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Por que mulheres traem?
Reportagem Especial

Por que mulheres traem?

Mesmo que homens e mulheres traiam quase na mesma proporção, os motivos para a infidelidade são bem diferentes. Descubra o que leva mulheres a traírem e o que isso tem a ver com mudanças sociais

Por que mulheres traem?

Mesmo que homens e mulheres traiam quase na mesma proporção, os motivos para a infidelidade são bem diferentes. Descubra o que leva mulheres a traírem e o que isso tem a ver com mudanças sociais
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Ela tinha 18 anos quando traiu pela primeira vez. Era também o primeiro relacionamento sério de Maria* "Nome fictício. A fonte preferiu não ser identificada." , e a ingenuidade e inocência ainda eram adjetivos possíveis de se usar para descrevê-la. No terceiro ano de namoro, ela começou a perceber atitudes estranhas do parceiro… “Mas, na época, nunca achei que fosse traição”, descreve.

O namorado começou a se afastar dela e, ao mesmo tempo, Maria se aproximou de um “amigo” — as aspas são da própria. “O tanto que meu namorado “perdia” espaço, porque ele quem me deixava só mesmo, eu ia tendo a companhia desse meu amigo. E quando eu vi, passava mais tempo com meu amigo do que com meu namorado”, relembra.

Até aí tudo bem. O problema foi quando, um dia, ela viu no celular do companheiro mensagens com outra menina. No momento, Maria não falou, nem fez nada. Mas quando o tal amigo fez sinal de querer ficar com ela, a afirmativa foi fácil. “Duas semanas depois, todo mundo descobriu. Eu me fiz de doida, e na época meu namorado disse: ‘Tiro trocado não dói’.”

 

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Tiro trocado não dói

Capa Infiéis(Foto: Klaus Nielsen/Pexels)
Foto: Klaus Nielsen/Pexels Capa Infiéis

Maria* integra as 47% de mulheres que já foram infiéis alguma vez na vida. A taxa é de pesquisa sobre amor, sexo e traição da antropóloga Mirian Goldenberg, que entrevistou 1.279 homens e mulheres em relacionamentos heteronormativos. Por meio delas, a pesquisadora identificou diferenças entre as razões de mulheres e homens traírem os companheiros.

“Eu venho pesquisando o tema da infidelidade desde 1988. Entrevistei mulheres chamadas de a outra, homens que traem, mulheres que traem… E conheci muitos tipos de arranjos possíveis entre a traição”, explica Mirian ao O POVO. “Quando falamos de traição, é importante entender o que ela é para cada pessoa. Existem várias representações sobre fidelidade e infidelidade”, ressalta.

 

 

 

Para algumas pessoas, só pensar de maneira romântica/sexual em outro alguém já é um ato de traição. Por outro lado, há quem não veja infidelidade em aventuras sexuais pontuais, sem significado. Cada casal definirá, verbalmente ou não, os limites entre eles.

Assim, o que Mirian mais identifica nos cônjuges é o desejo por “reciprocidades nas relações”. Se são fiéis, esperam fidelidade em troca; o mesmo vale para a infidelidade. No entanto, os motivos para a traição são diferentes. A antropóloga explica:

“Muitos homens acreditam na natureza masculina propensa à infidelidade, uma natureza poligâmica, mesmo quando eles dizem que são fiéis e monogâmicos. Eles justificam a traição por momentos de crise pessoal e no relacionamento. Já as mulheres não acreditam que exista uma natureza propícia à traição. E quando elas traem, elas sempre apontam faltas nos seus relacionamentos. Em geral, falta de intimidade, de escuta, de romance, de conversa…”

A partir dessas observações, a pesquisadora conseguiu traçar alguns perfis de infiéis. Você pode vê-los abaixo, clicando nos ícones da mulher e do homem para ter acesso aos detalhes:

 

 

Os relatos coletados por Mirian apontam aspectos que podem ser refletidos pelo machismo e, ao mesmo tempo, pela crescente apropriação feminina da própria sexualidade. “As mulheres estão mais desejantes e colocando isso em prática”, define a psicóloga Virgínia Uchoa "CRP 11/06168" , terapeuta de casal e família e cofundadora da Instituição Terapia de Casal.

É claro que as mulheres sempre desejaram prazer e uma vida sexual interessante, mas as normas sociais eram muito mais estritas do que atualmente. Na última década, a discussão sobre o direito à sexualidade e ao exercício dela tem aumentado — o que incomoda bastante a lógica machista.

 

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Mulheres infiéis: entre machismos e inseguranças

Voltemos para a Maria*. Depois da primeira traição, vieram outras; mas uma recente a marcou. Aos 24 anos, ela conheceu um rapaz por um aplicativo de namoro. Ele era militar e no começo se deram bem, começaram a namorar.

Não demorou muito para ela começar a estranhar algo. Não sabia o que era, mas ela perguntou ao companheiro se ele queria compartilhar algo com ela: sem julgamentos, apenas uma chance de honestidade. Depois de várias negativas, ele confessou que, enquanto a conhecia, ficou com outra mulher e a engravidou.

Reestruturar um relacionamento após uma traição é possível, mas demanda esforço.(Foto: Alex Green / Pexels)
Foto: Alex Green / Pexels Reestruturar um relacionamento após uma traição é possível, mas demanda esforço.

Tudo bem, sem problemas. Mas o namorado começou a esconder o celular, deixar ele sempre com a tela para baixo, até dormir com o dispositivo dentro da fronha! Ela logo descobriu que ele estava a traindo com a outra (a agora mãe do filho dele).

A decepção veio, mas Maria já estava treinada. O que a incomodou mesmo e a deu mais razão para trair foram os comportamentos machistas do namorado. Ele não gostava que ela pudesse crescer na carreira dela (Medicina). Achava que ela deveria ser pediatra ou se conformar com ele pagando as coisas que ela desejasse. “Quando ele disse isso eu pensei: ‘Quando foi que eu virei puta?’”

O episódio é exemplo das diferentes formas de infidelidade. De acordo com a psicóloga Virgínia, trair vai além do íntimo-afetivo: pode ser também uma traição política, moral e social.

E o fato de as mulheres estarem mais independentes cutuca a frágil masculinidade dos homens. “Muitos mais homens têm vindo para a terapia de casal, geralmente muito inseguros com isso no relacionamento”, comenta a terapeuta. De repente, quem antes era “propriedade de Fulaninho de Tal” virou sujeito dona de si, com prioridades bem estabelecidas de parceria romântica e sexual.

Mulheres costumam trair por "faltas" no relacionamento.(Foto: Klaus Nielsen/Pexels)
Foto: Klaus Nielsen/Pexels Mulheres costumam trair por "faltas" no relacionamento.

Não por acaso, quando os homens deixam de dar atenção, carinho, companheirismo e boas aventuras na cama para as companheiras, elas procuram outros que supram esse vazio. A pergunta que fica, então, é: por quê se ater ao relacionamento, se é possível curtir a solteirice com vários?

“É uma polaridade. Ao mesmo tempo que as pessoas querem a estabilidade de um relacionamento, elas também querem o novo, uma paixão”, analisa a terapeuta de casal.

Mas ainda há outra questão: por quê procurar em outra pessoa a afirmação de que se é linda e desejável? Para a amiga de Maria*, que também já traiu e preferiu não ser identificada, a infidelidade motivada por faltas pode dizer muito sobre a insegurança que as mulheres tendem a vivenciar.

“Eu acho que esse pensamento, quando eu traí, de querer atenção em outro lugar está muito ligado à falta de amor próprio. Porque aí você precisa que outra pessoa te entregue aquilo que você não tem”, reflete. “Hoje em dia, eu acho que se eu não estivesse confortável em um relacionamento, eu simplesmente terminaria e iria para a próxima. Mas eu não trairia, porque eu me sinto bem comigo mesma”, afirma.

 

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O que sobra depois da traição?

A despeito do peso moral e social que existe na infidelidade, trair não é uma questão de índole. “Aquele dito de que a pessoa que traiu sempre vai trair é um mito”, reforça Virgínia. Muitos fatores podem levar à traição e a resposta da pessoa traída sempre vai depender de como o episódio foi vivido por ela.

Assim como uma traição pode destruir um relacionamento, ela também pode ser a oportunidade de transformá-lo em algo melhor. Porém, é preciso disposição e bastante paciência.

A terapia de casal pode ajudar no processo de superação da infidelidade.(Foto: SHVETS production / Pexels)
Foto: SHVETS production / Pexels A terapia de casal pode ajudar no processo de superação da infidelidade.

“Depende dos dois. A pessoa que traiu tem que se esforçar e ter muita paciência. Porque a outra pessoa está magoada e vai querer questionar muito, vai lembrar várias vezes. É preciso saber acolher essa dor até ela se tornar menos importante”, descreve a especialista. E sem essa de romantização dos perdões: a traição geralmente é apenas superada, virando algo pequeno em comparação ao que foi reconstruído após o ocorrido. 

Virgínia sugere que, após um caso de infidelidade, o traído reflita se há disposição para tentar superar o processo. A pergunta a se fazer é a seguinte: "Será que eu tenho condições de fazer esse enfrentamento?". Depois, o traidor precisa descobrir se terá paciência para acolher o parceiro. Depois, o que vem é o tempo. O olhar de uma terceira pessoa, como um psicólogo especializado, também pode ser benéfico. 

Traído ou traidor, a verdade absoluta é a seguinte: o risco sempre vai existir. Sobra a tranquilidade para persistir na busca pelos prazeres dos relacionamentos!

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