O fóssil de uma nova espécie de lagostim, que viveu há 75 milhões de anos no território que hoje se conhece por Antártica, a Hoploparia echinata, foi descrita por paleontólogos da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará. O registro do crustáceo do período Cretáceo, como O POVO antecipou com exclusividade, é parte de um quebra cabeça que tenta remontar o passado geológico do continente gelado, que já foi coberto uma floresta.
“Esse organismo, quando ele existia, a distribuição dos continentes era bem diferente do que conhecemos hoje. O oceano Atlântico estava começando a aparecer. Os sistemas climáticos e de correntes eram bem diferentes. Os fósseis dessa área, como o do lagostim, dão aos cientistas a possibilidade de desenterrar o passado e entender as dinâmicas pelas quais o nosso Planeta vem passando”, explicou o paleontólogo Luiz Carlos Weinschütz, da Universidade Federal do Paraná, que auxiliou na pesquisa coordenada pelo Museu Nacional.
O fóssil da lagosta, garimpado em 2016 por cientistas do Paleoantar na ilha de James Ross, conta a história científica de um crustáceo com características de um predador que, provavelmente, cavava covas para surpreender suas presas em emboscadas. Semelhante ao hábito de outros lagostins de hoje.
De acordo com o paleontólogo Allysson Pontes Pinheiro, cientista da Urca a quem coube escrever a narrativa sobre as características da criatura, as pinças grandes e fortes da Hoploparia echinata favoreciam o ataque contra peixes e outras presas. O lagostim tinha três pares de patas com hastes articuladas prontas para aprisionar. Além disso, funcionavam como pás para escavações das tocas.
O bicho do mar, de cor esverdeada com tons de azul e avermelhado, tinha espinhos nas pernas, na carapaça e em outras partes do corpo. As rochas fragmentadas, onde ficaram gravados os registros do crustáceo, indicam que o animal, provavelmente, viveu em ambientes marinhos rasos com fundo arenoso.
Allysson Pinheiro, atual diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, sediado em Santana do Cariri na Chapada do Araripe (CE), explica que Hoploparia echinata não tem representantes atuais entre as 67 espécies encontradas no mundo. Na Antártica, foram descritas até hoje apenas três lagostins. Sendo a da “Urca”, a mais nova espécie identificada.
O trabalho de preparação e identificação do fóssil não foi dos mais fáceis. Álamo Saraiva, coordenador do Laboratório de Paleontologia da Urca, afirma que a investigação científica do lagostim teve um grau de dificuldade. O material estava dividido em duas amostras de pedras. Em campo, numa área conhecida por Lachman Crags, na ilha de James Ross, os paleontólogos recolheram o que seria o exoesqueleto de “um jovem” Hoploparia echinata, que media 11 cm.
Nem só de fósseis de pterossauros vivem os paleontólogos. A afirmação, de acordo com a pesquisadora Juliana Sayão, serve para explicar a importância de cada descoberta feita no continente gelado. É a biodiversidade de bilhões de anos revelando o passado da Antártica e suas conexões com tempo atual.
“Parece pequena a descoberta do lagostim, na verdade ela é mais uma peça importante no quebra-cabeça sobre a história do planeta. O exemplo do Hoploparia nos ajuda a ver que no local onde hoje é terra firme, há 70 milhões de anos era um mar raso de águas mais quentes do que as encontradas hoje, na Antártica”, compara Juliana Sayão, coordenadora adjunta do Projeto Paleoantar do Museu Nacional.
A lagosta miúda teria coexistido com vários répteis marinhos, tubarões, muitos peixes e invertebrados que foram extintos. “Conhecendo o passado da Antártica e os processos deram no congelamento, a gente consegue entender a biodiversidade distribuída no planeta. E, quem sabe, até como será a Antártica no futuro”, projeta a paleontóloga.
A descrição do lagostim foi feita pelos paleontólogos Alysson Pontes Pinheiro, professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e atual diretor do Museu de Santana do Cariri, por Álamo Saraiva, também professor e coordenador do Laboratório de Paleontologia da Urca e Willian Santana, da Universidade do Sagrado Coração (USC), de Bauru (SP) e professor visitante no Geopark Araripe. Os três integram uma das equipes do projeto Paleoanter do Museu Nacional e vinculado ao Programa Antártica Brasileira (Proantar). Alysson foi ao continente gelado ano passado, em uma das expedições.
E por que os paleontólogos do Geopark Araripe lideraram o estudo para a descrição de um fóssil da Antártica? Primeiro porque a Chapada do Araripe é uma das regiões mais ricas do planeta em acervo fossilífero de vermes, animais e plantas. Há registros, por exemplo em Missão Velha e Mauriti, de icnofósseis do período paleozoico – que datam de 400 milhões de anos, antes da era dos dinossauros. E achados do meio do período mesozoico – com idade de 251 a 65,5 milhões de anos – tempo da ocorrência de dinos, pterossauros, plantas, crustáceos e outras criaturas.
Tem outro detalhe, a Urca possui a maior produção científica do Brasil em pesquisa sobre fósseis de crustáceos de dez patas (decápodes) – camarões, caranguejos, lagostas e siris. São pelos menos 20 trabalhos publicados ou em finalização, segundo dados da universidade da região do Cariri cearense. “Ainda são poucos os pesquisadores brasileiros que se dedicam a este grupo fóssil”, afirmou Alysson Pinheiro no caderno Destino Geopark, publicado no O POVO em setembro do ano passado.
Reportagens do O POVO exploram o universo dos fósseis do Brasil e do mundo