O fóssil de um lagostim encontrado na Antártica, com cerca de 75 milhões de anos e que viveu no período Cretáceo, foi descrito por pesquisadores da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará. Hoje, os museus Nacional (RJ) e o de Paleontologia Plácido Cidades Nuvens, de Santana do Cariri (CE), apresentam em uma live, para a imprensa, detalhes sobre a descoberta no continente gelado e as relações científicas com o presente.
O registro do lagostim, garimpado em 2016 por cientistas do Paleoantar na ilha de James Ross, remonta uma época em que a Antártica era coberta por uma floresta semitemperada. Algo parecido com o que ocorre na Alemanha e na Turquia. Daí a importância da descoberta para se fazer estudos comparados, por exemplo, quando se pesquisa sobre mudanças climáticas na Terra.
A descrição do lagostim foi feita pelos paleontólogos Allysson Pontes Pinheiro, professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e atual diretor do Museu de Santana do Cariri; por Álamo Saraiva, também professor e coordenador do Laboratório de Paleontologia da Urca, e Willian Santana, da Universidade do Sagrado Coração (USC), de Bauru (SP) e professor visitante no Geopark Araripe. Os três integram uma das equipes do projeto Paleoanter do Museu Nacional e vinculado ao Programa Antártica Brasileira (Proantar). Alysson foi ao continente gelado ano passado, em uma das expedições.
Em entrevista ao O POVO, em 2019, para o especial transmídia Destino Geopark, Allysson Pontes havia revelado que o fóssil do lagostim tinha idade um pouco mais recente do que os fósseis da Bacia do Araripe, cerca de 75 milhões de anos. “Não posso adiantar detalhes porque o achado ainda não foi cientificamente aceito”, disse em setembro do ano passado. Procurados pelo jornal, Allysson Pontes, Álamo Saraiva e Alexander Kellner – diretor do Museu Nacional – disseram que só poderiam falar sobre a criatura da Antártica hoje, durante a coletiva.
E por que os paleontólogos do Geopark Araripe lideraram o estudo para a descrição de um fóssil da Antártica? Primeiro porque a Chapada do Araripe é uma das regiões mais ricas do planeta em acervo fossilífero de vermes, animais e plantas.
Há registros, por exemplo em Missão Velha e Mauriti, de icnofósseis do período paleozóico – que datam de 400 milhões de anos, antes da era dos dinossauros. E achados do meio do período mesozóico – com idade de 251 a 65,5 milhões de anos – tempo da ocorrência de dinos, pterossauros, plantas, crustáceos e outras criaturas.
Tem outro detalhe, a Urca possui a maior produção científica do Brasil em pesquisa sobre fósseis de crustáceos de dez patas (decápodes) – camarões, caranguejos, lagostas e siris. São pelos menos 20 trabalhos publicados ou em finalização, segundo dados da universidade da região do Cariri cearense. “Ainda são poucos os pesquisadores brasileiros que se dedicam a este grupo fóssil”, afirmou Allysson Pontes no caderno Destino Geopark.
Na Urca, o lagostim da Antártica encontrou ambiente científico favorável para revelar informações paleontológicas de datação por correlação ou de condições ambientais sobre a Terra num passado de pelo menos 75 milhões de anos.
No livro Guia para Trabalhos de Campo em Paleontologia na Bacia do Araripe (2015), de Álamo Saraiva, Olga Barros, Renan Bantim e Flaviana Lima, há alguns registros sobre a produção científica em torno da investigação de fósseis de crustáceos. Em 1987 foi revelado o caranguejo Araripecarcinus ferreirai, pelo cientista Martins Neto, apontando para influência do ambiente maninho que existiu na Bacia do Araripe.
Também há fósseis de camarões descritos no Geopark Araripe. Caso dos Beurlenia araripensis (Martins Neto e Mezzalira, 1991), Paleomattea deliciosa (Maisey e Carvalho, 1995), Kellnerius jamacaruensis (Santana, Pinheiro, da Silva e Saraiva, 2013) e o Araripenaeus timidus (Pinheiro, Saraiva e Santana, 2014). Criaturas que viveram em áreas salgadas, doces ou híbridas.
Em 2016, os paleontólogos Allysson Pontes Pinheiro, da Universidade Regional do Cariri (Urca), e Willian Santana, da Universidade do Sagrado Coração (USC), de Bauru (SP), professor visitante da Urca, descobriram kingleya attenboroughi ou caranguejo do Araripe. O achado fugiu dos padrões da Bacia. O lugar, guardião de fósseis de animais, plantas e outras criaturas, trouxe à tona um bicho vivo e raro.
Um caranguejo de água doce, de um grupo amazônico, já descoberto em risco de extinção em dois riachos no município de Barbalha. As pesquisas podem apontar que, em algum momento do passado, a floresta Amazônica se estendeu até o que hoje conhecemos por Chapada do Araripe. (Demitri Túlio)
Reportagens do O POVO exploram o universo dos fósseis do Brasil e do mundo