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Fóssil do Ceará que homenageia Pabllo Vitar pode ter sido traficado para os EUA
Reportagem Seriada

Fóssil do Ceará que homenageia Pabllo Vitar pode ter sido traficado para os EUA

Fóssil da aranha Cretapalpus vittari, batizado com o nome da cantora Pabllo Vittar, pode ter sido traficado da Chapada do Araripe, no Brasil, para os EUA. Ministério Público Federal de Juazeiro do Norte, no Ceará, abrirá procedimento para investigar suposto crime
Episódio 4

Fóssil do Ceará que homenageia Pabllo Vitar pode ter sido traficado para os EUA

Fóssil da aranha Cretapalpus vittari, batizado com o nome da cantora Pabllo Vittar, pode ter sido traficado da Chapada do Araripe, no Brasil, para os EUA. Ministério Público Federal de Juazeiro do Norte, no Ceará, abrirá procedimento para investigar suposto crime
Episódio 4
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A descoberta de um fóssil raro de uma aranha da Chapada do Araripe, no Ceará, está causando polêmica e suspeitas nos bastidores da paleontologia no exterior e no Brasil. Descrita recentemente pelo norte-americano Matthew R. Downen e o britânico Paul A. Selden, a aranha Cretapalpus vittari é o achado mais antigo e o primeiro da Era Mesozóica (265 milhões a 65 milhões) na América do Sul, da família Palpimanidae.

Porém, a revelação científica – que deveria ser apenas celebração para as ciências que buscam respostas sobre as transformações do Planeta – virou alvo de investigação do Ministério Público Federal de Juazeiro do Norte (MPF/JN). A suspeita é de que o registro da aranha mais velha da América do Sul, escavada numa pedreira do município de Nova Olinda, tenha saído do Brasil para os Estados Unidos via tráfico de fósseis.

Cretapalpus vittari. Do latim "creta" ou "giz" e "palpus" para as aranhas com pés palpos. Vittari em homenagem a Pabllo Vittar, cantora e drag queen brasileira.(Foto: Reprodução/Journal of Arachnology)
Foto: Reprodução/Journal of Arachnology Cretapalpus vittari. Do latim "creta" ou "giz" e "palpus" para as aranhas com pés palpos. Vittari em homenagem a Pabllo Vittar, cantora e drag queen brasileira.

A desconfiança sobre o suposto contrabando da Cretapalpus vittari, que traz no sobrenome uma homenagem à “cantora, compositora brasileira e drag queen Pabllo Vittar”, foi levantada pelo paleontólogo Álamo Saraiva. O professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) convenceu o departamento jurídico da instituição que entrou com uma representação no MPF.

22.06.2017: Álamo Feitosa Saraiva, paleontólogo da URCA, para o Páginas Azuis. (fotos: Tatiana Fortes/O POVO)(Foto: TATIANA FORTES)
Foto: TATIANA FORTES 22.06.2017: Álamo Feitosa Saraiva, paleontólogo da URCA, para o Páginas Azuis. (fotos: Tatiana Fortes/O POVO)

De acordo com Álamo Saraiva, também coordenador do Laboratório de Paleontologia da Urca, não há no trabalho de Matthew Downen e Paul Selden nenhuma referência a qualquer documento oficial que comprove a saída legal do fóssil do Ceará para o Departamento de Geologia da Universidade de Kansas nem para o Museu de História Natural do Reino Unido – instituições onde pesquisam os dois cientistas.

“O fóssil foi doado por um paleontólogo inglês para os norte-americanos Matthew Downen e Paul Selden. O inglês  é um pesquisador renomado que se acostumou a retirar, ilegalmente, fósseis da Chapada do Araripe. Depois de vários embates meus com ele por causa de irregularidades na aquisição dos fósseis daqui, brigamos sério e ele deixou de vir ao Ceará fazer tráfico de fósseis”, afirma Álamo Saraiva.

"...nesses casos temos que pedir cooperação jurídica internacional para apreender o fóssil e para ouvir os envolvidos, pois o site e o vendedor não estão no Brasil. Sempre pedimos a repatriação." Celso Leal Limaverde, procurador da República em Juazeiro do Norte

De acordo com Celso Leal Limaverde, procurador da República em Juazeiro do Norte, existe “a possibilidade (na legislação) de autorização para saída de um fóssil do Brasil para fins científicos''. Mas, até a última vez que precisei dessa informação, nunca houve autorização de saída de fóssil de nossa região (da Chapada do Araripe)”, explica.

Um inquérito policial deverá ser aberto pelo MPF para apurar o caso da aranha Cretapalpus vittari. De acordo com Celso Limaverde, “nesses casos temos que pedir cooperação jurídica internacional para apreender o fóssil e para ouvir os envolvidos, pois o site e o vendedor não estão no Brasil. Sempre pedimos a repatriação, pois as hipóteses de saída regular de fóssil do território brasileiro são bem restritas e nunca autorizam a venda”.

No artigo científico, Matthew Downen e Paul Selden afirmam que o fóssil do aracnídeo do período Cretáceo “foi doado a PAS (Paul Paul A. Selden) pelo Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe e pelo Departamento Nacional de Produção Mineral para fins de pesquisa e ensino”.

Para o procurador da República, muitas vezes o paleontólogo alega que foi “doação” para não serem responsabilizados como destinatários do crime de tráfico de fósseis. “Não estou afirmando que seja o caso do Cretapalpus vittari, porque ainda não apurei. Em outro caso aqui, os cientistas alegaram a doação. Conseguimos provar que não, ainda que os fatos tenham ocorrido nos anos 80 (e a legislação fosse mais permissiva)”, diz Celso Limaverde.

Segundo o procurador, casos assim não são fáceis. “É uma área complicada de atuar, pois a Justiça quer que provemos a saída irregular e a data em que isso aconteceu. Muitas vezes é difícil fazer essa retrospectiva”. Celso Limaverde está às voltas com a repatriação, quase certa, de mil fósseis traficados para a França.

No Cariri, o acervo de fósseis é imenso. A maior quantidade de indivíduos são peixes, mas os insetos representam a maior variedade de espécies (230). Na foto, acervo de fósseis do Museu de Paleontologia Plácido Cidades Nuvens, de Santana do Cariri. (Foto: TATIANA FORTES 22/10/2018)
Foto: TATIANA FORTES 22/10/2018 No Cariri, o acervo de fósseis é imenso. A maior quantidade de indivíduos são peixes, mas os insetos representam a maior variedade de espécies (230). Na foto, acervo de fósseis do Museu de Paleontologia Plácido Cidades Nuvens, de Santana do Cariri.

O POVO enviou, por e-mail, sete perguntas para os cientistas Matthew Downen e Paul Selden na última terça-feira, 25 de maio. Foi também pedido aos paleontólogos norte-americanos o documento de autorização da saída do fóssil do Brasil para os EUA. Até a publicação desta reportagem, não houve retorno.

O POVO também investiga se há algum documento assinado pelo Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe e pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, no Ceará.

 

O episódio do podcast Recorte, de novembro de 2020, comenta um pouco sobre o tráfico de fósseis:


Estado de preservação aponta que a Cretapalpus vittari é um macho

 

Fora a polêmica envolvendo a possibilidade de crime de tráfico de fósseis, a descoberta e a decifração da aranha Cretapalpus vittari, extraída das pedras de Nova Olinda, reforça a importância científica para o mundo do arquivo paleontológico depositado no solo da Chapada do Araripe, no Ceará.

Além do achado ser raro no mundo – é o primeiro fóssil de um aracnídeo da família da Palpimanidae encontrado na América do Sul no Cretáceo da Era Mesozóica – o estado de conservação do fóssil é de impressionar, segundo os cientistas norte-americanos Matthew R. Downen e Paul A. Selden.

Tão perfeita quanto a conservação fóssil, mesmo depois de milhões de anos após a extinção da Era dos Dinossauros na Terra, que foi possível detectar até que aquela aranha pré-histórica – de oito olhos com os pares laterais – era um macho.

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Segundo o artigo científico de Matthew Downen e Paul Selden, “a preservação excepcional dos insetos de Nova Olinda” foi recentemente descrita, em 2015, pelos paleontólogos N. Barling e David Martill.

Os dois cientistas mostram que “goethita”, que é um mineral de óxido de ferro, seria um dos elementos preponderantes para a conservação de boa parte da integridade do corpo-registro dos fósseis encontrados no Ceará. Um diferencial em relação a outros campos paleontológicos existentes em outros cantos do planeta.

O Cretapalpus vittari, com exceção exceção das partes moles, foi “preservado tridimensionalmente" nas bibliotecas de calcário laminado enterradas no solo de Nova Olinda. O que proporcionou a visualização, com uso da tecnologia, de detalhes da cutícula do fóssil, de espinhos e cerdas das tíbias do que restou da aranha.

Além do gozo dos cientistas pela descoberta, o que o achado científico importa para o cotidiano atual? O fóssil da aranha é mais uma chave para a investigação das condições ambientais daquela época e para a observação das transformações e extinções até aqui.

 

 

 

Aranhas noturnas das regiões subtropicais


De acordo com o artigo de Matthew Downen e Paul Selden, “o palpimanidae é uma pequena família de 18 gêneros e 157 espécies de aranhas noturnas terrestres cujos membros ocorrem principalmente nas regiões tropicais e subtropicais do mundo, exceto Austrália”. É a linhagem de origem do aracnídeo cearaense Cretapalpus vittari.

Segundo o estudo científico, essas aranhas são caracterizadas por uma espessura extremamente espessa e com cutícula em todas as partes do corpo, exceto o opisthosoma (espécie de abdômen). “Elas perseguem e capturam outras aranhas como presas, mas estão blindadas contra mordidas retaliatórias. Palpimanidae é historicamente um grupo pouco estudado, mas, recentemente, vários gêneros foram revisitados ou recém-descrito”, afirmam os paleontólogos.

Espécime de aranha da família Palpimanidae. O nome científico dela é Sarascelis chaperi, encontrada em Israel, e descrita em 2013.(Foto: Sergei Zonstein ENTITY_amp_ENTITYYuri M. Marusik)
Foto: Sergei Zonstein ENTITY_amp_ENTITYYuri M. Marusik Espécime de aranha da família Palpimanidae. O nome científico dela é Sarascelis chaperi, encontrada em Israel, e descrita em 2013.

O estudo aponta que as aranhas do Cretáceo fóssil-Lagerstätte do Crato, Brasil, são relativamente numerosas mas, até agora, poucas foram descritas. “Aqui, apresentamos um espécime único de um palpimanidae desta localidade. É o membro mais velho da família e o primeiro registro mesozóico."

Matthew Downen e Paul Selden descrevem que o mais antigo aracnídeo conhecido anteriormente, “e única ocorrência fóssil conhecida de Palpimanidae, são três espécimes juvenis do gênero existente no Neógeno Dominicano âmbar (Wunderlich 1988). Uma possível palpimanidae também foi relatada a partir do âmbar birmanês médio do Cretáceo (Wunderlich 2017). No entanto, a superfamília Palpimanidae tem representantes que datam do período Jurássico”. 

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