Motim da PM, pandemia da Covid-19 com isolamento social, reempoderamento das facções e uma eleição municipal em processo. O ano de 2020, marcado por imprevistos, obrigou o governador Camilo Santana a mexer no tabuleiro da Secretaria da Segurança do Ceará. Saiu André Costa. Sandro Caron foi anunciado como substituto.
Também delegado federal, Caron terá pela frente a árdua missão de baixar e segurar os altos índices de homicídios e outros crimes num Estado em guerra com traficantes organizados, principalmente, em três facções. Não se sabe qual estratégia milagreira o novo secretário irá sacar.
André Costa deixa uma SSPDS mais tecnológica do que recebeu para o parceiro de distintivo, porém com problemas a resolver na partidária Polícia Militar e fazer o governo compreender que a oferta de segurança pública não se faz apenas com a presença de policiais onde criminosos demarcam territórios. O Estado tem de ser mais onde o crime dita as regras.
Confira a seguir, reflexões sobre os velhos e novos rumos da busca pela paz coletiva no Ceará.
Está se perguntando se foi mesmo a mais conturbada? Justifico minha tese: 1) Teve o ano com mais mortes violentas da história do Estado (2017). 2) Teve o segundo ano mais violento (2018). 3) A maior onda de ataques da história do Estado (janeiro/2019). 4) A maior chacina da história do Estado (Forró do Gago, 2018). 5) A tragédia de Milagres, com seis reféns mortos numa ação para evitar assaltos a bancos. 6) O mais prolongado motim da história da Polícia.
André Costa substituiu Delci Teixeira em 2017. O Estado vinha de dois anos de redução dos homicídios, mas estourou no colo dele o fim da trégua entre facções criminosas. A violência explodiu. Porém, a partir de 2019, justamente em meio à onda de ataques e em trabalho conjunto com o secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, atingiu-se o alicerce das facções. O resultado: 2019 teve a maior queda dos homicídios já medida no Ceará. Redução em bases mais sólidas que a que Delci havia obtido.
A chegada de Costa foi marcada pela tentativa de ganhar a confiança de uma Polícia que vinha desgastada com a SSPDS. Conseguiu isso ao assumir posições polêmicas e ofensivas aos direitos humanos. Falava aos criminosos para escolherem entre "Justiça ou cemitério". Ia pessoalmente a operações, era secretário de ação. Adorava criar polêmicas em redes sociais.
Ao longo da gestão, Costa tornou-se gradualmente mais discreto. Coincidência ou não, os números foram melhorando. Até que veio 2020. O motim da Polícia Militar desorganizou a segurança. Entre janeiro e julho, os homicídios já superam 2019 inteiro. Há crescimento de 95% em relação aos primeiros sete meses do ano anterior. Costa, que havia conquistado a tropa ao chegar, saiu enfraquecido. Os bons resultados que tinha conseguido alcançar parecem ter se perdido.
Quando André Costa entrou na SSPDS, Camilo Santana disse que queria uma pessoa mais de ação. O antecessor, Delci Teixeira, era um formulador, visto como homem de gabinete. Costa é mais jovem e é voltado para o operacional, como se diz. Costa era visto como certo contraponto ao Capitão Wagner (Pros). Fez gestos em direção às corporações, para defender policiais, e ganhou apoio. Hoje não parece mais sustentar essa popularidade.
É significativa a troca no comando da segurança às vésperas de uma campanha municipal em Fortaleza que terá um candidato que vem dessa área. Não sei se tanto no debate explícito, mas certamente no imaginário do eleitor a violência será uma das questões da campanha. É também significativo que esteja de saída agora o secretário que foi o contraponto a Wagner, o candidato de oposição.
Sandro Caron, novo secretário, foi superintendente da Polícia Federal no Ceará entre 2011 e 2013. Estava no cargo na época em que o Capitão Wagner comandou o motim entre 2011 e 2012. Viu os números da segurança piorarem dramaticamente a partir dali.
A realidade da segurança no Ceará que ele conheceu era outra. Àquela altura, pouco se falava de facções criminosas no Ceará. Atribuía-se a violência basicamente à venda e consumo de crack. A tese já parecia equivocada na época e hoje o erro de interpretação claramente contribuiu para a situação à qual se chegou.
O Ceará que ele reencontra teve algumas dezenas de chacinas, ciclos de ataques e tem territórios divididos entre facções.
A saída do delegado André Costa, 3 anos e 8 meses depois de assumir a Secretaria da Segurança Pública do Ceará, já era fato consumado para Camilo Santana (PT). Depois da condução desastrosa, sem interlocução, do motim de PMs, em fevereiro deste ano, o governador havia declarado publicamente que faria mudanças na área.
Sobre o assunto:
Nos bastidores, segundo uma fonte, Camilo teria chegado a cogitar a substituição de André Costa por Mauro Albuquerque, secretário da Administração Penitenciária.
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Mauro, do ponto de vista da estratégia e da liderança, ganhou pontos quando botou um torniquete no sistema penitenciário cearense e segurou o tranco quando as facções responderam nas ruas com a segunda onda de ataques, em setembro do ano passado. Ele passou a ser voz mais influente na segurança, naquele momento.
Camilo e os poucos estrategistas que o cercam teriam se encantado com a "marra" de Mauro Albuquerque. Quando chegou, foi ele quem bancou a retirada dos telefones celulares das cadeias e não aceitou dividir presídio por facção. Uma imposição feita pelos chefes de quadrilhas presos e aceito pela secretária Socorro França, quando esteve à frente da pasta.
André Costa não foi escanteado, mas teria perdido prestígio. Mesmo sendo importante na condução da implementação de várias estratégias tecnológicas para combater o crime e com parcerias eficientes vindas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Funcap, Uece e Polícia Rodoviária Federal.
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Após a retomada dos presídios e o enfrentamento de "guerra" contra chefes das facções, depois de setembro de 2019, a pasta de André Costa teve até um refresco com índices de homicídios apresentando uma leve tendência de queda. Mas aí, veio o motim politiqueiro da PM, a reorganização dos faccionados na periferia e estouro, novamente, dos homicídios. O desgaste estava posto e sem reconciliação.
Quando André Costa assumiu a SSPDS, ele surpreendeu Camilo Santana. De pronto, o delegado federal angariou a confiança da tropa e causou prejuízo à influencia que o deputado capitão Wagner tinha entre as praças, oficiais subalternos e intermediários.
Com uma postura paternalista, mas com o aval do governador, empoderou grupos violentos da PM com a política do "justiça ou cemitério" para criminosos. Um contrassenso em relação ao desidratado Ceará Pacífico. Em duas conversas, ele me disse que foi mal interpretado. Justiça era o caminho para quem não resistia. E "cemitério" o destino possível para quem recebia a polícia à bala.
O problema é que na tropa a recepção do discurso soou como retaguarda, em várias ocasiões, para o arrepio. A matança em Milagres, o caso Mizael Fernandes (Chorozinho), Juan dos Santos (Vicente Pinzón) e centenas que passaram ou estão na Controladoria Geral de Disciplina dos Órgão de Segurança Pública e Sistema Penitenciários (CGD) são exemplos do empoderamento às avessas da PM.
O secretário chegou a "institucionalizar" na SSPDS, também com o silêncio de Camilo, um grupo de advogados voluntários para defender PMs acusados de extrapolar a lei. Prerrogativa, antes, exercida apenas pelas associações de policiais.
André Costa não foi um secretário ruim do ponto de vista administrativo e serviu na hora em que Camilo sofria maior rejeição por parte da tropa. Comparado a Moroni Torgan, Wilson Nascimento, coronel Bezerra, Téo Bastos e outros, o delegado André teve uma boa atuação.
O problema para André Costa, Sandro Caron (substituto) ou outro que assumir a SSPDS, é sempre chegar sozinho à periferia precariamente assistida e dominada pelo crime. A polícia, solitária nos bairros, não é
o Estado.
O agora ex-secretário da Segurança André Costa entrou na frigideira das almas no Governo quando eclodiu o motim de PMs em fevereiro passado. Naquele momento, caía por terra o grande ativo do qual dispunha, a até então suposta liderança na tropa. Ele fora convocado pelo governador Camilo Santana (PT) com uma missão muito clara: construir pontes com a corporação, após a gestão do colega delegado da Polícia Federal Delci Teixeira, de perfil menos carismático. Mas não foi só.
Comunico aos cearenses mudança no comando da nossa Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social. O secretário André Costa deixa o cargo após 3 anos e 8 meses, a pedido. Quem assumirá a SSPDS será o delegado da Polícia Federal, Sandro Caron... (Cont.)
— Camilo Santana (@CamiloSantanaCE) September 3, 2020
Cabia a André assumir uma espécie de contraponto midiático frente ao principal antagonista no campo político do Governo, o deputado federal Wagner Sousa (Pros), um político nascido de um incontido motim de policiais no Governo anterior, do hoje senador Cid Gomes (PDT). Era a personagem pinçada para enfrentar o capitão no ringue policial, uma seara na qual não cabem mesmo chefes de Executivo.
Jovem, ele trafegava bem nas redes sociais. Eram comuns imagens suas em operações. Na terra e no ar. Sim, ele também posava em helicópteros. Sem contar a coleção de camisas pólo com o brasão da Secretaria e o cargo bordado: André Costa - secretário.
De origem simples - ele fora agente de trânsito na AMC em Fortaleza e escrivão da Polícia Civil cearense - André se posicionava como inspiração para boa parte das fileiras uma juventude em larga medida de nível superior ou universitária que apenas pretende passar um tempo como PM. Mira voos mais altos. Ser delegado da PF, como ele, por exemplo.
Uma arma usada por André para ganhar a PM foi a militarização da Secretaria. Este perfil fardado se tornou visível. Na Polícia Civil causou incômodos, mas a PM é a força mais delicada e numerosa. Mais de 20 mil policiais. Na primeira parte da gestão, levou para ser seu adjunto um coronel, Alexandre Ávila, comandante-geral na segunda parte. No segundo Governo Camilo, uma indicação de Ávila, o coronel Paulo Sérgio Braga Ferreira.
Quando veio o motim, todo o esquema tático e político na gestão da SSPDS ruiu. Era uma questão de tempo sua saída. Perdeu a liderança e o Governo ficou sem aquela personagem necessária para liderar e emparelhar com Wagner. Há cerca de 40 dias, cresceu o movimento pela substituição. Desde então o nome de Sandro Caron vem sendo maturado. Ele não trocou a Praça Marquês de Pombal pela Praça do Ferreira num repente. Estava em Lisboa como adido da PF em Portugal. Com Caron, Camilo terá um ex-diretor da Divisão de Inteligência da PF. Uma de suas atribuições era combater o terrorismo.
Como diria o ministro da Economia, Paulo Guedes, o tempo da política é que determina as coisas. Ao mexer no time agora, o Palácio da Abolição faz a mudança antes de começar a campanha. Deixar para mudar no meio da curta peleja eleitoral, seria abrir o flanco para o opositor-capitão sambar na fragilidade do comando da Segurança. Trocadilhos à parte, foi uma jogada de xadrez.
Quando observamos as estatísticas de homicídios no Ceará desde 2013, o gráfico mais se assemelha a uma montanha-russa: aumenta de forma brusca em um ano para cair de modo vertiginoso no outro. Enquanto o ex-secretário da Segurança Pública André Costa esteve no cargo, o Ceará viveu seu ano mais violento e, ao mesmo tempo, os menores índices de assassinatos em uma década.
Fazer com que essa oscilação diminua é uma tarefa para o próximo secretário. Para tanto, é preciso estruturar uma política de segurança pública consistente e que não se deixe guiar por arroubos. Chama menos atenção, rende menos exposição midiática, mas produz resultados mais duradouros.
O sucessor de André Costa, o também delegado federal Sandro Luciano Caron, vem da área da inteligência policial. Trata-se, por certo, de um ponto ainda vulnerável na segurança pública estadual. Profissionais que atuam nos órgãos de segurança queixam-se da incapacidade estatal em identificar e prevenir ameaças, objetivos centrais da atividade de inteligência.
As condições tecnológicas estão postas. O Governo do Estado vem investindo fortemente em recursos capazes de coletar dados e processá-los em alta velocidade, aproximando-se dos limites éticos e morais da invasão à privacidade. Falta, contudo, maior integração entre as polícias e, principalmente, pagar a dívida histórica com a Polícia Civil, corporação sucateada há pelo menos 30 anos.
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Urge restabelecer o diálogo com a sociedade civil. As políticas estaduais sofrem de uma concepção autocentrada, isolada e que raramente se volta às demandas das populações mais vulneráveis. É preciso também superar a esquizofrenia de se ter programas similares como as Unidades Integradas de Segurança (Unisegs) e o Programa de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger) operando de forma simultânea.
Como se dá essa costura institucional? Quem é o dono de cada processo? São questões pouco debatidas, mas que precisam ser respondidas e explicitadas caso se queira uma política mais consistente. E, o mais importante, qual dessas iniciativas permanecerá como o legado mais relevante de Camilo Santana na área da segurança pública?