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Assalto ao Banco Central: entrevista exclusiva com diretor de série da Netflix
Reportagem Especial

Assalto ao Banco Central: entrevista exclusiva com diretor de série da Netflix

A série documental "3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central", baseada no roubo histórico ocorrido em Fortaleza, em agosto de 2005, estreia globalmente no serviço de streaming Netflix nesta quarta-feira, 16. Confira entrevista exclusiva com o diretor e roteirista Daniel Billio

Assalto ao Banco Central: entrevista exclusiva com diretor de série da Netflix

A série documental "3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central", baseada no roubo histórico ocorrido em Fortaleza, em agosto de 2005, estreia globalmente no serviço de streaming Netflix nesta quarta-feira, 16. Confira entrevista exclusiva com o diretor e roteirista Daniel Billio
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Segunda-feira, 8 de agosto de 2005. No início do expediente do Banco Central do Brasil em Fortaleza, no Ceará, um buraco de 60cm de diâmetro na caixa-forte foi descoberto. A invasão retirou mais de R$ 160 milhões da instituição, localizada numa das vias mais movimentadas do Centro da capital cearense. O valor equivale, aproximadamente, a 3,5 toneladas de cédulas de R$ 50. Na ação, 34 homens cavaram um túnel de 75m — estruturado com luz, ventilação e linha telefônica — durante três meses. Baseada no roubo histórico, a série documental “3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central” estreia globalmente no serviço de streaming Netflix nesta quarta-feira, 16.

O caso se tornou um dos episódios mais marcantes do noticiário policial nacional e, talvez, o assalto a banco mais famoso no País. A passagem subterrânea, feita pelos assaltantes, ligava o Banco Central à sede de uma empresa de grama sintética de fachada. O dinheiro levado pelos ladrões eram usados e, por isso, sem possibilidade de rastreio. Ninguém viu ou ouviu algo nas redondezas. Tiro algum foi disparado. Com depoimentos de policiais e criminosos, o documentário seriado reconta a história do assalto, os processos da investigação e as consequências trágicas do crime, como extorsões, sequestros e assassinatos por outros assaltantes ou policiais corruptos. A direção geral de Rodrigo Astiz, com direção e roteiro de Daniel Billio.

Com três episódios de 50 minutos cada, “3 Tonelada$” revela detalhes inéditos do furto. Cenas de momentos fundamentais do caso foram recriados, bem como o túnel foi reconstruído pela equipe da obra. Mais de 30 pessoas foram ouvidas. No material de pesquisa da produção, está a cobertura do O POVO sobre o crime. Claudia Belfort assina como pesquisadora-chefe, enquanto Adriana Marques, Íris Sodré Mendes e Mauricio Hirata Filho são os responsáveis pela produção-executiva. Na produção associada, a produtora cearense Gavulino Filmes e Marcos Tardin, também jornalista do O POVO.

Em entrevista exclusiva, o diretor e roteirista Daniel Bilio compartilha processos de desenvolvimento da produção, desafios do documentário e reflexões sobre o crime.

 

 

 

O POVO - Em seus projetos, você já costuma abordar histórias espetaculares, surpreendentes. “3 Tonelada$” revela muito de um crime espetacular, quase cinematográfico. O que te fascina nessas histórias?

Daniel Bilio - Escolhi o documentário porque eu gosto muito de gente de verdade e de histórias de verdade. E as histórias de verdade que eu gosto de contar são sempre surpreendentes, né? Já fiz documentário sobre um monte de assunto, dos mais variados assuntos, desde moda até acidentes aéreos. Então, eu gosto das pessoas que estão nessas histórias. No caso do “3 Tonelada$”, é isso. A história é inacreditável. Ela é não-ficção, mas parece ficção. Ela é um “La Casa de Papel” (também série da Netflix) da vida real. Aconteceu de verdade. O que mais me chama atenção nas histórias que eu gosto de contar é o inusitado, o impressionante, o diferente dessas histórias, mesmo sendo histórias reais.

O POVO - Quais foram os primeiros passos para construir esse documentário seriado?

Daniel - Primeiro que era uma história que eu já era adulto, em 2005. Na época, me chamou um pouco a atenção, mas, assim, você vai tocar sua vida, né? Não acompanhei, na época, os desdobramentos do que foi o furto e do que foi investigação do Banco Central. Quando o projeto chegou para mim e eu comecei a ler o material que já tinham levantado, aquilo foi impressionante. Eu falei: "Nossa, como é que eu perdi uma história dessa?”. Na verdade, é que 15, 16 anos depois, e sabendo o que aconteceu, a história ficou muito mais encorpada. Ela tem muito mais personagens, muito mais reviravoltas, muito mais coisas intrigantes e surpreendentes. Foi isso que me chamou atenção. Na época, não dei tanta atenção e quando eu comecei a ler o projeto que chegou, eu falei: “Nossa, mas foi muito mais do que entrar lá na caixa-forte e tirar um monte de dinheiro! Tem um monte de coisa acontecendo”. Então, foi isso que me chamou atenção, o impressionante da história mesmo.

 

 

 

 

O POVO - No documentário, o primeiro episódio trata do crime em si e os outros dois trazem a investigação e as consequências. Assim como o assalto e a apuração policial, o próprio documentário tem muitas ramificações. Como foi esse trabalho de manipular tantas histórias? O que foi mais difícil?

Daniel - Era muito material. Só do O POVO, eu tive que ler 15 anos de jornal. Tinha os cinco primeiros anos, que foram os anos em que durou a investigação. Tem muita matéria, muita coisa mesmo. Dos primeiros quatro meses, de verdade, eu li todas as edições diárias do O POVO. Todo dia tinha matéria sobre o furto. Depois começou a espaçar um pouco mais. Mas, enquanto durou a investigação, esses personagens continuaram aparecendo em jornal, em telejornal. A pesquisa foi a que deu mais trabalho mesmo, porque a gente tinha muito material para trabalhar em cima. Conforme a gente ia avançando nesse material, as coisas iam ficando mais impressionantes e com mais desdobramentos. Aparecia um personagem, a gente perguntava para um policial ou para um membro da quadrilha sobre esse personagem… Esse personagem falava: “Tinha esse, mas tinha outro também”. E aí a gente começava a investigar o outro e precisava arrumar.

Foi um quebra-cabeça para ir juntando todas as pontas da investigação e, também, para ir descartando o que é fábula… O que era teoria da conspiração e o que era invenção. Ao longo do tempo, mesmo as histórias que não são reais, quando são contadas muitas vezes, passam a ser reais. Isso foi um trabalho interessante. Tinha muita gente que contava alguma coisa da investigação policial ou alguém do Ministério Público ou um jornalista que contava uma história como se ele tivesse vivido aquilo, mas, na verdade, a gente descobria na pesquisa que ele não estava lá, que era uma outra pessoa que estava. E nem é mentira, na verdade. É uma falsa memória. De tanto ler, ouvir e falar sobre aquilo, a pessoa acaba achando que aquilo aconteceu com ela. Nesse trabalho de pesquisa, a gente teve que fazer, também, esse trabalho de triagem… De saber de quem é de verdade essa história. Quem é que estava lá, quem é que fez isso. Era um trabalho que dava trabalho (risos). Deu bastante trabalho.

O POVO - Esse processo durou quanto tempo?

Daniel - A gente teve quatro meses de pesquisa, quatro meses direto em cima disso. Enquanto eu estava escrevendo o roteiro, teve uma pré-pesquisa, as pesquisadoras começaram antes de mim. Eu comecei a receber esse material, comecei a organizar e discutir as ideias com a Netflix por onde a gente ia, que tipo de ideia a gente tinha, que história a gente queria contar, o que a gente podia contar e o que não podia contar. Comecei a escrever os roteiros com as meninas pesquisando ainda.

Então, durante a fase de roteiro, eu precisava de mais informação, eu ligava pra ela e falava: “Eu preciso agora que fulano me fale o que aconteceu, porque isso vai ser o gancho pra alguma coisa”. Foi um trabalho intenso de pesquisa, não só de personagem com a equipe da Claudia Belfort, lá, como a pesquisadora de imagem, também, que trabalhou intensamente até quase o final da montagem dos episódios, porque a gente tava atrás de arquivo ainda. Foi um trabalho de muitos meses.

O POVO - Quatro meses parece pouco tempo para um trabalho de tanto fôlego…

Daniel - Sim, mas é porque a gente não trabalha sozinho. Eu escrevi, mas tinha equipe de pesquisa que eram três pessoas… Eu trocava muito com o Rodrigo Astiz, que é o diretor geral da série. Troquei muito com o Maurício Hirata, que é o criador do projeto junto com o pessoal da Gavulino Filmes, daí do Ceará. Então, eram muitas cabeças pensando ao mesmo tempo. Embora só os meus dedos escrevessem ali no teclado, tinha muita gente pensando e ajudando a trabalhar nisso também.

 

 

 

 

O POVO - Tratar um roubo espetacular pode ter uma certa linha tênue entre tornar o crime mais espetacular ainda. Teve uma certa preocupação quanto a isso durante o desenvolvimento do projeto?

Daniel - A gente não queria essa linha tênue, a gente queria que o documentário refletisse a verdade que a gente queria contar. A história que a gente queria contar, que é uma história com um grupo de ladrões brilhantes que bolam um plano brilhante. E essa história, depois, encontra um grupo de policiais brilhantes que fazem uma investigação brilhante também. Depois, a gente descobre que o que parecia um crime limpo, sem sangue no crime e sem sangue na investigação, na verdade, tinha um lado B, que não era tão bonito quanto foi fazer um furto ou prender os ladrões sem sangue.

A história eu acho que ela não glamouriza ninguém, nem ladrões, nem polícia. Ela é verdadeira, porque é daquele jeito que os caras trabalham e é daquele jeito que a polícia trabalha. Foi de um jeito muito terrível as consequências do furto, então, eu acho que não tem espetacularização da história. Muito pelo contrário, acho que outras coisas que foram feitas tentaram transformar isso numa coisa muito maior, mas não é. Não é esse o objetivo e acho que a gente conseguiu. Acho que a gente não caminha por uma linha tênue. Os personagens estão bem colocados ali.

A gente não faz apologia a ninguém, não trata ninguém como vítima. Na série, o Luiz Henrique Campos, jornalista que atuou no O POVO durante a cobertura, fala até que, na época, no começo, as pessoas começaram a ver os ladrões como heróis, algo meio Robin Hood. Mas não foi isso. E a gente em momento algum tentou transformar os ladrões em Robin Hood ou a polícia no Batman.

O POVO - O crime pode despertar muita curiosidade nas pessoas e muitas produções audiovisuais nesse sentido têm se destacado no streaming. Para finalizar, como você olha para o gênero “true crime” e porque as pessoas se interessam tanto pela performance do crime, especialmente se tratando de um assalto praticamente cinematográfico? Qual a responsabilidade de falar sobre esse caso?

Daniel - Eu sou consumidor de histórias de crime desde que eu era criança, lendo Agatha Christie. Li Agatha Christie quando eu tinha 12 anos de idade e adorava os mistérios, a investigação dos crimes. Acho que o gênero “true crime” faz tanto sucesso hoje em dia, porque é da natureza humana essa curiosidade por desvendar, pelo misterioso e pela explicação daquilo que é misterioso e surpreendente. Eu, particularmente, gosto que o gênero esteja em alta, porque mais e mais produções chegam para a gente assistir e para fazer também. A responsabilidade que quem faz isso é justamente saber que ali são histórias reais, que você precisa estar muito comprometido com a verdade dos fatos e com o tipo de história que você quer contar.

A minha preocupação e da equipe toda sempre foi em dar voz para todo mundo, ouvir diferentes pontos de vistas e isso tem na série. A gente é o mais fiel possível à história dando vozes para pessoas que estão lá. Quem está assistindo vai ouvir em alguns momentos opiniões contraditórias sobre algumas coisas. Cabe a quem está assistindo decidir o que acha que realmente é. Eu acho que é legal também, faz parte do gênero, Você, como espectador, gosta também de ser um investigador, de tentar unir, juntar as pontas e desvendar aquele mistério também. Minha preocupação é essa, em deixar uma coisa que seja verdadeira, ouvindo todo mundo que tem alguma coisa pra contar sobre aquela história. Esse foi o objetivo desde o começo.

3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central
Quando: a partir de quarta-feira, 16
Onde: Netflix
Mais info: netflix.com

 

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