Com o celular na mão e os adversários na tela, a vontade de vencer e superar as adversidades são sentimentos que tomam conta a cada partida. Mas quando repousam a cabeça antes de dormir, os pensamentos voam para um futuro melhor, longe de qualquer dificuldade vivida atualmente. Essas dinâmicas são compartilhadas por jovens espalhados por todo o Ceará, os quais hoje lutam para trilhar belas histórias por meio dos esportes eletrônicos.

Berço de grandes nomes de destaque nacional, o Ceará tem traçado um cenário promissor no universo dos games, contando com cyber atletas donos de talentos invejáveis e profissionais que buscam fazer do Estado uma potência no Brasil e no Mundo. Exemplos que já extrapolaram o território cearense para poder construir e consolidar suas carreiras são o que não faltam.

Pro-players como Victor “Cabu” e Juan “Judite”, assim como o coach Otávio “NighTT” e os influenciadores Samira Close, Leonardo “Vrau” e Lucas “Lzinn”, são alguns dos cearenses mais conhecidos na internet e nas redes sociais graças aos games. Lançados ao brilho por meio do ambiente competitivo, esses personagens são hoje modelos que inspiraram uma nova geração de jogadores e criadores de conteúdo que estão na busca por seus espaços.

Entre os muitos projetos existentes no Ceará, um tem chamado atenção nacionalmente: a Legends Gaming. Terceira colocada na Taça das Favelas E-sports 2022, na categoria Free Fire, a organização foi criada e atua em Juazeiro do Norte. Mais especificamente em uma pequena comunidade cujo nome não é muito familiar em pesquisas no Google, nem mesmo por moradores da cidade – que fica distante mais de 490 quilômetros de Fortaleza.

Conhecida pelos moradores como ProUrb, esta é uma favela localizada no bairro Triângulo e que não conta com muitos detalhes sobre sua origem, nem dados populacionais, de escolaridade ou renda.

Das poucas informações encontradas na internet, seu nome é uma possível abreviação de um antigo projeto municipal de construção de conjuntos habitacionais.

A união das três primeiras letras das palavras “programa” (ou “projeto”) e “urbanização” é uma possível explicação para este nome. Para o fundador e mantenedor da Legends Gaming, entretanto, a definição de ProUrb está mais para algo como “Pobres Unidos”.

Jogador de futebol profissional, Janeudo Santos é cria da comunidade e viu nos esportes eletrônicos uma ferramenta de transformação social para moradores do local de onde ele surgiu. Hoje meio-campista do Fluminense do Piauí, o atleta tem no currículo uma passagem vitoriosa e histórica pelo Ferroviário campeão da Série D do Campeonato Brasileiro, da Taça Fares Lopes e da Taça dos Campeões Cearenses, entre 2018 e 2019.

Aquele mesmo período de glórias coincidiu com o sucesso vivido por um jogo lançado em 4 de dezembro de 2017: o Free Fire. Gratuito e leve, com muita ação e aventura, o jogo ganhou corações no mundo e no Brasil, com brilho especial no vestiário do Tubarão da Barra. Febre entre atletas do time, o game desenvolvido pela asiática Garena entrou na vida de Janeudo e se tornou um assunto recorrente nos anos seguintes.

Mesmo não conseguindo mostrar no servidor habilidades parecidas com as que apresenta com a bola nos pés, ele resolveu fundar a Legends com intuito de participar de competições e, sobretudo, mostrar novos caminhos para quem passa a fazer parte de sua equipe. Prova disso são seus atletas que participaram da Taça das Favelas E-Sports, organizada pela Central Única das Favelas (Cufa).

Com idades entre 15 e 19 anos, cinco players entraram na luta para colocar de vez o nome da ProUrb no topo e no mapa do Brasil. A grande final aconteceu em 3 de dezembro de 2022, com os cearenses encerrando sua participação em terceiro lugar, sendo superados pelos campeões Santo Onofre, do Rio Grande do Sul, e os vices Das Capitais, de Santa Catarina.

Para chegar ao pódio da maior competição das periferias brasileiras, os players do Cariri cearense precisaram superar muitas adversidades, mas o amor pelo game os mantém firmes e fortes em buscas de objetivos grandiosos.

Mais velho da equipe, Daniel “Danni7” Leandro começou a jogar por influência de amigos, mesmo sem ter um equipamento adequado. “Eu jogava num tablet, mas depois arrumei um celular quebrado mesmo. No começo jogava só por diversão, mas depois vi no Free Fire uma oportunidade”, comenta.

A oportunidade avistada por ele é a mesma dividida por seus companheiros de time: Eduardo “Edux 89” Oliveira, de 16 anos; Deivison “Cabelin7” Leandro, 19; Jardel “Chapa XL” Lacerda, 17; e Lailson Kevin, 15. Além do mesmo CEP, todos compartilham o amor pelo game e a esperança de que pelo e-sports logo vão conseguir dar melhor conforto para suas famílias.

“Eu penso em dar uma casa para minha família, uma vida melhor para eles, para não terem que trabalhar mais. Quero dar uma boa estrutura de vida aos meus irmãos e acho que consigo alcançar esses objetivos com o Free Fire”, afirma Edux 89, o capitão do time. Responsável por incentivar, motivar e passar as táticas para os demais jogadores ao longo das partidas, ele reflete sobre seu futuro, planejado sempre dentro do game:

Fora o lado financeiro, Janeudo diz que seu objetivo é fazer com que os players não vão para "o lado errado". "Fico feliz por ver que o Free Fire pode mudar a vida deles”, afirma ele, que mantém o equipe por conta própria, além de ajudar em alguma “situação específica” quando os atletas necessitam. Essas situações são conseguir um celular novo, um fone de ouvido melhor ou mesmo pagar a mensalidade da internet da casa deles.

“Eles se dedicam bastante. Sabemos que é difícil ter um retorno financeiro imediato, mas temos um retorno social que pode dar um futuro lá na frente. É gratificante para mim, eu vou apoiar o máximo. Quero que eles ganhem muito destaque para saírem daqui, quero que a Legends seja um trampolim”, projeta.

Um mercado em ascensão esperando por novos profissionais

Com o agravamento da pandemia de Covid-19 em todo o mundo no ano de 2020, o mercado dos jogos eletrônicos assumiu o controle do entretenimento. Praticamente paralisadas, as indústrias da música e do cinema encolheram e viram os games passarem a valer US$ 163,1 bilhões, valor maior que o dobro das duas juntas, de acordo com relatório da agência TechNet Immersive.

Em meio a esse cenário que permanece aquecido, tanto fãs quanto empreendedores começaram a se imaginar usufruindo de tamanho potencial, conforme reflete Matheus “Skatz” Costa. Incentivador da cultura gamer e consultor de esporte eletrônico do Ceará Sporting Club, ele menciona que “o papel transformador dos games” se tornou ainda mais evidente nos últimos anos.

Matheus analisa que, por lidar com paixões assim como os esportes convencionais, os e-sports passaram a ganhar uma visibilidade para além do público de praxe, como desenvolvedores e jogadores. “Muitas empresas e profissionais agora também se veem dentro do jogo”, diz, completando que psicólogos, fisioterapeutas e designers são algumas das profissões que até então não tinham direcionamento de carreira para os games.

Ainda por motivos de “paixão”, ele comenta que quem alcança destaque nesse segmento rapidamente consegue atingir os céus, com fama e uma vida financeira estável. “Mas também tem uma galera aqui do Ceará que muda de vida de forma impressionante. Um deles é o João Victor, campeão mundial do futebol digital em 2021, que sempre fala que seu sonho era dar uma vida melhor para os pais. Hoje ele consegue fazer isso”, completa.

Assim como João Victor, outros talentos cearenses estão escrevendo suas histórias por meio do segmento competitivo, como Victor “Cabu”, Juan “Judite”, Naldo Costa e Otávio “NighTT”, destaques nacionais e internacionais no League of Legends, Teamfight Tactics, Pokémon GO e PUBG Mobile.

“Os jogos vieram em vários formatos e segmentos diferentes trazendo a oportunidade de mudança de vida. E isso é real e já está acontecendo no Ceará”, evidencia Matheus “Skatz”.

Na trilha dos games

Na tentativa de surfar na onda crescente do mercado dos jogos eletrônicos, o Poder Público de Fortaleza passou a investir na formação de jovens na Cidade. Dentro do Juventude Digital, programa da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), o segmento tornou-se uma ponte para alcançar adolescentes interessados em tecnologia, com destaque para os games.

Coordenadora do Juventude Digital, Ianna Brandão explica que além de oferecer cursos e formações profissionais, o programa atua junto com parcerias privadas com intuito de acelerar jogos desenvolvidos pelos próprios participantes do programa. Os resultados já aparecem, com a contratação de bolsistas e estagiários, bem como a possibilidade de produzir os projetos apresentados.

Para mais informações, basta acessar o site do JD, que mensalmente abre cursos voltados sobre as mais diversas áreas e realiza eventos de integração com profissionais dos games pela Capital.