Uma troca de olhares, uma mexidinha nos cabelos ou um gesto com a mão. Esses são alguns indícios de que um flerte está acontecendo. Sinais como esses são comuns de serem observados quando uma pessoa se depara com alguém que lhe desperta interesse. Mas, qual o limite dessa aproximação? E o que acontece com o flerte quando se está em um relacionamento?
E mais, como o flerte ocorre dentro de novas dinâmicas de relacionamento, com cada vez mais casais aderindo a
A verdade é que nenhuma das respostas para essas perguntas é simples, ou mesmo única. A caminho do trabalho, comprando lanche na padaria, passeando em uma praça ou andando pela calçada... As possibilidade de nos depararmos com alguém que nos desperte o desejo, ou, causar tal sentimento em outros são incalculáveis, fora as inúmeras consequências dessa interação.
“O ser humano, assim como outras espécies, é considerado um sujeito social, então, de certa forma, ele já tem uma sensibilidade maior a esses estímulos”, explica João Ilo, psicólogo e professor do departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, sobre o interesse que uma pessoa pode despertar na outra.
O desejo de flertar pode ser considerado uma resposta a esse estímulo externo, no qual uma pessoa chama a atenção de outra voluntariamente ou não. Quem recebe o flerte pode passar a também sentir a necessidade de retribuir e de chamar a atenção do outro, mesmo que seja um desconhecido.
O "flerte", porém, também pode ser desconfortável e, a depender da aproximação, deixa de ser uma paquera e pode dar lugar ao assédio.
Tanto os fatores de origem do flerte quanto as reações dos indivíduos a ele variam de acordo com a vivência e o histórico de cada parte envolvida, além da própria cultura na qual se está inserido, conforme afirma a fundadora do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Alessandra Xavier.
Uma pesquisa realizada em 2024 pelo aplicativo de relacionamento Tinder indica que fatores ideológicos também podem ter influência sobre os desdobramentos de um flerte.
O levantamento mostra que em torno de 78% dos homens e 84% das mulheres que utilizam o aplicativo e buscam um relacionamento heterossexual têm vontade de ter uma parceria "igualitária".
Apesar disso, no cenário atual de relações amorosas, as mulheres tendem a ter valores progressistas, mas ainda se apegam a algumas "normas tradicionais" de relacionamento.
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A plataforma indica ainda que os homens não sabem lidar com os posicionamentos mais liberais das mulheres. Alguns relataram se sentirem "inseguros" diante de mulheres que assumem posicionamentos e tomam a iniciativa na hora do flerte.
Além disso, mesmo que já não mais dependam de um homem para se sustentarem financeiramente e busquem por relacionamentos igualitários, a pesquisa aponta que elas ainda apreciam gestos de cavalheirismo, tanto em moldes "tradicionais", quanto em maneiras "mais modernas" de agir.
Os novos modos de cortejar considerados pelo público feminino do Tinder são relacionados à demonstração de preocupação e cuidado, à desconexão de distrações virtuais em momentos juntos e à expressão de elogios sinceros.
Tais comportamentos e reações, porém, não são universais e são diretamente influenciados por outros aspectos como: classe social, idade, identificação racial, sexualidade, faixa etária, traumas e relacionamentos passados, entre outros.
Em razão disso, é compreensível que haja insegurança na hora de flertar, visto que é muito difícil prever qual será a resposta dessa interação. A imprevisibilidade da reação, no entanto, também pode se tornar um combustível para o desejo de paquerar alguém, já que desperta sensações de emoção e excitação.
“O flerte pode gerar uma expectativa grande e trazer uma grande emoção, uma grande alegria, mas também pode causar uma grande frustração, uma grande decepção”, diz a colunista do O POVO+, psicóloga clínica e terapeuta sexual Zenilce Bruno.
Flertar se trata de uma ação que envolve as emoções e, por isso, pode ter diferentes causas e, ainda, desencadear reações diversas. O ato também pode trazer diversos benefícios psicológicos e, por isso, o quase nunca passa despercebido pelos envolvidos na situação.
A vontade de flertar pode ser motivada por elementos como a vontade de se sentir admirado, a busca por uma satisfação momentânea ou até mesmo a real procura por um parceiro. “Quem recebe o flerte pode se sentir desejado, admirado e reconhecido, mas também pode se sentir invadido, agredido, desrespeitado, atacado e violentado”, explica a professora e psicóloga Alessandra Xavier.
Apesar dos eventuais pontos positivos para quem recebe o flerte, a especialista alerta que é importante compreender que nem todos estão dispostos a corresponder a um flerte e, por isso, é preciso estar atento às reações e às respostas negativas à paquera.
É comum pensar o flerte como algo que é majoritariamente praticado por quem é solteiro. Mas o que acontece se a pessoa que toma a iniciativa de flertar estiver em um relacionamento? Ou se o alvo do flerte estiver em um relacionamento monogâmico de longa data.
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Isso pode ocorrer por razões não necessariamente relacionadas com algum tipo de crise no relacionamento ou infidelidade. “Às vezes, pode ser só uma questão de autoestima, por exemplo. A pessoa quer flertar, porque quer ver se alguém dá atenção e, por isso, sente-se bem”, diz o psicólogo João Ilo.
Estar comprometido em um relacionamento fechado não significa fechar os olhos para todas as outras pessoas. Além de isso ser bastante difícil, conforme analisam os especialistas ouvidos pelo O POVO+, pode acarretar em um mal-estar entre os próprios integrantes da relação, que podem não se sentir confortáveis com muitas limitações.
Primeiro, veio a troca de olhares. Depois, as conversas, troca de mensagens e, então, uma forte amizade, que evoluiu para um vínculo amoroso. Foi assim, de forma tradicional e romântica, o início do relacionamento dos cearenses Hallison José de Oliveira, de 20 anos, e Amanda Lilian Monteiro, de 24 anos.
O casal de jovens se conheceu em 2021 em uma pizzaria de Fortaleza, onde o rapaz trabalhava como garçom. Desde então, eles mantêm um relacionamento repleto de paixão, carinho e afeto.
Os amantes contam que foi em meio ao frenesi do amor que apenas os recém-apaixonados são capazes de sentir que eles decidiram abrir seus respectivos corações para uma discussão que permanece sendo um tabu imensurável para inúmeros casais: O que irá acontecer se alguém nos despertar interesse agora que não somos mais solteiros?
A reflexão, no caso do casal, foi fluída e natural, já que ambos já haviam refletido sobre a não monogamia em momentos anteriores, mesmo que nunca tivessem tido experiência alguma com o tema antes.
Após algum tempo de conversa e boa dose de sinceridade e responsabilidade afetiva, o atendente telemarketing e a auxiliar administrativo optaram por ter um relacionamento aberto.
“Enquanto estávamos nos conhecendo, fomos conversando sobre ter uma relação aberta. Eu sempre fui mente aberta quanto a isso”, relata o jovem. O casal conta que não vê problemas em flertar com outras pessoas, pois o modelo de relacionamento de ambos permite que isso aconteça.
Ambos enfatizam que essa dinâmica somente é possível desde que as regras pré-estabelecidas pelos dois em conversas sejam respeitadas e que ambos sejam sempre sinceros um com o outro, garantindo assim o respeito, a confiança e a conexão entre os dois.
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Uma comunicação efetiva entre o casal e transparência mútua são essenciais para manter a relação saudável quando se toca nesse assunto.
A principal medida que pode ser tomada para evitar problemas nesse sentido é o diálogo aberto e totalmente honesto, sem se ofender ou projetar as próprias inseguranças na vontade do outro, além de expressar as próprias vontades sem se valer das inseguranças e medo da(s) outra(s) pessoa(s) envolvida na relação.
Para os cearenses Hallison e Amanda, as conversas e discussões devem ser baseadas no consenso e, principalmente, no conforto dos parceiros em um relacionamento. A jovem relata que, no começo, os diálogos do casal tinham o objetivo de conciliar os desejos e o bem-estar de cada um.
“Era bastante comum, nas conversas iniciais, trazermos hipóteses sobre coisas que poderiam acontecer e de que poderíamos gostar ou não”, lembra Amanda. O casal detalha que a relação tem essa dinâmica não porque querem simplesmente "flertar e se envolver com diversas pessoas", mas sim porque, caso surja alguém que lhes desperte desejo em algum momento, eles não querem sentir a frustração de suprimir essa vontade natural.
"Não é porque o relacionamento é aberto que ele acontece de qualquer jeito. Existem regras e muita conversa para que a relação se sustente assim como qualquer outra"
A terapeuta Zenilce Bruno reforça que existem muitos tipos de relacionamentos e que é responsabilidade dos parceiros a discussão e a criação de normas e regras para a relação independentemente do formato e especificidades da relação.
Conforme a especialista, o importante é ter consciência de que flertar com outras pessoas enquanto se está em um relacionamento pode ser algo mais natural do que pensamos, e, por vezes, o limite entre um flerte e uma traição será bastante tênue. Em outro contexto de relações, contudo, a prática, pode ser até mesmo incentivada.
Apesar dessa pluralidade de configurações, em ambos os casos, as tecnologias usada para mediar relações humanas, desde aplicativos de troca de mensagens instantâneas como o WhatsApp, até aplicativos de namoro, como Tinder ou o Grindr, afetam diretamente as dinâmicas e possibilidades de paqueras.
O flerte é algo que pode acontecer de diversas maneiras e em diferentes ambientes, inclusive o digital. Existem diferenças tanto no modo como se flerta nas redes sociais e presencialmente quanto no tipo de interação que ocorre entre as partes envolvidas.
De acordo com psicólogo João Ilo, presencialmente as pessoas são submetidas a uma série de sinais verbais e não verbais durante o flerte que dificilmente são possíveis em um ambiente digital.
A terapeuta Zenilce Bruno concorda com o especialista defende que “quando se conhece alguém pessoalmente, é bem mais emocionante e flertar pode ser até mais desafiador, porque a conquista é simultânea. Gostou? Gostou. Não gostou? Não gostou”.
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“No flerte que acontece pessoalmente é um pouco difícil falar de modo mais direto com a outra pessoa. Ao vivo a interação acontece mais com olhares e gestos. É algo mais contido”, revela Hallison sobre o sentimento e a liberdade que detém de flertar com ou.
Enquanto presencialmente é possível ter uma transparência maior quanto às reações ao flerte, de modo virtual é mais difícil de identificar elementos como esses.
Na interação em ambiente digital, os indivíduos ficam reféns do que é dito/escrito e podem não ter uma noção clara de sinais que são possíveis no flerte presencial. Tanto João quanto Zenilce destacam que essa inconsistência facilita uma série de equívocos.
Na opinião de Hallison e Amanda, quando há o contato virtual com outra pessoa, o que se tem “é uma troca de mensagens com palavras que nem sempre são verdadeiras. Além disso, essa interação geralmente ultrapassa os limites do que foi acordado, já que a mensagem é menos momentânea que o contato presencial”.
O rapaz pontua ainda que não considera o flerte virtual algo completo, porque “são palavras que estão sendo escritas e a pessoa do outro lado está apenas lendo. Por exemplo, será que eu sou realmente assim como eu estou falando na mensagem? Na vida real, é muito mais difícil fingir ser o que não é”.
Apesar disso, Ilo destaca que também há aspectos positivos na paquera online. Nesse ambiente, é mais fácil, por exemplo, encontrar pessoas que têm gostos e personalidades compatíveis.
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Além disso, a timidez e a vergonha são menos evidentes na interação virtual, o que pode tornar as redes sociais elementos facilitadores na criação de relações, que, depois, podem evoluir para um contato presencial caso o flerte seja bem sucedido.
Seja na vida real ou no ambiente digital, as relações entre pessoas são complexas. Não podem ser limitadas a um molde padronizado. Pessoas são diferentes e, portanto, as dinâmicas dos relacionamentos acompanham essa diversidade.
A monogamia é o modelo de relação mais conhecido, já que a ocorrência dele predomina na sociedade humana. Trata-se de um tipo de relacionamento no qual uma pessoa se relaciona com apenas um(a) parceiro(a) amoroso e/ou sexual, explica a terapeuta sexual Zenilce Bruno.
Em contrapartida, existem os relacionamentos não monogâmicos, que consistem no estabelecimento consensual de vínculos amorosos e sexuais entre mais de dois parceiros. A poligamia, por exemplo, está inclusa nesse “guarda-chuva” que é a não monogamia.
De acordo com a terapeuta, é comum que a relação não monogâmica seja confundida com a situação de adultério e associada com algo "imoral" ou mesmo "sujo".
“É preciso ter muito cuidado. Não é isso. A não monogamia é um relacionamento estável com várias pessoas”, afirma ela. A especialista reitera que o afeto e o amor envolvido na relação jamais deve ser mensurado ou questionado diante da quantidade de pessoas envolvidas.
Apesar de terem premissas diferentes, há um elemento que pode proporcionar características em comum para a monogamia e para a não monogamia: a possibilidade de a dinâmica do relacionamento ser aberta ou fechada.
Ambos tipos de relação podem assumir essas duas modalidades. Enquanto em relacionamentos fechados os integrantes são parceiros fixos, e não se envolvem com outras pessoas que não façam parte da relação, em relacionamentos abertos, isso é possível com regras e limites previamente estabelecidos.
No caso de um relacionamento poligâmico, entre três ou mais pessoas, temos uma relação não monogâmica onde os indivíduos podem optar por ter um relacionamento fechado, no qual se relacionam apenas e exclusivamente entre si, ou podem ter a liberdade de uma relação aberta, onde mesmo amando todos os integrantes da relação, o grupo dispõe de liberdade para se relacionar com outras pessoas sem que isso afete a relacionamento.
É importante deixar claro que mesmo em uma relação aberta, não necessariamente, há uma poligamia ou um poliamor. As pessoas em relacionamentos aberto tendem a viver um amor entre si com a possibilidade de relações casuais, mas, em geral, sem envolvimento afetivo e sem incluir outros parceiros na relação inicial.
Dentro desse contexto, a poligamia e abertura de uma relação podem ser motivos para críticas, pois é uma dinâmica que foge ao modelo tradicional e ainda é alvo de extremo preconceito, agravado pelo desinformação sobre o tema.
“Sobre os estigmas da sociedade, eu vou dizer uma coisa. Em relação a amigos, isso é super bem aceito. A maioria dos nossos amigos super apoia e tudo mais. O grande problema é porque isso ainda é algo muito novo na sociedade, entendeu? [...] Antigamente, era menos comum ainda e, por isso, eu acredito que é mais difícil para as pessoas das gerações anteriores à nossa lidarem com isso”, destaca Hallison ao refletir sobre a visão da sociedade de seu relacionamento com Amanda.
A jovem por sua vez, discorda parcialmente do namorado, e afirma acreditar que a desinformação sobre o assunto seja o principal problema: "Eu acho que não é porque é escasso, é porque as pessoas não falam tanto".
As novas gerações, no entanto, parecem estar mais dispostas a aceitar essa forma de se relacionar. Embora mais da metade (52%) da
É o que aponta um levantamento feito pelo Tinder, que avaliou as preferências dos usuários do aplicativo da empresa. A análise, feita em 2023, mostra que ao menos 36% da Geração Z tem interesse em integrar um relacionamento aberto. Número este que tende a ficar mais expressivo nos próximos anos.
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O casal destaca ainda que não se importa com a opinião de terceiros já que "são felizes", mas reforçam que a aceitação por parte dos amigos é "bem melhor" do que por parte dos pais e familiares e que por conta disso, em geral são discretos com a própria dinâmica de relacionamento.
"Não é uma coisa que a gente fica compartilhando. Não por medo ou alguma coisa assim. É porque nunca chegaram pra perguntar. Se chegassem para me perguntar eu falaria", pondera Amanda ao fazer um paralelo com a situação em que precisou "assumir" sua bissexualidade.
Hallison afirma que também não possui o apoio de sua família. "Os nossos familiares, têm um conceito muito antiquado sobre isso, entendeu? Eles não concordam, eles não comentam... Pra eles não vale a pena", complementa.
Os amigos, por outro lado, de acordo com o casal, não apenas aceitam como gostam de conversar com os dois sobre a dinâmica de funcionamento da relação e aproveitam a proximidade para tirar as dúvidas sobre o relacionamentos abertos. "Acham legal e querem saber mais sobre, sabe?", completa Hallisson.
As trocas de experiências são usadas até mesmo para fazer novos amigos. "A gente fez amizade na última festa que a gente fez com um pessoal que já veio na nossa casa duas vezes, inclusive, porque a gente ficou com uma das pessoas", revela Amanda em tom bem humorado ao relembrar da situação.
Ao flertar com alguém estando comprometido, alguns fatores podem estar em risco. Fidelidade, autocontrole, responsabilidade afetiva e empatia são alguns dos elementos que podem ser postos em xeque em situações como essa.
Cada relacionamento, como visto acima, tem suas particularidades, e isso é o que determina como se dará a tolerância e a delimitação das ações dos indivíduos que os integram. O estabelecimento de regras pode auxiliar na transparência dos casais.
“Até hoje, depois de três anos de relacionamento, nós ainda conversamos sobre o que pode eventualmente nos incomodar e sobre o que nos deixa confortáveis, moldando nossa relação”, explica Amanda sobre o relacionamento com Hallison.
A professora Alessandra Xavier alerta que “é preciso pensar sobre até que ponto o flerte pode pôr em risco a relação e até que ponto se está disposto a assumir as consequências dessa ação”.
Amanda concorda que é necessário muito diálogo, mas discorda veementemente ser uma questão de maturidade ou "evolução". A jovem frisa que se trata de um acordo entre pessoas que se amam, se respeitam e são sinceras com seus sentimentos.
"Pode ser a pessoa mais madura do mundo. Se ela não quer para ela, se ela não se sente confortável, ela nunca vai ter um relacionamento aberto. Ou, se ela tiver, nunca vai dar certo. Eu não acho que a gente é maduro por causa disso. É uma coisa que, por sorte, deu certo para nós dois, que a gente se sente confortável porque fizemos as nossas regras. A gente podia ser até imaturo, mas ia dar certo porque isso é de nós dois", enfatiza Amanda.
Para além dos relacionamentos, também existem outros limites no ato de flertar que devem ser respeitados. Assim como é necessário ter cuidado com a fronteira entre flerte e traição, também é crucial estar atento entre o limite entre o flerte, a importunação, o assédio e a violência.
Alexandra fala que a paquera nem sempre será correspondida e, por essa razão, a insistência ou a aproximação de quem flerta pode ser malvista. “O flerte pode causar desconforto, incômodo e pode ser interpretado como um assédio [ou mesmo traição]”, afirma.
Por isso, é essencial ter ciência dos limites do flerte, da própria relação e dos sinais da outra pessoa, para que não seja gerado um mal-estar nela, além de atenção e zelo não apenas para com os próprios desejos, mas também para os do outro.
Indivíduos que fazem parte de relacionamentos que desafiam os modelos tradicionais podem sofrer alguns tipos de desdém e até preconceito. Estar em uma relação aberta ou não monogâmica pode ser um desafio nesse sentido, mas, com a conexão e o sentimento mútuo, isso pode ser superado. É o que enfatiza a terapeuta sexual Zenilce Bruno.
Ela destaca a importância da consensualidade e da transparência entre os integrantes de um relacionamento. “O que se tem percebido é que, hoje, as pessoas falam mais sobre os próprios desejos, sentimentos, aspirações”, diz ela, reafirmando a comunicação como algo fundamental em uma relação.
Amanda e Hallison comentam que estar em um relacionamento aberto os faz feliz e completos, mas que exige dedicação e empenho, assim como qualquer relação monogâmica.
"É algo que demanda bastante conversa, bastante diálogo. Muitas decisões importantes precisam ser tomadas. É dessa maneira que nosso relacionamento tem se moldado"
Zenilce destaca que, assim como o jovem casal, "cada pessoa vive como quer viver e de acordo com a própria ideia sobre o que é felicidade e o que é amor. Principalmente, sobre o que é amor".
Por fim, a dica da especialista para aqueles que nutrem algum preconceito com outros tipos de relacionamento: "Se todos estão bem e estão felizes, toda forma de amor vale a pena”.
>>Opinião
Por Jéssica Bezerra*
O interesse ou curiosidade por relações não-monogâmicas vêm crescendo nos últimos anos, sendo um termo que triplicou nas pesquisas brasileiras do Google. Parte desse interesse vem da popularização do termo, como por exemplo, no aplicativo de namoro Tinder, que adicionou a nomenclatura entre as opções do “tipo de relação” que as pessoas procuram.
Então, o que faria com que pessoas passassem a querer se relacionar sem a exclusividade afetivo-sexual? Acredito que, cada vez mais, se tem vontade de dar liberdade a sentimentos que sempre existirão: a vontade de paquerar, de conhecer novas pessoas, de se sentir desejado ou de construir relações mais honestas com essas sensações vistas como contraditórias e, por vezes, oprimidas dentro dos acordos monogâmicos.
Pessoas que se propõem e aderem à não-monogamia como tipo relacional têm como princípio criar relações que se baseiam no consentimento e na comunicação aberta entre os envolvidos, evitando que haja pressão ou coerção para o parceiro. Além disso, é importante a busca pelo fim das hierarquias nas relações, tanto nas afetivo-sexuais como nas de amizade e familiares. No sentido de que uma não seja mais importante que outra, que todas sejam tratadas com a devida consideração, respeito, diálogo e cuidado.
Olhar para relações onde se quer construir uma base na liberdade do corpo e dos desejos, é cultivar a autonomia afetiva que não se volta para o individualismo, e sim admite a necessidade de conexões, suporte e de afeto. Manejar vínculos sem depender exclusivamente dos outros para ser feliz é essencial para permanecer em relacionamentos saudáveis, onde se fica porque quer e se vai quando não há mais sentido.
*Jéssica Bezerra é uma pessoa não binária, bissexual e não monogâmica. Formada em Arquitetura e Urbanismo, atua na área de comunicação e design gráfico. Nasceu em Fortaleza, Ceará, 27 anos. Atualmente, é coordenadora da equipe de designer na redação do O POVO.
Não monogamia é um termo abrangente que se refere a qualquer forma de relacionamento íntimo ou romântico que não se limita a uma única parceria sexual ou amorosa. Existem diversas formas de não monogamia, incluindo: