Em 1º de janeiro de 2018, tomava posse como presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, à época integrante do PSL. Atualmente sem partido, Bolsonaro chegou na última sexta-feira, 1º, à metade de um mandato marcado por passar longe de qualquer estabilidade.
Entre promessas de uma nova política, uma economia mais liberal e um aflorado conservadorismo social, o presidente teve também que lidar com adversidades nos últimos dois anos para implantar sua agenda. Muitas delas causadas por ele próprio.
Dificuldades de articulação, queda de ministros, familiares investigados e uma constante instabilidade nos relacionamentos com membros dos demais Poderes são alguns dos pontos levantados por especialistas ao definirem a primeira metade do governo Bolsonaro.
Na economia, Tainah Sales, doutora em Ciência Política, enxerga lentidão no andamento dos compromissos feitos pelo presidente ao seu eleitorado.
"Dentre as principais promessas de campanha não cumpridas, temos a redução da carga tributária e a instituição de alíquota única para o Imposto de Renda. Reduzir a dívida ativa com privatização foi outra promessa não cumprida. A política de (Paulo) Guedes ainda não foi implementada", destaca.
Cleyton Monte, cientista político, professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos em Política, Eleições e Mídia da UFC (Lepem-UFC), destaca que "algumas lideranças acreditam que as principais pautas econômicas aprovadas são mais decorrentes de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), do que propriamente do Governo".
Outro ponto destacado por analistas é do que as propostas para a saúde acabaram engolidas pela pandemia do coronavírus, que se tornou um dos maiores problemas da gestão Bolsonaro.
Para o pesquisador do Lepem, Bolsonaro viu na pandemia a oportunidade de amenizar o insucesso econômico.
"Ele trata a pandemia como 'gripezinha', uma doença que pode ser controlada, mencionando recentemente que 'está no fim', que a segunda onda é 'conversa', que a culpa do fracasso da economia é dos governadores que fecharam o comércio".
A postura do presidente não foi sentida apenas pelos governadores, é o que explica Monte. "O que mais marcou esses dois anos foi o seu perfil beligerante, de confronto, não de crítica republicana, mas, sim, de anulação de Poderes, criticando o Legislativo, o Congresso Nacional, as lideranças, o STF".
Para a educação, o então candidato do PSL prometeu a implantação de colégios militares em todas as capitais do país, além de usar o ensino à distância nas áreas rurais. Os especialistas não enxergam muitos avanços.
"Não houve melhorias na educação básica e nem de nível superior. A meu ver, nós tivemos dois anos desastrosos de uma política negacionista e pouco eficiente até para o que se propõe.", destaca Tainah.
Entre os apoiadores bolsonaristas, a reforma da Previdência é vista como um ponto alto. Entretanto, Tainah diz que as tratativas da reforma haviam iniciado ainda no Governo Michel Temer (MDB), o que teria tornado o caminho mais favorável para Bolsonaro.
"Ele pegou carona nas negociações que já haviam sido feitas no governo Temer. Parece que a estrutura da Reforma já estava toda negociada, ele só marcou o gol. Algo parecido aconteceu em relação ao auxílio emergencial, que é o que tem salvado sua popularidade".
Para os próximos dois anos, o cenário desafiador tende a continuar.
Sobre o assunto:
A análise crítica ao governo Bolsonaro encontra outra vertente quando trata-se da Câmara e do Senado Federal. No Legislativo, a atual gestão encontra apoio em aliados, que comemoram feitos dos últimos dois anos. Para o deputado federal Dr. Jaziel (PL-CE), a aprovação da Reforma da Previdência foi um dos grandes marcos do governo.
"A aprovação da Reforma da Previdência foi uma grande vitória, caso não tenha sido a maior, foi uma das grandes conquistas. Sempre foi um assunto muito difícil de tratar, vários governos propuseram, mas ficaram no caminho. O Bolsonaro conseguiu levar para frente essa reforma super importante", destaca.
O representante da base do governo faz um balanço positivo da primeira metade do mandato do presidente.
"Ele se saiu bem, contamos com a taxa Selic lá embaixo. Ele teve toda a preocupação com a infraestrutura do país, colocando as rodovias para funcionar, além do desenvolvimento na área de transporte fluvial. Mesmo com os problemas da pandemia, eu vejo um saldo positivo".
Já para o líder da oposição na Câmara Federal, deputado André Figueiredo (PDT-CE), o governo Bolsonaro é um desastre.
"Foram dois anos de absurdos na área ambiental, na área de relações exteriores, na educação e na condução da pandemia. O governo Bolsonaro tem sido um verdadeiro desastre, que faz com que nosso país seja visto lá fora com olhares diferentes do que já foi um dia. Temos convicção de que 2021 não será fácil", comenta o deputado.
Figueiredo avalia que o presidente manteve no governo a postura de candidato, não assumindo o papel de Chefe do Executivo. "É um governo caracterizado pela continuidade do processo eleitoral. O presidente da República quer dividir o povo brasileiro com manifestações de ódio. Com a pandemia, isso ficou ainda mais acentuado", diz.
No Senado, Bolsonaro também divide opiniões. Para o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), a conduta do presidente possui acertos e erros. "O primeiro ponto positivo é a importância da ruptura de um sistema político corrupto, com base em escândalos de mensalão e petrolão, tantos desmandos de uma corrupção generalizada", ressalta.
Entretanto, Girão também enxerga falhas na gestão federal. "Vejo o enfraquecimento da operação Lava Jato. Pode-se observar que os três Poderes da República estão sabotando as investigações. Outro ponto preocupante é a indicação de Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF), contra a qual eu e apenas mais um senador votamos publicamente contra. Ele foi levado pelo centrão, o combate à corrupção está sendo enfraquecido".
Para o senador Humberto Costa (PT-PE), uma das lideranças de oposição ao governo, a administração de Bolsonaro foi prejudicial ao país.
"Considero esse governo uma tragédia para o Brasil, não só aprofundou a gravidade da situação econômica, trazendo a inflação e o desemprego, como contribuiu para o aumento da desigualdade e da pobreza dos brasileiros. Eu não consigo enxergar nenhuma perspectiva de melhora para os próximos anos", finaliza.
Em meio a políticas ambientais questionáveis e divergências com lideranças internacionais, o governo Bolsonaro é alvo de críticas de especialistas. Para Laecio Xavier, professor Doutor de Direito Internacional Público, o Governo Federal esbarra em uma pauta que visava combater: o fim do viés ideológico.
"Uma boa política externa é técnica, tem que ser estatal na defesa de uma nação, além de ser previsível juridicamente. Defende um país, e não um governo. A atual conjuntura é tão ideológica quanto a do governo PT".
Xavier critica o governo, por gerar conflitos com seus principais parceiros. "Tivemos problemas com os EUA, Argentina e China. Inaceitável brigar com nosso maior parceiro comercial. Fomos um dos últimos países a reconhecer a vitória do Biden, é um fato diplomático inexplicável", destaca.
Jair Bolsonaro reconheceu a vitória do democrata Joe Biden após 38 dias. Já em relação à Argentina, Bolsonaro chegou a afirmar que não mandaria representantes para a posse do eleito Alberto Fernández. Quanto à China, o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, acusou o governo chinês de praticar espionagem.
A pauta ambiental é outro aspecto turbulento. É o que diz o professor Doutor de Direito Ambiental Cláudio Meireles.
"A política tem sido desastrosa na perspectiva de proteção ambiental. Houve a tentativa de desregulamentação de normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Além da Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente (Ascema) ter lançado um dossiê denunciando esse desmonte".
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as queimadas na região do Pantanal aumentaram 210% em 2020, quando comparado a 2019.
Meireles aponta que os danos administrativos não podem ser comparados ao tamanho do prejuízo ambiental.
"O dano físico ao meio ambiente acaba sendo muito mais grave. As relações internacionais são reconstruídas. A diplomacia é negociável e o fator econômico também. Já o dano ao meio ambiente, muitas vezes, é irreparável", finaliza.
Jair Messias Bolsonaro foi empossado como o 38º presidente do Brasil no dia 1º de janeiro de 2019. O evento reuniu um grande número de apoiadores na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Em seu discurso, Bolsonaro agradeceu aos mais de 57 milhões de votos e falou que, ali, o Brasil iniciava a sua "libertação do socialismo".
Inicialmente, Bolsonaro publicou um vídeo com conteúdo pornográfico em seu Twitter. As imagens mostravam dois homens dançando sobre um ponto de táxi, durante o Carnaval de São Paulo. Um dos homens introduz o dedo no ânus do outro, e se abaixa para o outro urinar nele. A visualização do vídeo foi restringida pela rede social. Um dia após o conteúdo viralizar, o presidente questionou no Twitter: "O que é golden shower?"
Em 12 de novembro de 2019, Bolsonaro anunciou pelo Twitter a sua decisão de deixar o PSL e criar um novo partido, o "Aliança pelo Brasil", que até hoje não saiu do papel. A decisão de romper com o PSL veio após uma série de desentendimentos com o presidente do partido, Luciano Bivar.
O Congresso Nacional promulgou a reforma da Previdência nove meses após o Legislativo receber a proposta inicial vinda do Governo Federal. Mesmo com Bolsonaro não comparecendo à sessão, a aprovação da reforma é tida, por apoiadores do governo, como uma das vitórias de Bolsonaro.
Em março deste ano, o presidente usou a expressão "gripezinha", por pelo menos duas vezes, publicamente, ao fazer menção ao então novo coronavírus. A primeira vez, em uma coletiva de imprensa: "Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, tá ok?". A segunda vez, em um pronunciamento nacional em rádio e TV: "No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho".
Quando o País se aproximava de 2 mil mortes causadas pelo coronavírus, Bolsonaro tratou de demitir o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A relação entre os dois ficou estremecida após Bolsonaro descumprir medidas sanitárias aconselhadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Bolsonaro chegou a reclamar que Mandetta não levou em consideração a preocupação do presidente com a economia.
Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde.
— Henrique Mandetta (@lhmandetta) April 16, 2020
Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e
Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, anunciou sua demissão em uma coletiva de imprensa. O "superministro" deixou o cargo após Bolsonaro decidir trocar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, indicado para o posto pelo então ministro. O presidente havia prometido "carta-branca" para Moro, mas a promessa acabou ficando pelo caminho. O fato ainda ganharia novos capítulos com a divulgação do vídeo da reunião ministerial, onde Moro alegou haver indícios da tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal.
O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, que assumiu o cargo após a demissão de Luiz Henrique Mandetta, ficou menos de um mês à frente da pasta. Teich também enfrentou discordâncias de Bolsonaro sobre as medidas para combate à Covid-19. Na época, Teich afirmou que a demissão foi uma decisão sua, apesar dos rumores de que ele havia sido demitido pelo presidente.
Um dos assuntos que mais repercutiu durante o ano foi a reunião ministerial do governo Bolsonaro, que acabou tornando-se pública após vazamento. O vídeo, além de ser usado por Moro como uma tentativa de incriminar o presidente por uma suposta interferência na PF, também trouxe falas que foram pauta durante semanas como: Ministro da Educação pedindo cadeia para os membros do STF, Bolsonaro xingando Dória e Witzel, Paulo Guedes fazendo críticas à China, além do Ministro do Meio-Ambiente pedindo para aprovar liberações na área ambiental, aproveitando as distrações advindas da pandemia.
No último dia de maio, o presidente participou de uma manifestação na qual apoiadores defendiam medidas inconstitucionais, como o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), além de uma nova intervenção militar. Bolsonaro acenou para os manifestantes ao sobrevoar o local com o helicóptero presidencial. Após o voo, o presidente, que não usava máscara, caminhou próximo aos manifestantes aglomerados.
Fabrício Queiroz foi preso no dia 18 de junho em uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo. O ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi encontrado em Atibaia, em um imóvel que pertence a um ex-advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. Queiroz é investigado por participação no esquema de "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei aprovado na Câmara e no Senado que destina R$ 3 bilhões para o setor cultural. A lei ficou conhecida como Lei Aldir Blanc, em homenagem ao compositor e escritor que morreu em maio, vítima do coronavírus. O objetivo é ajudar profissionais da área que sofreram os impactos da pandemia da Covid-19.
Em julho, o presidente da República afirmou ter testado positivo para Covid-19. Bolsonaro disse que teve febre, mal-estar e cansaço. Ele afirmou que seu tratamento foi realizado com hidroxicloroquina, medicamento que ainda não teve nenhuma comprovação científica da eficácia no combate a doença.
Após quatro meses no cargo como interino, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tomou posse em setembro como ministro efetivo da pasta. O general do Exército é o terceiro Ministro da Saúde no atual governo. Pazuello gerou polêmica ao modificar a forma de divulgação do número de casos da Covid-19.
#AoVivo: General Eduardo Pazuello toma posse como ministro da Saúde, no Palácio do Planalto. Há quatro meses, Pazuello respondia interinamente pela pasta. Acompanhe: https://t.co/HqG6cMgoji
— Planalto (@planalto) September 16, 2020
No dia em que assinou duas medidas provisórias para renegociação de dívidas, em Porto Seguro, Bahia, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não tomará vacina e ainda chamou de "imbecis" aqueles que o enxergam como mau exemplo. A fala do presidente viralizou após o mesmo afirmar que os laboratórios das vacinas não dão garantias sobre efeitos colaterais como, segundo ele, " alguém virar jacaré", "virar super homem', "nascer barba em alguma mulher" ou "algum homem passar a falar fino".