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Como tornar-se um profissional em jogos digitais no Ceará
Reportagem Seriada

Como tornar-se um profissional em jogos digitais no Ceará

Seja em Fortaleza ou em cidades do Interior, em bairros nobres ou na periferia, o Ceará tem apresentado alternativas para que jovens consigam ingressar profissionalmente na indústria de games. No Bom Jardim, projeto tem permitido que moradores criem e contem histórias por meio dos jogos a partir da própria realidade
Episódio 4

Como tornar-se um profissional em jogos digitais no Ceará

Seja em Fortaleza ou em cidades do Interior, em bairros nobres ou na periferia, o Ceará tem apresentado alternativas para que jovens consigam ingressar profissionalmente na indústria de games. No Bom Jardim, projeto tem permitido que moradores criem e contem histórias por meio dos jogos a partir da própria realidade
Episódio 4
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O cenário dos jogos eletrônicos é crescente e multimilionário, tornando-se forte atrativo para que diversas pessoas queiram ingressar e criar suas próprias carreiras. Uma das indústrias que mais crescem e têm chamado atenção no Brasil e no mundo, os games também entraram de vez no horizonte dos cearenses, que têm encontrado diferentes oportunidades de profissionalização. As expectativas para o futuro deste mercado no Ceará são positivas e permitem fazer projeções transformadoras na vida de muitos jovens.

Para se ter ideia, o Brasil assumiu em 2021 a liderança como maior mercado de videogames na América Latina, com faturamento de US$ 1,4 bilhão, conforme dados do relatório sobre entretenimento e mídia global PwC 2022-2026. Além do mais, o crescimento brasileiro deve se manter pelos próximos anos, com a esperança de chegar a corresponder a 47,7% da receita total da região até 2026.

Ao mesmo tempo, de acordo com o CEO da startup de esportes eletrônicos Go Gamers, Pedro Carvalho, o Ceará conta hoje com cerca de 200 mil jogadores ativos entre 13 e 39 anos. Esse público, diz ele, estaria espalhado por distintas plataformas (smartphones, computadores e consoles) e atuando com dois principais propósitos, direcionados para objetivos simplesmente casuais ou para aqueles mais voltados para as competições. Sobre esse último segmento, iniciativas públicas e privadas têm buscado desenvolver ações para atendê-lo, conforme mostramos no episódio 2 desta série de reportagens.

Em paralelo, instituições de ensino de diferentes níveis visam mostrar aos cearenses as inúmeras possibilidades de construção de carreiras profissionais para atuar em muitas frentes na cadeia da indústria dos games, como a produção de conteúdo, o desenvolvimento de jogos ou mesmo a formação de pro-players (jogadores profissionais). Seja na Capital ou em cidades do Interior, em bairros nobres ou na periferia, o Ceará tem apresentado alternativas para que jovens consigam abocanhar parte dessa fatia multimilionária da indústria de games.

Atualmente, o Estado contabiliza 279 cursos registrados como ativos no Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior, do Ministério da Educação (Cadastro e-MEC). Localizados em cem municípios, os cursos em sua maioria (99,28%) são ofertados na modalidade de ensino a distância. Outro aspecto identificado é que a formação na área estagna em determinado momento por aqui, uma vez que todos os cursos encontrados são tecnólogos.


Cursos de Jogos Digitais no Ceará registrados no MEC

 

Profissionais que desejam, portanto, seguir carreira acadêmica ou mesmo se especializar na área para ingressar no mercado de games precisam estudar em instituições de outros estados. Alefi Yago é psicólogo com especialização em psicologia voltada para os esportes eletrônicos. Esse aprofundamento nos conhecimentos em e-sports, no entanto, só foi possível por causa de um curso disponibilizado pela Universidade de São Paulo (USP), por onde já existe a demanda por profissionais como nutrólogos, advogados, educadores físicos e outros para atuar nesse segmento.

Quase um lobo solitário por estas terras, Alefi aponta para um estranhamento encontrado pelos próprios colegas de turma. “Até as pessoas com quem fiz o curso ficaram muito impressionadas porque eu era o único do Ceará. Buscar uma especialização neste mercado é uma coisa realmente bem fora do eixo do Nordeste”, diz.

Professor de Jogos Digitais da Unifametro, Izequiel Norões relata, por outro lado, que apesar das adversidades encontradas no Estado, “existem muitas iniciativas acontecendo e que podem ser promissoras”. “Agora, é interessante deixar bem claro que as pessoas que podem promover e ajudar no crescimento deste mercado são aquelas com capacidade de investimento. É parar de ter aquele mito na cabeça de que videogame é só joguinho, de que é alguém que só faz brincadeira. Esta é uma área rica e que precisa ser reconhecida”, enfatiza.

 

 

Curso permite colocar o Bom Jardim no cenário dos jogos

Para além dos muros ou do ambiente universitário, uma iniciativa tem realizado a expansão dos olhares de muitos jovens, que sequer chegaram ainda ao ensino médio, para o mercado de games. No Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ), cursos de formação e profissionalização em Cultura Digital têm sido ofertados à comunidade. Por lá, moradores têm acesso a ferramentas que permitem criar e contar as histórias deles próprios por meio de jogos eletrônicos, os quais têm como pano de fundo as realidades e as perspectivas de uma das maiores periferias de Fortaleza.

Desde sua inauguração, em dezembro de 2006, o CCBJ atua na área do Grande Bom Jardim com as diretrizes de acesso, democratização e participação popular no campo das artes, da cultura e dos direitos humanos. Umas das formas encontradas para fazer isso acontecer é por meio da popularização do conhecimento em tecnologias digitais, tanto é que desde 2018 a instituição atua com o trabalho pedagógico em desenvolvimento de jogos, os quais já têm rendido boas histórias.

Coordenador de Cultura Digital da Escola de Cultura e Artes do CCBJ, Diêgo Barros compartilha que já foram ofertados à comunidade 27 cursos, entre básicos, extensivos e de ateliê de produção, somente entre abril de 2022 e março de 2023, período em que 434 alunos foram atendidos. Não se restringindo à informática e aos seus domínios técnicos, o programa tem empreendido esforços para que as turmas possam criar possibilidades de invenção de diferentes mundos.

CCBJ Online é um dos jogos desenvolvidos por jovens do Grande Bom Jardim entre entre 12 e 14 anos(Foto: CCBJ Online / Reprodução)
Foto: CCBJ Online / Reprodução CCBJ Online é um dos jogos desenvolvidos por jovens do Grande Bom Jardim entre entre 12 e 14 anos

Exemplo disso é o jogo criado por uma turma de seis estudantes, o “CCBJ Online”, lançado em 2022. Nele, os jogadores embarcam em uma experiência de metaverso em que é possível explorar o próprio Centro Cultural e suas redondezas, podendo embarcar em aventuras e esconderijos, além de desbloquear poderes e desafios para jogar com os amigos. Apesar dessa complexidade, o game teve como equipe responsável pela sua criação e seu desenvolvimento jovens com idades entre 12 e 14 anos. O mais velho deles é Gabriel Masterson, um dos destaques do projeto.

Programador e designer do jogo que mostra toda a atmosfera do CCBJ, ele ainda está no 9º ano do ensino fundamental, mas já trabalha com maestria com linguagens como Python e Scratch – utilizadas para o desenvolvimento de jogos digitais. Apesar da pouca idade, Gabriel tem construído uma carreira profissional sólida e, inclusive, projeta retribuir todo o aprendizado adquirido em um futuro nem tão distante assim. “Gostaria de atuar nessa área e também como professor. Seria ótimo para poder ajudar a criar mais desenvolvedores”, deseja.

Professor Gabura e os estudantes João Daniel Tavares e Gabriel Masterson apresentando o jogo CCBJ Online durante a Mostra das Artes do CCBJ, em 2022.

Uma das inspirações de Gabriel, o professor Gabura menciona outro aspecto igualmente importante trabalhado nos cursos, para além das perspectivas individuais: a representatividade. Fora o CCBJ Online, outros jogos produzidos por alunos atuam com a questão da territorialidade do Grande Bom Jardim, como o “Caskinha está viva!”, “Floresta de aço” e “Perdido no meu bairro”.

“Eu sei da importância dos jogos na parte dos negócios, mas também vejo muito sua importância cultural. Os jogos são plataformas para que os alunos expressem suas ideias. No ‘Perdido no meu bairro’, a gente fez uma discussão com a turma sobre quais são as urgências que os alunos queriam colocar dentro do jogo”, explica Gabura, que indica que a personagem principal do game conhece o próprio bairro somente a partir de histórias que escuta dos amigos da escola ou que são retratadas na TV.

“O jogo é uma forma de expressão. Assim como poderia ser um curta metragem ou uma peça de teatro. Então, eu vejo o potencial dos jogos com essa possibilidade”, declara.

Alunos concludentes do curso de extensão em Desenvolvimento de Jogos Digitais CCBJ/UFC. Responsáveis pela produção dos jogos "Floresta de Aço" e "Caskinha Está Viva", projetos finais do curso(Foto: CCBJ / Divulgação)
Foto: CCBJ / Divulgação Alunos concludentes do curso de extensão em Desenvolvimento de Jogos Digitais CCBJ/UFC. Responsáveis pela produção dos jogos "Floresta de Aço" e "Caskinha Está Viva", projetos finais do curso

Cria do Bom Jardim e que hoje está entre os principais nomes do desenvolvimento de jogos no Ceará, Vinicius Lima também participa do projeto do CCBJ como professor. Sócio e cofundador da Studio 85, ele relembra das dificuldades para ingressar nesta profissão em seu início de carreira. “Quando comecei, me disseram que essa era uma profissão elitista”, diz, contando que hoje tem buscado justamente reverter essa imagem a partir da maior popularização do conhecimento sobre a área.

“Primeiro de tudo, estamos falando sobre a democratização da profissão”, afirma, mencionando também a importância de uma boa base de apoio que permita com que novos profissionais possam realizar seus trabalhos e assim formar portfólios para ingressar de maneira consistente no mercado. “É que literalmente a gente perde ótimos talentos. Então, as pessoas que tiverem uma oportunidade vão fazer o possível e se dedicar para evoluírem ainda mais”, complementa.

Equipamento vinculado à Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE) e gerido pelo Instituto Dragão do Mar, o CCBJ trabalha atualmente com a perspectiva de transformar algum de seus cursos de jogos digitais em uma formação técnica com reconhecimento do Conselho Estadual de Educação. Enquanto isso não se concretiza, a missão é continuar na mesma pegada com o intuito de transformar o trabalho realizado em uma referência.

Diêgo Barros

“Vamos fazer nosso celeiro de craques de desenvolvimento de jogos ser reconhecido na Cidade, no Estado e no País” – Diêgo Barros

 

 

Outras escolas de formação em games

Em Fortaleza, diversas outras escolas trabalham com o ensino de jogos eletrônicos. Abaixo, confira algumas delas:


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