Reportagem atualizada em 17/5/2023
O fóssil Ubirajara jubatus já tem destino certo na sua volta ao Brasil. Vai para o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri. Traficado para a Alemanha há quase 30 anos, o fóssil do dinossauro que viveu no Cariri cearense há cerca de 110 milhões de anos, segundo estudos paleontológicos, deve chegar em junho.
A decisão foi anunciada nesta segunda-feira (16/5/2023), após acertos entre o governo brasileiro, via Itamaraty e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), além da Universidade do Cariri e da embaixada da Alemanha.
A repatriação do Ubirajara, incorporado ilegalmente ao acervo do Museu Estadual de História Natural Karlsruhe, foi autorizada pelo governo pelo governo alemão em julho de 2022.
OP+ acompanhou a trajetória da luta pela repatriação do Ubijara jubatus, e não só matéria na matéria que segue a essa atualização. Veja os links.
Reportagem publicada em 11/5/2023
Museu Nacional do Rio de Janeiro e Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens reafirmam parceria entre instituições e comemoram repatriação do fóssil
Após quatro anos em luta, o fóssil do dinossauro cearense Ubirajara jubatus finalmente será repatriado ao Brasil. Retirado ilegalmente do Ceará em 1995, o material estava desde então no acervo do Museu Estadual de História Natural Karlsruhe (SMNK), na Alemanha.
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) afirmou, em nota enviada ao O POVO+, que o Ubirajara pode ser repatriado em junho, vindo ao lado da comissão alemã em viagem diplomática. Os pormenores ainda estão sendo estudados, mas a possibilidade é que “o fóssil seja repatriado no contexto da próxima visita oficial de alta autoridade da Alemanha ao Brasil, prevista para junho de 2023”.
Agora, resta saber onde o fóssil será depositado, ou seja, qual museu terá a guarda legal do material. Na nota, o Itamaraty destaca que a passagem alemã envolveria uma visita ao Museu Nacional do Rio de Janeiro (MN/UFRJ), “onde deverá ser oficializado programa de cooperação técnica e científica entre a entidade brasileira e o Museu de História Natural de Karlsruhe”.
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Apesar de existir uma visita, a nota não deixa explícito que o material ficará no Museu Nacional. Ao OP+, o diretor do museu carioca Alexander Kellner afirma que ainda não houve contato oficial da Alemanha ou do Itamaraty sobre o assunto. “O Museu Nacional se sentiria honrado em receber qualquer doação”, diz, reforçando ainda aguardar informações oficiais.
OP+ também apurou que, entre os paleontólogos do MN, existe o desejo de o Ubirajara ser destinado ao Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN), localizado em Santana do Cariri (CE), nem que isso ocorra por meio de parcerias e/ou empréstimos entre as instituições. A presença do fóssil no município cearense impulsionaria o turismo científico e, consequentemente, injetar investimentos nos comércios direta e indiretamente relacionados com o museu.
“Toda a movimentação para a vinda deste material para o Brasil tinha sido feita de maneira ao material ser tombado no museu de Santana do Cariri. O mais natural e simbólico seria seu retorno a um museu próximo à área onde foi coletado”, reforça Luciana Carvalho, uma das curadoras da coleção de Paleovertebrados do Museu Nacional/UFRJ.
Ao repórter Guilherme Carvalho, da CBN Cariri, o diretor do MPPCN Allysson Pinheiro considerou a notícia da volta do Ubirajara como uma “grande vitória”.
Na entrevista, ele também tranquilizou os caririenses ao lembrar que os museus carioca e cearense têm uma boa relação. “Aparentemente ele vai para o Museu Nacional, vai ser doado para lá possivelmente para a recomposição do acervo, mas a gente tem uma relação muito próxima e o Ubirajara deve voltar ao Cariri em breve”, diz.
Allysson relembra que o Ubirajara agora é o símbolo do decolonialismo científico, movimento que questiona as relações injustas entre norte e sul global. “Vamos usar o Ubirajara como um grande exemplo de que esse tipo de prática de saída ilegal, sem acordo com o território ao qual ele pertence, não pode mais acontecer. A gente não tolera mais isso”, declara.
Leia a nota do Itamaraty na íntegra
“O fóssil conhecido como “Ubirajara Jubatus” é, há anos, objeto de gestões do Itamaraty junto ao governo da Alemanha, com vistas à sua repatriação. No decorrer de 2022, o governo alemão concordou com sua devolução ao Brasil, em um quadro de cooperação que envolveu entendimentos entre o Instituto Guimarães Rosa (MRE), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e a Embaixada da Alemanha em Brasília.
Estuda-se a possibilidade de que o fóssil seja repatriado no contexto da próxima visita oficial de alta autoridade da Alemanha ao Brasil, prevista para junho de 2023, que deverá incluir visita ao Museu Nacional/UFRJ, onde deverá ser oficializado programa de cooperação técnica e científica entre a entidade brasileira e o Museu de História Natural de Karlsruhe.”
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O Ubirajara jubatus foi descrito em um artigo publicado na revista científica Cretaceous Research, no dia 13 de dezembro. Ele indicava que o fóssil saiu do Brasil para a Alemanha em 1995, com uma suposta autorização do escritório regional do Crato do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), assinada por José Betimar Melo Filgueira e enviada ao periódico pelo paleontólogo e coautor do estudo Erbehard Frey.
Desde então, paleontólogos brasileiros questionam a existência da autorização e a validade dela. Afinal, como os fósseis nacionais são propriedade da União, a retirada inadequada deles do Brasil é considerada tráfico.
Em 2020, O POVO apurou que José Betimar já tinha sido condenado por emissão irregular de certificados e laudos do DNPM que colaboraram com um esquema de fraudes. Além de Betimar não ter competência para autorizar exportação de materiais, a autorização apresentada por Frey também não indicava quantos fósseis existiam na remessa, nem descrevia o conteúdo. Dados sobre o autorizado, como número de identidade ou passaporte, também foram ocultados.
Então, paleontólogos brasileiros mobilizaram a internet com a hashtag UbirajaraBelongsToBr (Ubirajara Pertence ao Brasil, em inglês), exigindo a repatriação do fóssil. O SMNK publicou nota negando a devolução. Dias depois, a conta do museu alemão no Instagram caiu: os manifestantes acreditam que, ou o Instagram derrubou a conta, ou o próprio museu apagou o perfil.
Após a negativa de devolução, o artigo de descrição do Ubirajara foi retirado do ar. A partir de então, a espécie não existe mais para a Ciência, sendo necessário novo estudo para recolocar a espécie no mapa.
Em outubro de 2021, o Ministério de Ciência alemão deu uma nova versão sobre a aquisição do fóssil, afirmando que ele foi retirado do Brasil em 2006, por uma empresa privada, e vendido ao SMNK em 2009. A versão é totalmente diferente da de Frey, que inclusive apresentava aos jornais brasileiros o documento como defesa.
Em junho de 2022, a então ministra alemã Theresia Bauer, do Ministério da Ciência, Pesquisa e Arte Baden-Württemberg, publicou nota que oficializou a decisão de repatriar o fóssil do Ubirajara. “Quem faz declarações falsas no contexto de uma publicação científica prejudica sua própria reputação e a reputação de sua instituição. Esta é uma das razões pelas quais é necessário corrigir este processo infeliz”, escreveu.
Reportagens do O POVO exploram o universo dos fósseis do Brasil e do mundo