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Identificação de autores de homicídios cresce em Fortaleza, mas ainda não chega a 1/3
Reportagem Especial

Identificação de autores de homicídios cresce em Fortaleza, mas ainda não chega a 1/3

Levantamento exclusivo do O POVO mostra que, em 2022, 29,1% dos assassinatos na Capital tiveram denúncia ofertada à Justiça

Identificação de autores de homicídios cresce em Fortaleza, mas ainda não chega a 1/3

Levantamento exclusivo do O POVO mostra que, em 2022, 29,1% dos assassinatos na Capital tiveram denúncia ofertada à Justiça
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Se os assassinatos em Fortaleza fossem livros, menos de 3 a cada 10 casos teriam o assassino revelado ao final. Levantamento exclusivo do O POVO localizou 846 inquéritos policiais instaurados em 2022 para investigar casos de homicídios em Fortaleza — ao todo, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), ocorreram 850 assassinatos na Capital no ano passado. Foi verificado que 246 inquéritos (29,1% do total) resultaram em acusações pelo Ministério Público Estadual (MPCE). 

O número pode parecer pequeno, mas já é uma evolução, pelo menos, em relação a 2021, quando o mesmo levantamento feito por O POVO identificou que, em maio de 2022, 17,5% dos assassinatos ocorridos em Fortaleza viraram, de fato, ação penal a ser julgada pelo Tribunal do Júri.

Centro Integrado de Segurança Pública (CISP) do Ceará(Foto: Samuel Setubal/ especial para o povo )
Foto: Samuel Setubal/ especial para o povo Centro Integrado de Segurança Pública (CISP) do Ceará

O levantamento de O POVO ainda aponta que 475 (56,1% do total) ainda estão em andamento, ou seja, podem, no futuro, vir a formar indícios suficientes para que o MPCE ofereça denúncia. Por outro lado, 103 inquéritos foram arquivados, seja por falta de provas (93, ou seja, 11% do total), seja porque o suspeito identificado veio a óbito (9, ou 1,1%), seja pelo entendimento que houve legítima defesa no caso (2, ou 0,2% do total).

Houve também cinco casos (0,6% do total) em que a autoria do crime foi identificada como sendo de um adolescente e 12 casos em que não foi possível saber o andamento da investigação porque os processos estavam em segredo de Justiça. Por fim, não foi possível saber a situação de cinco inquéritos porque eles não foram encontrados judicializados. Ao fim deste texto, o leitor pode ver a lista completa do estado do andamento das investigações de cada um dos 846 inquéritos localizados pelo O POVO.

A Polícia Civil cumpre mandados relacionados a homicídio em Potengi (Foto: divulgação)
Foto: divulgação A Polícia Civil cumpre mandados relacionados a homicídio em Potengi

Em 2022, conforme a Polícia Civil, 655 pessoas suspeitas de envolvimento com homicídios foram capturadas, seja em flagrante ou cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária. Foi um aumento de 23,35% em relação a 2021, quando 531 pessoas haviam sido capturadas. A Polícia ainda destacou que, em 2022, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) apreendeu 98 armas e cumpriu 271 mandados de buscas e apreensão.

Em nota, a Polícia Civil creditou o aumento da elucidação de homicídios a estratégias adotadas pela corporação e a investimentos na área da Segurança Pública. Entre as iniciativas estão o aumento do efetivo do DHPP.

O POVO solicitou à Polícia Civil o número de inquéritos relatados com indiciamentos, mas a corporação não informou. Ainda em 2022, O POVO havia feito o mesmo questionamento, mas foi informado que o índice estava passando por uma reformulação, discutida nacionalmente para que haja uma padronização do dado. Até o momento, o índice de esclarecimentos de homicídios não foi divulgado.


Em setembro de 2021, último ano em que a estatística foi publicizada, a Polícia Civil divulgou que, no primeiro semestre daquele ano, 8,9% dos homicídios haviam sido esclarecidos em Fortaleza. Em 2020, esse número havia sido de 11,9% e, em 2019, 21,5%.

A nota da Polícia Civil ainda reforça o desempenho dos servidores que possibilitou a melhoria dos indicadores. “Também é importante destacar o emprego de técnicas investigativas avançadas, a troca de informações entre as instituições parceiras, além do trabalho de inteligência desenvolvido pelos policiais civis”, também afirmou a corporação.

“As investigações resultaram na identificação e na prisão de chefes de grupos criminosos e de pessoas ligadas diretamente a mortes registradas. Essas prisões refletem na redução de CVLIs (Crimes Violentos Letais e Intencionais, ou seja, homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte), uma vez que a motivação das mortes, em geral, está relacionada com o envolvimento com tráfico de drogas ou a disputa por territórios entre grupos rivais”.

 

 

Como estão as investigações de homicídios em Fortaleza e o que dizem as investigações já concluídas

Levantamento exclusivo do O POVO foi atrás de todos os inquéritos instaurados para apurar os 850 assassinatos ocorridos em Fortaleza em 2022

 

Andamento dos inquéritos instaurados

 

Motivação do crime

 

Facções envolvidas

 

 

Facções seguem sendo as principais fomentadoras de homicídios em Fortaleza

Organizações criminosas aparecem em 56,91% dos assassinatos que tiveram denúncias oferecidas 

Dentro das 246 denúncias referentes a homicídios registrados em Fortaleza analisadas pelo O POVO, um agente catalisador para os crimes em específico salta aos olhos: as facções criminosas. Tais grupos são citados em 140 denúncias (56,91% do total), em suas várias formas de atuar.

No levantamento, a facção criminosa Comando Vermelho (CV) foi a que mais apareceu dentre os homicídios que tiveram denúncia ofertada. Foram 76 assassinatos atribuídos ao grupo de origem carioca, o que representa 54,7% do total. Em seguida, vem a facção Guardiões do Estado (GDE), citada em 32 casos e a facção Massa Carcerária, que foi citada em 26.

O POVO classificou os crimes praticados por facções em três categorias. A rivalidade entre as grupos foi a mais frequente, aparecendo 61 vezes (23,2%). São casos em que o crime é atribuído ao fato de executores e vítimas pertencerem a facções inimigas, como foi no caso da Chacina do Lagamar — que deixou quatro mortos na comunidade do bairro São João do Tauape em 18 de fevereiro de 2022.

Conforme a investigação, as vítimas, anteriormente, eram aliadas aos executores, uma vez que todos integravam a facção GDE. Entretanto, alguns homens que exerceriam cargos de chefia no grupo criminoso decidiram integrar a facção carioca Terceiro Comando Puro (TCP), o que foi considerado uma traição pela GDE. Isso teria motivado a chacina, já que, conforme denúncia, os mortos eram subordinados aos chefes que romperam com a GDE.

Já na categoria “ataque de facção” (23 casos, 8,6% do total) se encaixam casos em que, por exemplo, integrantes de um grupo adentram territórios onde atuam inimigos e passam a disparar como se qualquer um que lá estivesse também fosse rival. Foi o que aconteceu no caso que vitimou Abraão Lucca da Silva Costa, bebê de apenas 9 meses de idade, no bairro Pici. Integrantes do CV deram uma “batida” em um território com criminosos da GDE e, ao encontrarem dois deles que estavam ao lado de outras pessoas, começaram a disparar, atingindo Abraão Lucca.

A terceira motivação que incide atuação desses grupos é “Descumprimento de determinação de facção”, quando os “códigos de condutas” das organizações teriam sido infringidos. Pode ser uma delação à Polícia, praticar crimes como roubo ou estupro onde as facções atuam, andar em “território inimigo”, paquerar mulheres comprometidas com facionados, etc.

Os motivos são tão variados quanto arbitrários. No caso de Antônio Gracileudo Tavares, morto em 2 de abril no bairro Pici, a vítima se recusou a sair de sua casa após ser expulso por membros da GDE. “FULEU (como a vítima era conhecida) residia na casa de herança da mãe, e sempre dizia na rua que só entregava a casa quando morto”, disse uma testemunha.

Já no caso de Rogério Felipe Pacheco, assassinado em 10 de abril no Guajeru, o “descumprimento” foi a um toque de recolher imposto pelo CV. Como havia um confronto entre a facção e sua dissidência, a Massa, ninguém poderia andar na rua pela madrugada, como fez a vítima e uma mulher que o acompanhava — ela também foi baleada mas sobreviveu.

Latrocínio (22 casos, 8,2% do total), motivos banais (18 casos, 6,7% do total) e feminicídio e vingança (ambos com 10 casos, 3,7% do total) foram as motivações mais citadas nas denúncias feitas pelo MPCE. Em 21 de abril último, O POVO contou as histórias dos casos de feminicídios registrados em Fortaleza em 2022 na reportagem Calendário do feminicídio.

 

 

O que os números dizem sobre o perfil de quem é assassinado em Fortaleza

Dados da SSPDS referentes a 2022 mostram que, mais uma vez, jovens, moradores de periferia, de baixa escolaridade são as principais vítimas da violência, que costuma ocorrer com uso de arma de fogo, nos fins de semana e à noite

 

Assassinatos por região em Fortaleza


Natureza do crime

 

Assassinatos por dia da semana

 

Homicídios por arma usada


Pelo sexo da vítima


Pelo horário do crime


Idade da vítima

 

Escolaridade da vítima


Pela raça/cor da vítima

 


 

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