Enfrentar batalhas é algo natural para a paulista Bryanna Nasck – e isso acontece o tempo todo em sua vida. Seja no ambiente online, onde é acompanhada por milhares de seguidores, seja na vida real, quando precisa ser forte para superar preconceitos, ela fica de fora de qualquer padrão imposto pela sociedade ao seu redor. Classificando-se como “uma exceção” no mundo em que vive, faz questão de se apresentar como uma mulher trans, não-binária, streamer e gamer.
Presente na Twitch TV e no Facebook Gaming, onde realiza transmissões de jogos online, Bryanna é a terceira convidada do UP Gamer+, programa de entrevista durante partidas de videogame. Na ocasião, ela comentou sobre as possibilidades proporcionadas pelo mundo virtual, bem como mencionou a importância das pessoas estarem atentas a temas sensíveis, como as questões de igualdade de gênero e sexualidade. Confira trecho da conversa.
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OP - Queria saber como é viver de games hoje no Brasil. É de boas, é fácil?
Bryanna Nasck - Fácil, eu posso definitivamente dizer que não é, porque você precisa conquistar não apenas uma comunidade que esteja disposta a querer te ajudar, como também precisa construir sua imagem pública. Eu acho essa a parte mais difícil, porque a gente não é treinado para isso, sabe? A gente não sabe exatamente como construir tudo isso, mas hoje em dia as plataformas no geral oferecem a oportunidade para poder aprender mais e descobrir como construir a nossa imagem.
Para mim foi mais complicado porque eu enfrento problemáticas relacionadas à transfobia, ao preconceito, e isso é muito complexo de estar lidando no dia a dia. Mas é algo que a gente aprende a conviver, infelizmente… Eu sou uma exceção, sou uma das poucas pessoas trans que conseguem dizer que vivem e sobrevivem graças ao seu trabalho de produção de conteúdo online com os games. Eu acho que é muito triste o fato de ter tão poucas pessoas trans com visibilidade conquistando esse espaço que devia ser mais democrático.
Acredito que esses espaços refletem a nossa sociedade e as problemáticas que a gente enfrenta. Não me surpreende o fato de termos dificuldade de ter mulheres, pessoas trans, negras com grandes números. Quando a gente para pra pensar em streamers grandes, a maioria são homens, cisgêneros e brancos. É ali onde se concentram o poder e os grandes números.
OP - Você usa os seus espaços não somente para jogos, mas para falar de políticas sociais. Qual a importância de tocar nesse tipo de conteúdo nesse cenário?
Bryanna Nasck - De certa forma, estou olhando para a Bryanna do passado e tentando de alguma forma fazer com que nenhuma outra pessoa se sinta sozinha como eu me senti na minha infância. Eu sentia, de verdade, que não existia um espaço para mim, que não tinha a oportunidade para eu crescer, ter seguidores, de ter pessoas que gostam do meu trabalho e simpatizam com a mensagem que trago. Mas hoje percebo que consegui conquistar esse espaço. É uma forma de olhar para mim mesma do passado e dizer: “Caramba, Bryanna, olha onde você chegou!”
OP - É preciso sempre estar buscando alimentar a sua produção de conteúdo, mas chega o momento em que você pensa “preciso parar, senão vou ficar louca”?
Bryanna Nasck - Com certeza! Eu tenho geralmente o meu pico, em média, a cada dois anos, quando dou uma surtada e falo: “Meu Deus, preciso dar uma pausa”. É muita pressão, de você ter que dar o seu melhor o tempo todo e conseguir entregar isso para as pessoas. É muito pesado você estar lá, sorrindo e entregar esse ambiente gostoso para as pessoas, pois é isso que elas querem quando vêm para a minha live. Para isso, eu preciso estar bem.
OP - Qual mensagem você tem para as pessoas, principalmente pais de crianças, de que é possível viver dos games?
Bryanna Nasck - Eu posso dizer que o universo gamer é novo. Eu acho que a gente precisa entender que o mundo mudou. Existem novas oportunidades e, quando a gente fala de mundo digital, é literalmente um mundo de possibilidades. Trabalhar com games é uma realidade verdadeira. Não é uma profissão fácil, precisa ter estratégia, consciência, dedicação para transformar isso em uma profissão.
Eu sou muito grata porque minha mãe sempre me apoiou, e quando eu comecei, em 2011, ninguém estava falando de produção de conteúdo online. Então eu acho que quando você olha para o seu filho que tem um prazer de estar nos jogos e se ele quer explorar isso como forma profissional, saiba que é completamente possível. Também precisa colocar a mão na massa e ir atrás de fazer as coisas acontecerem como a gente almeja.
OP - Também é preciso estar disposta a reconhecer os próprios erros, quando cometidos, né?
Bryanna Nasck - Com certeza! Quando eu penso em erros, não é cometer crimes. Porque tem muita gente que comete crime e quer categorizar isso como erro, mas a gente precisa ter consciência que a internet não é “terra de ninguém”. Você não pode falar o que quer, agir da forma que bem entender e achar que isso não vai ter um custo. Por isso que é importante a gente entender o que está sendo discutido, quais são as pautas relevantes, porque a vida não é feita só da nossa experiência, a gente vive em uma sociedade compartilhada. É importante sempre estar adquirindo conhecimento, se educando, para que você não cometa um erro que pode custar o seu sonho.
OP - Hoje não dá mais para dizer que não sabia, já que conhecimento está aí para todo mundo…
Bryanna Nasck - Conhecimento tá aí, a internet democratizou a oportunidade de buscar conhecimento. O que as pessoas precisam ter é humildade para entender que não vão saber sobre tudo na vida e vão precisar buscar fontes e ouvir a experiência de vida de outras pessoas para conseguir entender melhor sobre o mundo. O que acontece quando a gente vê essa questão de problemáticas, de coisas muito graves que foram ditas, são muitas vezes pessoas que não conseguem compreender que o mundo vai muito além daquele do seu próprio quadrinho.
Existem outras pessoas, outras lutas e existem coisas que não devem nunca serem reproduzidas por ninguém e não devem existir. A gente está trabalhando firme e forte para conseguir mostrar isso, porque a gente quer um futuro em que as pessoas se sintam inspiradas, contentes e orgulhosas.
A gente olha para o Casimiro (Miguel), um dos maiores streams e produtores de conteúdo online da nossa atualidade, e vê que ele conquistou tudo isso tendo a completa noção de como o seu conteúdo atinge as pessoas. Ele faz isso porque não é uma pessoa que se isola na sua própria realidade e não compreende o que está sendo discutido, a vivência das outras pessoas. É alguém que tem consciência de cada passo dado e entende como fazer com que a vida dele seja tão útil não apenas para o seu ganho pessoal, como útil para as pessoas que o acompanham. É importante ter pessoas como o Casimiro, porque ele dá um ótimo exemplo de como deve ser o produtor de conteúdo online.
Programa de entrevistas com personagens que transitam peço mundo digital durante uma partida de jogo eletrônico