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Violência ameaça turismo no Ceará e no Brasil
Reportagem Especial

Violência ameaça turismo no Ceará e no Brasil

Embora não haja relação direta entre fluxo de visitantes e taxa de criminalidade, segmento aponta obstáculos trazidos por episódios de violência no Estado

Violência ameaça turismo no Ceará e no Brasil

Embora não haja relação direta entre fluxo de visitantes e taxa de criminalidade, segmento aponta obstáculos trazidos por episódios de violência no Estado
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"Pé na areia, a caipirinha, água de coco, a cervejinha". Esses versos interpretados pelo sambista Diogo Nogueira poderiam muito bem descrever o que um turista espera encontrar no Ceará e em boa parte do Brasil.

Contudo, conforme o Índice Global da Paz (GPI, na sigla em inglês), elaborado e publicado anualmente pelo Instituto para Economia e Paz (IEP), o Brasil é apenas o 132º país mais pacífico do mundo, em uma lista com 163 nações.

Por outro lado, aparece como o 15º mais seguro para o turista, em ranking desenvolvido pela seguradora americana Berkshire Hathaway Travel Protection.

A dubiedade de apresentar, ao mesmo tempo, altas taxas de criminalidade, mas relativa boa estrutura de proteção ao turista, talvez explique porque o Brasil é apenas o 44º país mais visitado do mundo, entre 58 nações pesquisadas pela Organização Mundial do Turismo.

 

Vídeo com tentativa de assalto na praia do Cumbuco viralisa e acende alerta na cadeia turística do Ceará (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Vídeo com tentativa de assalto na praia do Cumbuco viralisa e acende alerta na cadeia turística do Ceará

A questão volta à tona quando ocorrem episódios de violência em alguns dos principais destinos turísticos do Estado e do País.

No Ceará, por exemplo, entre o fim do ano passado e os primeiros dias de 2024, pelo menos, duas ocorrências envolvendo turistas ganharam destaque na mídia convencional e nas redes sociais: o estupro de uma turista em um sítio no município de Cruz e a tentativa de assalto a um grupo de visitantes que faziam um passeio de buggy nas dunas do Cumbuco, em Caucaia.

No Rio de Janeiro, em outubro de 2023, três turistas foram assassinados na Barra da Tijuca, confundidos com desafetos de milicianos.

Voltando ao Ceará e retroagindo dez anos no tempo, um dos casos mais marcantes foi o do assassinato da turista italiana Gaia Molinari.

Tais episódios de grande repercussão e a sensação de insegurança, são considerados limitadores da expansão dos investimentos em turismo, principalmente, fora dos grandes centros, conforme representantes do segmento ouvidos por O POVO.

No caso específico do Ceará, o Estado figura como o 5º com maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes, 37,5, do Brasil, e segundo na região Nordeste, atrás apenas da Bahia, com 48 homicídios por 100 mil habitantes, conforme o último relatório do Atlas da Violência, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

 Vera Lúcia da Silva, representante dos meios de hospedagem do Ceará do Hotel alerta para o agravamento da situação de violência no Ceará (Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Vera Lúcia da Silva, representante dos meios de hospedagem do Ceará do Hotel alerta para o agravamento da situação de violência no Ceará

Paradoxalmente, ambos os estados apareciam entre os dez mais visitados do País, com a Bahia na terceira e o Ceará na oitava colocação nacional. Além deles, também o Pará aparece nas dez primeiras posições nos dois rankings.

O cruzamento de dados não permite, portanto, em um primeiro momento, fazer uma associação entre os índices de criminalidade e o número de visitantes recebidos, mas representantes do setor turístico estadual veem a problemática da violência com bastante preocupação.

Para a presidente da Associação dos Meios de Hospedagem e Turismo do Ceará (AMHT-CE), Vera Lúcia da Silva, tanto o Brasil quanto o Ceará já passam há muitos anos por esse processo de piora na segurança pública.

"Todos os estados sofrem com essa insegurança porque, na verdade, existe uma omissão, seja dos governos estaduais seja das prefeituras em entrar num acordo em relação a esse problema que afeta o cidadão comum e o turista. Não existe uma união para resolver esse problema”.

“Todo mundo hoje busca por segurança. Ninguém quer sair do seu estado para visitar outro e ser assaltado ou correr o risco de ser morto em uma viagem de turismo. Ninguém, em nenhum país do mundo aceitaria isso, mas o Brasil aceita isso há muitos anos. Então, por mais que os empresários tentem se organizar, a insegurança, infelizmente, é um fator muito sério. E precisa de uma política pública séria, mas não é o que hoje a gente tem visto no Brasil”, acrescenta Vera Lúcia. 

Por sua vez, o diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Agências de Viagens do Ceará (Abav-CE), Murilo Santa Cruz, diz que a segurança pública é um dos gargalos do turismo no País, onde a criminalidade está matando mais do que nas guerras no Oriente Médio.

"A gente começa a relativizar, mas não é natural não poder frequentar determinada parte de uma cidade, às vezes, o próprio centro, em determinado horário da noite, como se faz na Europa”.

“A segurança é um dos principais pontos que o turista observa quando vai escolher um destino. Se um norte-americano ou europeu pensa em visitar o Brasil e toma conhecimento desses problemas, ele termina indo para outros países. Ele acaba indo para o Caribe, para a Ásia, para a Oceania ou mesmo para outros países da América do Sul, que sofrem menos os efeitos da violência, tais como o Uruguai e o Chile”, exemplifica.

 Ivana Bezerra, do Visite Ceará afirma que o maior problema do turismo do Estado não é a violência, mas a redução das malhas aéreas nacionais e internacionais(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Ivana Bezerra, do Visite Ceará afirma que o maior problema do turismo do Estado não é a violência, mas a redução das malhas aéreas nacionais e internacionais

Embora concorde que episódios de violência no Brasil e no Ceará tenham potencial para impactar o turismo, a presidente do Visite Ceará, Ivana Bezerra, aponta que não é possível generalizar casos que considera pontuais, como os de Cruz e do Cumbuco.

“Eu sou totalmente a favor de melhorar sempre a segurança das cidades, mas esses dois casos ocorreram em lugares mais isolados, um em uma duna e outro em um sítio, locais onde não era possível ter um policiamento ostensivo”, ponderou.

Para Ivana, o maior gargalo para a expansão do turismo no Estado é a redução nas malhas aéreas doméstica e internacional.

Sobre o impacto da violência, a Secretaria do Turismo do Ceará (Setur-CE), defende, em nota, ao O POVO, que o turismo é um setor transversal.

"Por essa razão a Setur dialoga de forma permanente com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), a fim de garantir a segurança de todos os cearenses e visitantes nos equipamentos e destinos turísticos."

Frias ainda que as ações adotadas são coordenadas pela SSPDS, por meio do Batalhão de Policiamento Turístico (BPTur/PMCE).

"Em conjunto com as outras unidades de segurança do Estado, o órgão executa estratégias tanto preventivas como resolutivas dos casos, com policiamento intensivo e ostensivo feito com rondas, bicicletas e bases fixas."

 

 

Capacitação de bugueiros é trunfo

Capacitação e conhecimento da região são aspectos que contam para segurança dos turistas que visitam Cumbuco e usam os serviços dos bugueiros(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Capacitação e conhecimento da região são aspectos que contam para segurança dos turistas que visitam Cumbuco e usam os serviços dos bugueiros

Embora haja preocupação com a repercussão da tentativa de assalto em duna do Cumbuco, bugueiros que atuam lá e em outros destinos que oferecem esse tipo de passeio no Ceará destacam que o treinamento e a qualificação são trunfos para evitar novos episódios.

O conhecimento das regiões em que atuam ajuda a garantir a segurança dos turistas tanto do ponto de vista da prevenção de acidentes quanto para evitar transitar em áreas mais propensas a ações de criminosos.

Mesmo assim, o reforço na fiscalização e no policiamento, no entorno das áreas de dunas é um aliado bem-vindo, de acordo com bugueiros ouvidos pela reportagem.

Reforço do policiamento é alívio para os empresários que atuam na Praia do Cumbuco e para os turistas que visitam o lugar (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Reforço do policiamento é alívio para os empresários que atuam na Praia do Cumbuco e para os turistas que visitam o lugar

Natan Souza, que trabalha há pouco mais de dez anos transportando turistas pelas formações arenosas do Cumbuco comemora que foram deslocadas, após o episódio, duas viaturas para circularem pela região. “Isso dá uma segurança total para todos, turistas e para gente que é bugueiro porque a insegurança está em todo o Brasil”, pondera.

Ele destaca que o serviço na localidade é organizado por meio de uma cooperativa a reunir 189 bugueiros.

“Os buggys são todos credenciados, autorizados para fazer essa parte de dunas e as trilhas para conhecer as lagoas. Tem o seguro-passageiro, para o caso de algum acidente. E, por isso, a gente é muito procurado o ano inteiro”, exalta.

Já o bugueiro Rodrigo Gurgel, que trabalha transportando turistas em Paracuru, afirma que o policiamento no município é reforçado e não há registros de tentativas de assalto durante passeios nos chamados Lençóis Paracuruenses.

Ele disse acreditar que a repercussão do caso no Cumbuco não teve qualquer impacto sobre o turismo em outras regiões do Estado.

“Os turistas entenderam que são casos isolados. Eu não sei que loucura foi essa, mas felizmente, esses caras estão presos”, comemorou.

 

 

Prevenção é estratégia em Aracati

 

Prestes a receber um grande fluxo de turistas no Carnaval, notadamente após o anúncio da apresentação da cantora Ivete Sangalo, o município de Aracati aposta na prevenção para evitar que criminosos tentem aproveitar a movimentação de pessoas para realizar delitos.

De acordo com o secretário de Segurança Pública de Aracati, Werisleik Matias, “haverá 50 homens do Corpo de Bombeiros nas praias e mais 300 homens da Polícia Militar por noite, fora isso tem o aporte da Polícia Civil com delegados em plantão com suas equipes e já estão sendo providenciado os alojamentos para esse efetivo”.

Coronel Werisleik Matias, Secretário de Segurança Pública do Aracati (Foto: IANA SOARES)
Foto: IANA SOARES Coronel Werisleik Matias, Secretário de Segurança Pública do Aracati

Sobre o trabalho de prevenção relacionado ao transporte de turistas por buggys e quadriciclos, o secretário destaca o trabalho de credenciamento dos profissionais que atuam nesses passeios.

“Eles são todos inspecionados pela Guarda Municipal do Aracati. Então, tudo isso traz essa sensação de segurança. Com relação aos guias turísticos a secretaria do Turismo credencia e a de Segurança vai atrás de saber quem é o guia, levanta todos os dados dele para que a gente possa receber o turistas de forma segura”, detalha.

 


Alta estação é foco para SSPDS

O período da alta estação tem sido o principal foco das ações da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) voltada para a proteção do turista, conforme nota enviada ao O POVO pela Pasta.

“A Polícia Militar do Ceará (PMCE) realiza, desde dezembro de 2023, a Operação Alta Estação, com foco na atuação no litoral. Os trabalhos são executados pelo Batalhão de Policiamento Turístico (BPTur), com apoio de outras unidades como o Regimento de Polícia Montada (RPMont), Policiamento Ostensivo Geral (POG), Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio) e Batalhão de Policiamento de Meio Ambiente (BPM)”, explica o comunicado.

O informe lembra que a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) conta com a Delegacia de Proteção ao Turista (Deprotur), unidade especializada para a proteção e investigação de crimes contra turistas. A delegacia fica na rua Costa Barros, 1971, no bairro Aldeota (em Fortaleza).

"Como o turista tem data para retornar para sua cidade, o ideal é que o registro do Boletim de Ocorrência seja feito de maneira presencial. Nos demais municípios cearenses, o procedimento deve ser feito na delegacia que responde pela região”.

Sobre as oito Áreas Integradas de Segurança (AIS) que abrangem os municípios com maior potencial turístico do Estado (excetuando Fortaleza), a SSPDS destaca que, considerando as AIS 11, 13, 14, 15, 17, 18, 19 e 23, foram realizadas 833 capturas em flagrante durante o ano de 2023, relacionadas aos Crimes Violentos contra o Patrimônio (CVPs), como são tipificados os roubos.

Os dados foram compilados pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp).

Conforme classificação da própria SSPDS, o Ceará está dividido em 25 AISs, sendo 10 na Capital e 15 em municípios litorâneos ou do Interior.

Dos oito que abrangem os principais destinos turísticos, quatro registaram mais de 1 mil roubos (ou CVPS) em 2023, enquanto outros quatro registraram menos de 500 ocorrências do tipo no ano passado.

 

 

Veja os dez maiores índices de homicídios por 100 mil habitantes

 

  

União aposta em programa para reforçar segurança

Voltando a falar do contexto nacional, o Ministério do Turismo (MTur) também enviou nota respondendo questionamento do O POVO sobre ações de proteção a quem visita o Brasil.

No comunicado, a Pasta disse lamentar “os fatos ocorridos envolvendo turistas e observa que segundo o Decreto nº 11.416, de 16 de fevereiro de 2023, a Pasta tem a atribuição de fomentar, elaborar, executar, avaliar e monitorar os planos, os programas, os projetos e as ações relacionados à promoção da segurança turística”.

Nesse sentido, o MTur destaca o Programa Turismo Seguro e a realização do Fórum de Segurança Turística.

“A iniciativa contempla 59 ações, divididas em sete eixos de atuação, e que englobam segurança pública, prevenção à exploração sexual de crianças e adolescentes no turismo, relações de consumo, transporte, defesa civil, vigilância sanitária e comunicação positiva”, diz a nota.

O MTur também articula um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para a adoção de ações voltadas à segurança turística.

A parceria prevê iniciativas como a capacitação de policiais para o atendimento a turistas e o desenvolvimento ou o fortalecimento do policiamento local em atrativos turísticos de estados e municípios.

 

  

Veja os estados mais visitados do Brasil

 

 

O que dizem turistas e comerciante

Pouco visitante e falta de energia 

Cleide Nunes, comerciante, critica mudanças nas barracas da praia e a falta de energia elétrica(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Cleide Nunes, comerciante, critica mudanças nas barracas da praia e a falta de energia elétrica

Desde que foram derrubadas as antigas barracas de praia do Cumbuco, onde as pessoas gostavam de ficar, não temos mais turismo como tínhamos antes.

É um pingo lá e um pingo aqui e, consecutivamente, veio a insegurança porque ficou uma coisa mais aberta para quem quer assaltar.

O coração do turismo no Cumbuco eram as barracas e onde elas ficavam as áreas estão mais desabitadas. Veio toda uma insegurança, por conta disso.

E, em paralelo, a gente vem enfrentando também a questão da falta de energia. Hoje mesmo (no dia que a reportagem foi ao Cumbuco) faltou luz das 11h até as 15h.

Os assaltantes aproveitam ainda mais à noite, quando não tem luz.

(*) Cleide Nunes, comerciante

 

Policiamento aumenta sensação de segurança

Jeane Dantas e a amiga Leina em visita à praia do Cumbuco: criminalidade aumentou (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Jeane Dantas e a amiga Leina em visita à praia do Cumbuco: criminalidade aumentou

Sou de Juazeiro do Norte e vim com minha amiga Leina, que é de Fortaleza. Já tinha vindo aqui outras vezes, mas senti que tem menos turistas, não sei se por conta do episódio da tentativa de assalto, mas com certeza ali repercutiu muito negativamente para todo o nosso Estado, que é bem visitado.

Agora, nas praias eu tenho percebido também mais policiamento. Acredito que isso será positivo e faz com que a gente se sinta realmente segura.

Lá em Juazeiro, a criminalidade também avançou muito, mesmo com a cidade se desenvolvendo, mas nos pontos turísticos ainda dá para sentir segurança, principalmente naquela parte do Horto (onde fica a estátua de Padre Cícero).

(*) Jeane Dantas, turismóloga

 

Tentativa de assalto repercutiu muito 

Vilma Evangelista, aposentada(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Vilma Evangelista, aposentada

Agora está melhor com viaturas passando pela praia de vez em quando. Também ficou muito melhor com aquela base da Polícia Militar na praça. Ficou mais tranquilo e eu gostei.

Eu e meu esposo viemos de Aracaju para o Ceará há mais de 30 anos e moramos na sede de Caucaia, mas sempre que podemos visitamos o Cumbuco. Aquilo (a tentativa de assalto a bugueiros) foi muito grave.

Todo mundo ficou com medo e repercutiu no Brasil inteiro e até fora do País, por causa da internet. Meu genro que é francês e minha filha ficaram sabendo antes de virem pra cá e ficaram preocupados conosco, mas agora melhorou bastante.

Vilma Evangelista, aposentada

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