova reforma na passagem para os anos 1990, o TJA compôs, junto a outros equipamentos e espaços do centro tradicional, um processo de ‘revitalização’ da região”, contextualiza o sociólogo Erich Soares, membro do Grupo de Estudos em Cultura, Comunicação e Arte (Gecca) da UFC e pesquisador de Sociologia da Cultura com ênfase em intelectuais, circulação do simbólico e equipamentos culturais.

“Novas insígnias de modernização do Estado, inclusive na área cultural, foram encampadas pelo então ‘Governo das Mudanças’, ciclo político inaugurado por Tasso Jereissati, naquele momento tendo à frente da pasta cultural Violeta Arraes”, segue o especialista.

A secretária da Cultura do Ceará Violeta Arraes é nome central no restauro do TJA de 1991(Foto: João Carlos Moura, em 13/2/1990)
Foto: João Carlos Moura, em 13/2/1990 A secretária da Cultura do Ceará Violeta Arraes é nome central no restauro do TJA de 1991

O mudancismo, ressalta Erich, trouxe uma “atualização do entendimento da cultura no seio da gestão pública como setor estratégico, relacionado à dinamização da economia”. A partir deste aspecto, a reforma de 1991 extrapolou aspectos puramente técnicos e de manutenção, alcançando a “ressignificação do Theatro diante da cidade”.

“A ideia foi de não somente reafirmá-lo como principal palco das artes no Estado, mas o tornar centro cultural, com espaços de formação em diversas linguagens e habilidades no campo da cultura”, afirma o sociólogo.

Foi em março de 1989 que o contrato que garantiu os recursos para os trabalhos foi assinado — como informa matéria do O POVO de 28/3 daquele ano, foram realizados “trabalhos nas partes hidráulica, elétrica, estrutural e decorativa”. Não foi sem controvérsia, porém, que as ações começaram, muito por conta da necessidade de fechamento do equipamento.

A mesma matéria citada mostra que o então diretor do TJA, Augusto Bonequeiro, admitia que o equipamento necessitava de “imediata recuperação”, mas queixava-se “que a interdição da casa de espetáculos prejudicará as atividades que normalmente nela se realizam”.

Selma Santiago, ex-diretora do Theatro José de Alencar(Foto: RODRIGO CARVALHO)
Foto: RODRIGO CARVALHO Selma Santiago, ex-diretora do Theatro José de Alencar

Diretora do Theatro entre 2015 e 2019, Selma Santiago atuava como atriz na época e recupera o contexto. “Fazia parte do Raça e do Zarabatana, grupos de teatro dirigidos pelo Artur Guedes, e a gente estava ensaiando um espetáculo no foyer quando pediram para sair de lá, porque o teatro iria fechar para uma reforma”, lembra. “A gente achou estranho na época, porque foi chato ter que sair”, conta, depois complementando: “Mas valeu muitíssimo a pena”.

“A gente conviveu com a transformação de um espaço que estava desgastado, com necessidade de um restauro, e que depois viveu um auge com todo o financiamento que teve na gestão da secretária Violeta Arraes”, reconhece.

Apesar de questionamentos — que incluíam ainda discussões sobre preservação de elementos históricos e escolhas da estrutura do palco —, os trabalhos eram vistos como “ponto alto” da gestão da Secult à época.

Semanas antes do TJA ser entregue à Cidade, o que ocorreria em 26/1/1991, o V&A do dia 5 daquele mês destacou o “compromisso cumprido” da então secretária, que “mereceria entrar com louvores para a história cultural cearense” mesmo se a “única iniciativa (...) fosse apenas esta”. Matéria de 27/1, um dia após a reabertura, celebrou: “Cultura e democracia em festa”.

Oswald Barroso, ator, escritor, teatrólogo e pesquisador(Foto: EDIMAR SOARES)
Foto: EDIMAR SOARES Oswald Barroso, ator, escritor, teatrólogo e pesquisador

Ações e utilizações já consagradas e até hoje firmadas tiveram gênese no contexto de retomada do equipamento, ao longo dos anos 1990. Oswald Barroso reconhece, em “O Teatro e a Cidade”, que aquela década foi “talvez o período de maior movimentação que o TJA conheceu” na história.

Um deles é o Theatro de Portas Abertas, que promove programações em todo dia 17 de cada mês e cujo nome é tido como “simbólico” por Erich. Na avaliação do sociólogo, a ação se constitui como “tentativa de desmistificar o aspecto solene do equipamento” por apostar na oferta de atrações de forma facilitada e gratuita.

“A virada dos anos 1990 trouxe uma série de elementos para a reflexão do lugar do TJA na cidade, tendo agentes do Estado e da classe artística reelaborado a compreensão do que deveria ser um acesso democrático aos bens simbólicos”, sintetiza o pesquisador.

“De certo modo, os pontos centrais ali discutidos permanecem hoje, principalmente um aspecto relativo à própria gênese do equipamento: o fato de ter surgido como opulenta casa de espetáculos destinada a uma frequência que se queria distinta e elitizada e passar por um longo processo de atribuição de sentidos que tentam orientá-lo a públicos mais heterogêneos e populares”, finaliza.

 

 

O TJA na História

Com percurso histórico que inclui cinco reformas centrais e intensa variação entre esvaziamentos e pulsação artística, Theatro José de Alencar tem trajetória de altos e baixos

“Para alcançar a civilização, era necessário respirar o ambiente sofisticado da belle époque”, contextualiza Oswald Barroso em “O Teatro e a Cidade” (2002). A construção do Theatro José de Alencar, descrito pelo autor como “o reino do ecletismo na arquitetura e no afrancesamento nos costumes”, foi relevante marco desta busca “civilizatória” por parte de elites econômicas e políticas do século XIX.

Àquela época, havia um desejo profundo pela construção de um “teatro oficial” no Estado. “Fortaleza experimentava um desenvolvimento econômico ímpar proporcionado pelo mercado de exportação de algodão. A elite que se formava vivia desejosa de elementos modernizantes, tomados pela inspiração europeia que representava o ápice da civilização naquele momento”, contextualiza o sociólogo Erich Soares.

O especialista destaca que sucessivas tentativas de construção deste primeiro “teatro oficial” foram registradas no século XIX, ainda que frustradas. O acúmulo de projetos não concretizados — seja por impossibilidades financeiras, seja por críticas de opositores políticos que consideravam a ideia supérflua — foi interrompido pelo governo de Nogueira Accioly, responsável pela construção do TJA.

Ecletismo marca arquitetura do Theatro José de Alencar i
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Confira detalhes sobre a arquitetura do equipamento (Foto: Aurélio Alves)

O equipamento tornou-se, então, símbolo da gestão accioliana, “adquirindo um papel que ultrapassava valores artísticos, consolidando também o ‘espírito do tempo’ num período de preocupações com o regramento social e a moralidade dos comportamentos na cidade”, descreve Erich.

“A concepção de um grande teatro desenhado segundo inspiração francesa, junto a outras transformações realizadas na cidade, era uma forma dessas elites se afirmarem, contraditoriamente, diante de uma sociedade evidentemente marcada por pobreza e profundas desigualdades”, analisa o sociólogo.

A construção do TJA, avalia, evidenciou diferenças sociais da época. “Mesmo não sendo frequentado apenas pelas elites, estas ocupavam posições demarcadas dentro do espaço, ocupando melhores lugares, investindo em comportamentos distintivos, mais contidos, buscando serem percebidas enquanto alta classe”, aponta.

A área dos camarotes era majoritariamente ocupada por membros abastados da sociedade fortalezense, enquanto as classes populares ocupavam, especialmente, as chamadas “torrinhas”, área superior da plateia chamada à época de “inferninho” — tanto pelo calor quanto pelo público.

Na imprensa da época, que agia em prol do ideal “civilizatório”, é possível encontrar registros como o do jornal A República que, em 29/10/1910, registrava que os “habitués das torrinhas do José de Alencar parecem caprichar em dar provas de sua má educação”.

Apesar dos marcadores sociais que existiam na estrutura do Theatro ao longo das primeiras décadas de atuação, o equipamento, ressalta Erich, “respondeu às demandas sociais que se transformaram profundamente em Fortaleza” no século XX.

 

Diretores do TJA

 

É possível distinguir a partir da década de 1970 o início de um movimento que culminaria na reatualização da vocação do equipamento empreendida no restauro dos anos 1990. Nas cinco primeiras décadas do equipamento foram três as principais reformas ocorridas, em 1918, 1937 e 1956.

Mesmo que tenha sido tombado pelo Iphan nos anos 1960, o estado do equipamento naquela década é descrito por Oswald Barroso como “de quase abandono”. No Vida&Arte, o jornalista Carlos Dália denuncia em matéria de 29/10/1968 “uma das mais sérias e tristes crises” do TJA, com ameaças de ruir.

Os movimentos de reforma e restauro vieram nos anos 1970, abrindo espaço para um debate inicial sobre o lugar do TJA naquele contexto — que, destaca-se, era ainda de ditadura militar. “Houve muita disputa sobre os rumos do ‘novo’ Theatro. Os movimentos sociais buscavam no teatro popular uma forma de aproximação do povo; já o regime militar fomentava uma resposta que fazia frente à tentativa de arte crítica e engajada”, contextualiza Erich.

“A demanda de agentes e instituições ligadas ao teatro popular e amador, desde os anos 1970, pela facilitação do acesso a formas culturais que entendiam como verdadeiramente populares ampliou-se com a redemocratização nos anos 1980”, segue o sociólogo. Chega-se, então, ao contexto que propiciou o restauro de 1991: o mudancismo, que lidava ainda com questões urbanas acentuadas no Centro.

“O entorno do TJA sofria com uma movimentação de deslocamento populacional em direção a outras regiões da cidade, como a Aldeota, imprimindo à região caráter de decadência sob o olhar de antigos moradores de classes médias e altas. Essa complexa transformação — inclusive urbanística, que deslocou a atenção de públicos historicamente frequentadores para outras regiões da cidade e novas formas de consumir arte ou entreter-se — imprimiu outras perspectivas de utilização do equipamento, tornando o Theatro mais facilitado a usuários antes marginalizados”, conclui Erich.

 

 

Grandes reformas no TJA

 

 

Vocações do TJA em rede

Mais de 30 anos após o grande restauro, lugar do Theatro José de Alencar hoje, em meio a novos equipamentos culturais e velhas questões urbanísticas, convida a reflexões

“Ele não é apenas um equipamento artístico e nem apenas um equipamento patrimonial, ele tem os dois usos. O Theatro José de Alencar é um complexo cultural”. A definição é de Selma Santiago, gestora cultural e ex-diretora do equipamento (2015-2019). Este alargamento de funções é um dos frutos do restauro de 1991, que reestruturou não somente a parte material, mas também simbólica do TJA. 30 anos depois, em meio a antigos e novos desafios, quais as vocações possíveis para o Theatro no contemporâneo?

Centenário, o equipamento viu muitos outros espaços culturais serem criados no Ceará, do Cineteatro São Luiz — que foi inaugurado oficialmente em 1958, mas adquirido pelo Estado somente em 2011 — à recente Estação das Artes — aberta com função cultural em 2022. Pensando na Rede Pública "O Theatro José de Alencar é listado nos três eixos de atuação da Rede Pública de Equipamentos Culturais. São eles: Artes, Diversidade e Cidadania Cultura; Conhecimento e Formação Artística e Cultural; e Patrimônio Cultural e Memória" de Equipamentos Culturais do Governo do Estado, o Vida&Arte questionou a Secretaria da Cultura sobre o papel e o lugar do TJA hoje na Rece.

 
Detalhes dos vitrais do TJA i
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Confira íntegra da resposta da Secult

Destacando que a pasta está, no momento, em processo de desenvolvimento de Planejamento Estratégico para os quatro anos de gestão, incluindo reflexões de missão, visão e valores dos equipamentos públicos estaduais, a Secult ressalta “significativos papéis” do TJA para a cultura do Ceará.

“Além da importância histórica, o equipamento oferece programação diversificada de atividades artístico-culturais de fruição e de formação "O TJA acolhe diferentes experiências formativas. O destaque é para o Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT), que há mais de 30 anos atua na formação em artes cênicas de gerações da linguagem no Estado. O equipamento conta, também, com cursos de palhaçaria e dança, por exemplo." ”, resume. “O TJA, no contexto da Rece, por sua história, possui um papel de liderança dos espaços cênicos, sua história é importante para dimensionar estratégias de formação, difusão das artes e para preservação do nosso patrimônio histórico”, afirma a pasta.

Extrapolando as vocações de arte e cultura, a pasta também compreende que “o Theatro tem um papel grande "O TJA lidera o Sistema Estadual de Teatros e Espaços Cênicos, criado pela Lei n.º 13.604, de 28 de junho de 2005, e atualizado pela Lei 18.012/2022, conhecida como Lei Orgânica da Cultura. O SET-CE conta com a adesão de cerca de 30 espaços do Estado e realiza sistematização e implementação de políticas de integração e incentivo em espaços cênicos"  na valorização do Centro de Fortaleza, sendo um espaço de referência da cidade e do Estado e depositário de lembranças, integrando-se à vida artístico-cultural e social do Ceará”.

A vocação do equipamento em diálogo com o Centro da Capital é também destacada pelo arquiteto e professor Romeu Duarte, que, no entanto, ressalta série de problemas na região e na integração dela com o Theatro. “A área oeste do Centro de Fortaleza, onde o TJA se encontra, hoje é um espaço necrosado. Edifícios fechados e abandonados, insegurança, tráfico de drogas, espaço público de péssima qualidade, violência”, lista.

“Se o TJA se transformar em algo como o que proponho, a saber, um centro cultural pujante e diuturno, irá se constituir numa âncora de vitalidade cultural no Centro, setor urbano que atualmente só funciona das 8 às 17 horas”, sugere o arquiteto.

Romeu defende que o Theatro seja repensado como uma “usina de cultura” na região. O sugerido novo movimento de reestruturação do equipamento, e por consequência do Centro, inclui aproveitamento de prédios tombados na região — como a sede do Iphan, o Lord Hotel e a antiga sede do DNOCS — e até a implantação da Câmara Municipal na região. “Com certeza, (isso) atrairá outros usos correlatos, garantindo a vida na região, hoje debilitada", acredita.

“O TJA deve ser o centro de um grande conglomerado de espaços artísticos flexíveis e com funcionamento 24 horas. Do contrário, continuaremos a assistir ao declínio da bela casa de espetáculos, que há muito reclama intervenções de conservação, o que é, convenhamos, o mínimo a ser feito”, avalia.

As questões do Centro são também ressaltadas pela ex-diretora do TJA Selma Santiago. Em escolhas de gestão que buscavam atrair turistas, ela conta que, junto a agências de turismo, procurou viabilizar a criação de roteiros oficiais que passassem pelo Theatro.

“Mas a gente sempre ouviu a reclamação de que o acesso para um city tour até o TJA era muito difícil pela questão do Centro. Essa barreira do trânsito foi bem complicada”, compartilha a gestora, que lembra de experiências de diálogo difícil sobre o tema com instâncias como a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania.

Enquanto pesquisadora e especialista em gestão, Selma ressalta a relevância da aproximação institucional entre o turismo e a cultura. “Quando a gente pega a região central de Fortaleza, é a maior concentração de equipamentos culturais, praças, bens tombados, equipamentos históricos”, destaca.

“O que precisa é desse despertar das pastas, tanto do Estado como do município, para perceberem o potencial — que é imenso, mas que precisa de apoio do poder público para que o trade turístico consiga vê-lo como produto. A oferta existe e está pulsante, mas não consegue se transformar no produto por algumas inviabilidades que são da estrutura da cidade”, avalia.

 

 

Desafios de captação

Por anos sob gestão direta da Secult, Theatro José de Alencar é desde 2016 vinculado à ao Instituto Dragão do Mar, guardando potencial — por vezes inutilizado — de captação de recursos

Financiamento e captação de recursos são temas que vêm despontando, em especial nos últimos anos, no debate do setor cultural. Parte dessa relevância adquirida vem da inserção das chamadas organizações sociais no cenário. Instituições privadas e sem fins lucrativos, as OSs atuam na gestão compartilhada de equipamentos a partir de contrato firmado com o Estado. No caso do Theatro José de Alencar, ele é, desde 2016, gerido pelo Instituto Dragão do Mar, OS pioneira no Ceará. A promessa do modelo é de gestão desburocratizada e com possibilidade de ampliação da captação.

De acordo com informações da Secretaria da Cultura, o contrato de gestão do TJA firmado com o IDM tem valor total de R$ 4.837.000,00, recurso que custeia “todo o funcionamento do Theatro José de Alencar: manutenção, equipe e áreas finalísticas”.

Para além do valor, a Secult afirma que o TJA “tem buscado fechar negócios/parcerias que gerem valores econômicos e simbólicos, baseados no capital intelectual, cultural e criativo, criando pontes entre a arte e a cultura e o desenvolvimento econômico”.

Theatro José de Alencar: equipamento cultural deverá receber nova reforma (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Theatro José de Alencar: equipamento cultural deverá receber nova reforma

A pasta reforça, ainda, que ela e o IDM “têm incentivado os equipamentos a atualizarem suas políticas de utilização de espaços”. “Para qualquer evento que queira fechar programação no TJA, existem valores que são negociados. Isto funciona para eventos corporativos (investidores privados) ou não”, segue a Secult.

Juntamente da cobrança de pautas, a secretaria lista ainda “como formas de ampliação do capital para além do contrato de gestão” as visitas guiadas, os ensaios fotográficos e o Café Iracema.

“O IDM tem ampliado a capacidade de fechar parcerias com organizações da sociedade civil, órgãos públicos e instituições privadas, com um setor atuando somente na captação de recursos e fechamento de parcerias”, segue a Secult.

Foyer do Theatro José de Alencar(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Foyer do Theatro José de Alencar

O cenário descrito pela pasta se difere daquele encontrado pela ex-diretora do equipamento Selma Santiago logo que assumiu o cargo, em 2015, um ano antes do início da gestão pelo IDM. “Quando cheguei, encontrei o TJA precisando como sempre de manutenção, claro, mas (também) de um restauro de vida, dinâmica e pulsação”, afirma a gestora.

Série de questões estruturais e de manutenção foram levantadas pela equipe nos primeiros momentos, de processos de contratação emperrados a espaços como a biblioteca e a galeria fechados. “Os recursos eram poucos, não tinha contrato de gestão na época, então era uma manutenção direta da Secult, um processo muito lento”, contextualiza.

Foi a partir de contratações do próprio governo e de diferentes níveis de parcerias com outras instituições, segundo Selma, que as demandas foram sendo cumpridas. “Assim, fomos implantando várias coisas. Conseguimos o restauro do anexo, inauguramos uma sala multiuso, reabrimos a biblioteca e informatizamos o sistema de concessão de livros, reinauguramos o espaço de exposições, reabrimos a sala de figurino, abrimos o café do teatro e conseguimos fazer algumas manutenções prediais”, elenca.

“A manutenção é de responsabilidade do Estado, mas precisa de aporte financeiro, seja uma emenda parlamentar que ajuda em uma coisa, seja uma parceria com uma instituição. É a moeda que não é o dinheiro, são parcerias que colaboram com o teatro”, define a ex-diretora.

Em paralelo às ações na estrutura, o Theatro também buscou formas de qualificar processos para a programação. Uma chamada de ocupação foi realizada, contextualiza Selma, a partir da chegada do primeiro contrato de gestão com a OS.

O valor à época, ela recupera, “nem se compara com o dos outros (equipamentos), mas era o que tínhamos”. Ainda que não especifique os recursos, a ex-gestora afirma que eles pagavam “uma pequena parte de custeio” de funcionários e programação. De acordo com a Secult, no atual contrato de gestão o montante destinado à programação “de aproximadamente 1 milhão de reais e custeia atividades de difusão e de formação”.

Jardim do Theatro José de Alencar, projetado pelo paisagista Burle Marx(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Jardim do Theatro José de Alencar, projetado pelo paisagista Burle Marx

“Como proposta de estimular a programação, a gente fez muito escambo”, avança Selma. Isenção de pauta em troca de atividades gratuitas e criação de política de cotas diferenciadas de percentual de bilheteria, por exemplo, foram gestos que, conforme a ex-diretora, chegaram a quase triplicar a quantidade de ações do TJA na gestão.

A captação de recursos a partir do IDM, no início, era inexistente, conforme Selma. “O que pude captar foi pelas outras moedas, que não foram o dinheiro, mas sim o que o Theatro tem a oferecer: a capacidade de mobilização, de imagem, o espaço em si e a construção e possibilização de parcerias”, destaca.

 

 

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