As artistas cearenses Lya Calvet e Débora Santos foram vencedoras em duas categorias da 37ª edição do HQMix, considerado o “Oscar” dos quadrinhos e a maior premiação da linguagem no Brasil. A lista dos vencedores foi divulgada no site oficial do HQMix.
Quadrinista do Vida&Arte, a ilustradora e pesquisadora Lya Calvet ficou em primeiro lugar em Dissertação de Mestrado com o trabalho “Obras Abertas em Quadrinhos: Estratégias Semióticas de Abertura no Campo da Manualidade”.
Débora Santos, por sua vez, foi eleita melhor Novo Talento - Desenhista com a obra “Vidas Secas”, adaptação para história em quadrinhos do romance homônimo de Graciliano Ramos.
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Foram cerca de quatro meses de análise do júri do HQMix e mais de 1.500 itens inscritos. Além do júri especializado, houve votação com júri nacional, com participação de cerca de 2 mil profissionais. A cerimônia de premiação ocorre em São Paulo em 10 de dezembro.
Ilustradora e graduada em Ciências Sociais, Débora Santos é natural de Fortaleza e começou há dez anos sua trajetória nos quadrinhos. Para a cearense, a conquista do Troféu HQMix simboliza o “reconhecimento profissional” de seu trabalho.
Ela concorreu com o livro “Vidas Secas”, no qual foi responsável pela arte de capa, interior e balões para adaptação em quadrinhos de 88 páginas do romance de Graciliano Ramos. O roteiro foi escrito por Severino Rodrigues e a HQ foi publicada pela Editora do Brasil.
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A artista compartilha que o projeto inicial previa quadrinhos em preto e branco, com elementos em tom de sépia. No fim, em meio a outras adaptações já existentes do livro, a decisão foi por deixar a história colorida.
“O sertão é assim. Mesmo sendo uma história de drama e denúncias de desigualdade social, eu quis deixar as cores da natureza bem evidentes, porque ela também é um personagem importante na história, que participa ativamente nas decisões da família”, indica.
Questionada sobre os desafios enfrentados na produção de “Vidas Secas”, Débora Santos destaca que o “tempo de execução” é um aspecto relevante a ser considerado. Afinal, “desenhar e colorir um quadrinho é um trabalho de minúcia, que exige, algumas vezes, ajustes durante o processo”.
“Como eu estava trabalhando diretamente com editor e com roteirista, estávamos sempre atentos ao que podia ser deixado de lado ou acrescentado para melhorar a narrativa. Também tive algumas questões de saúde que acabaram deixando o processo mais lento. Mas, no final, deu tudo certo”, revela.
Além de reconhecimento profissional, a vitória no HQMix é importante para o Ceará, em sua visão: “Nesta edição temos eu e Lya Calvet representado o Estado, mostrando nacionalmente como quadrinhos feitos no Ceará têm qualidade e diversidade”.
A ilustradora e pesquisadora Lya Calvet também se sagrou campeã no HQMix. Quadrinista do Vida&Arte, ela teve sua dissertação de mestrado reconhecida no prêmio.
A pesquisa, “Obras abertas em quadrinhos: estratégias semióticas de abertura no campo da manualidade”, surgiu do desejo de investigar e experimentar a estrutura dos quadrinhos como uma obra aberta, um conceito de Umberto Eco.
“São mensagens artísticas que estimulam a pessoa a percorrer vários caminhos de interpretação. Analisei algumas obras em quadrinhos que alcançam essa ‘abertura’ por meio do manuseio físico, os quadrinhos-objeto, que envolvem ações para além do virar de páginas, como encaixar, recortar, dobrar, recombinar”, explica.
A dissertação teve orientação do professor doutor Ricardo Jorge, no Programa de pós-Graduação em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará (PPGCOM). Lya Calvet é doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Design (PPGAUD) e graduada em Design pela UFC.
A artista criou um quadrinho-objeto chamado “Planeta-Aquário”, composto de 12 quadros em desenho circular. Nele, quatro linhas narrativas acontecem em paralelo, começando pelo centro, com quatro finais possíveis na borda.
O trabalho está disponível em PDF e tem instruções para colaboração. Ele deve ser impresso e cortado pelos leitores, que podem arranjar as peças da forma que preferirem. Com o reconhecimento do HQMix, Lya sente que passou a enxergar “que está onde deveria estar”.
Ela afirma que por muito tempo se questionou se devia escolher um único caminho entre ser quadrinista, pesquisadora, professora, designer e ilustradora - e sua pesquisa é um espelho “dessa pulsão de estar em muitos lugares e fazer muita coisa ao mesmo tempo”.
Ela recebeu apoio de familiares, amigos e colegas como os da Oficina Invisível de Investigação em Quadrinhos para seguir por suas multiplicidades. “Essa conquista, para mim, reflete a rede de apoio que construí ao longo dos anos, e pela qual sou muito grata”, declara.
O Troféu HQMix também teve outros cearenses finalistas. O quadrinista cearense Talles Rodrigues e o projeto de extensão Oficina de Quadrinhos, da UFC, foram indicados nas categorias "Desenhista nacional" e “Livro Teórico”, respectivamente.
A cerimônia de premiação do 37º HQMix será realizada em 10 de dezembro, às 19 horas, no Teatro Raul Cortez, do Sesc 14 Bis, em São Paulo (SP). A apresentação será conduzida por Serginho Groisman e terá participação do DJ MZK.
Nesta edição, o troféu é a estatueta da personagem Tiodora, do livro “Mukanda Tiodora”, de Marcelo D’Salete. Ele também ganha o troféu de “Grande Mestre dos Quadrinhos” com o artista e jornalista Maurício Pestana.
Ambos são referências na produção de quadrinhos com temática, sobre a história do negro no Brasil e no mundo. O HQMix foi criado em 1988 pelos cartunistas Jal e Gual para premiar e divulgar a produção de histórias em quadrinhos, cartuns, charges e artes gráficas no Brasil.