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Correr: um ato de viver
Reportagem Especial

Correr: um ato de viver

A atividade física vem conquistando o coração dos fortalezenses que precisam evitar lesões e adquirir cuidados necessários para a sua prática

Correr: um ato de viver

A atividade física vem conquistando o coração dos fortalezenses que precisam evitar lesões e adquirir cuidados necessários para a sua prática
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Entre as ruas das avenidas de Fortaleza, a corrida está se tornando cada vez mais presente. Não é difícil se deparar com alguém em passos apressados com roupas de atividade física colocando a sua velocidade para jogo. Em sua grande maioria, são amadores ou competidores compartilhando algo em comum além do suor no rosto: o zelo por uma boa saúde.

A corrida tem sua origem na pré-história, quando os homens eram obrigados a caçar ou fugir de predadores. Os primeiros relatos de corridas de rua vêm da Inglaterra, no século XVIII.

A mais famosa, a Maratona, surgiu de uma lenda de 490 a.C., quando um soldado teria corrido 40 quilômetros visando chegar em Atenas para dar a notícia da vitória dos gregos sobre os persas na Batalha de Maratona.

O ritmo constante de três corredores de longa distância.  Ânfora panatenaica feita em 333 a.C. (Foto: Reprodução/The British Museum)
Foto: Reprodução/The British Museum O ritmo constante de três corredores de longa distância. Ânfora panatenaica feita em 333 a.C.

Não existem provas desse fato, mas foi ele que impulsionou a maratona que conhecemos hoje — com a distância oficial de 42.195 metros que se trata de uma das mais longas e difíceis provas do atletismo — e é uma modalidade olímpica desde a primeira edição das Olimpíadas, em Atenas 1896.

Segundo a Federação Internacional das Associações de Atletismo (IAAF), as distâncias oficiais hoje em dia variam de 5 a 10 quilômetros.

“O divisor de águas que deu forças a corrida de rua aqui em Fortaleza foi a primeira edição da maratona do Pão de Açúcar, que influenciou muita gente a essa prática”, relembra o presidente da Federação Cearense de Atletismo (FCAT), Jerry Welton.

O Pão de Açúcar Club foi criado em janeiro de 1992 e surgiu como estímulo aos funcionários do grupo a prática do atletismo. A prova aconteceu no ano seguinte, quando pouco mais de mil atletas se reuniram para revezar a distância de 42.195 metros.

Com o passar dos anos, a competição foi crescendo até se tornar um dos eventos que reúne a maior quantidade de corredores estreantes.

Segundo estimativa da FCAT, através de cálculos de números de meias-maratonas e maratonas — aprovadas por lei e com autorização da federação — Fortaleza soma aproximadamente 110 mil corredores, e esse número cresce a 300 mil quando projetado a todo o estado cearense.

Em Fortaleza, a avenida Beira-Mar concentra grande número de corredores ao longo do dia(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Em Fortaleza, a avenida Beira-Mar concentra grande número de corredores ao longo do dia

“A gente considera aquelas pessoas que participam frequentemente de corridas e que tem um treino planejado e organizado, então se for pensar nos amadores são uns 50 mil só em Fortaleza” pontua Jerry.

Recentemente, a Capital recebeu mais uma edição do Ironman (Triathlon), uma prova muito importante no meio esportivo. O evento, realizado entre os dias de 22 a 25 de agosto, reúne três grandes modalidades de peso: o ciclismo, o atletismo e a natação.

A ação reuniu mais de 1.200 atletas, que estão concorrendo para a classificação do Ironman 70.3 World Championship 2025, realizado na Espanha.

Ironman 70.3 em Fortaleza em 25 de agosto de 2024(Foto: Fábio Falconi/Unlimited Sports)
Foto: Fábio Falconi/Unlimited Sports Ironman 70.3 em Fortaleza em 25 de agosto de 2024

Para o presidente a FCAT, o grande crescimento da prática de corrida nas ruas nos últimos tempos se dá pela busca de socialização, principalmente no cenário pós-pandêmico, onde as pessoas criam relações e interações através dessa prática.

“A gente costuma dizer que Fortaleza é a capital da corrida de rua do Nordeste, porque uma só corrida pequena aqui reúne mais de mil pessoas. Aqui é um dos lugares mais receptivos do Brasil. É uma cidade linda com um litoral lindo. E apesar de ser uma cidade que tem problemas de planejamento, ela é quase que 100% plana, facilitando a locomoção, e consequentemente a própria prática da corrida”, finaliza.

Plínio Linhares, ortopedista e docente do Instituto de Educação Médica (Idomed), explica que a atividade é uma forma eficaz de auxiliar na melhora do funcionamento do coração e dos pulmões, e que os seus benefícios vão ainda mais além.

Quais as partes do corpo mais suscetíveis a lesões?

 

“O tema rotina saudável tomou proporções absurdas no pós-pandemia, e a corrida tem um caráter muito democrático, criança, adulto e também idoso podem realizar. Ela atua no fortalecimento e no desenvolvimento muscular, ajuda a controlar a pressão arterial, fortalece o sistema imunológico, queima calorias e melhora a saúde mental no auxílio da qualidade do sono e redução dos sintomas de ansiedade e depressão”, destaca.


 

Uma pratica que necessita de cuidados

Com uma trajetória de oito anos marcada por resistência, luta, paixão e diversas vitórias, a maratonista e atleta Irlanir Coelho, residente da região do Cariri, não esconde o seu amor pela corrida.

Foram diversos troféus e medalhas, um deles sendo conquistado na sua primeira disputa válida. Atualmente, é ultramaratonista, com 60 km já percorrido em uma única competição.

“O maior desafio no início dessa trajetória foi o sedentarismo, eu entrei na corrida exatamente para fugir disso. Além da queima de gordura que eu estava procurando, ali foi um refúgio, eu me sentia praticamente obrigada a correr e hoje eu sou feliz e muito realizada. Eu amo o que faço, então foi isso que me levou a entrar no mundo do atletismo”, relata Irlanir.

Irlanir é ultramaratonista,com 60 km já percorrido em uma única competição(Foto: Arcevo Pessoal )
Foto: Arcevo Pessoal Irlanir é ultramaratonista,com 60 km já percorrido em uma única competição

Ela explica que já sofreu lesões, e que isso acaba sendo muito frequente na vida de um atleta.

“Já passei perrengue na corrida, mas não desisto, viu? E acontece, é inevitável não acontecer com o corredor, seja o amador ou o de elite, não importa. Eu já tive lesão na lombar, calcâneo e distensão muscular. Foi sempre correndo atrás de profissional para tratar”, afirma.

O médico ortopedista Plínio Linhares explica que alguns cuidados básicos precisam ser incluídos na rotina para evitar algum agravamento, principalmente aqueles que estão iniciando na corrida.

De acordo com o especialista, alguns locais do corpo humano, como membros inferiores (pé, tornozelo e joelho) e região da coluna (em destaque a lombar) são mais suscetíveis a desenvolver danos.

“As lesões tendinosas e musculares são as duas principais que observamos. As mais comuns são a tendinite do tendão de Aquiles, a tendinite da região da canela — a famosa canelite — a fascite plantar, uma inflamação da parte de baixo do pé perto da região do calcanhar, e também condromalácia, uma lesão que fica muito evidente em pacientes que já tem essa patologia e acabam agudizando a dor, se não fizer um tratamento adequado”, aponta o médico.

Irlanir assegura que seus cuidados vão desde a alimentação a acompanhamento médico.

“A cada seis meses vou ao meu cardiologista. Tenho uma nutricionista e sou acompanhada por uma assessoria. Além disso, é ideal a realização de atividade física, ou seja, correr e fazer musculação é um conjunto muito importante para nós. Esses acompanhamentos são muito eficazes na vida de quem quer ser um atleta”, finaliza.

Quais são os cuidados básicos para praticar corrida?

 

Andréa Benevides, presidente do Conselho Regional de Educação Física da 5ª Região (Cref-5) e profissional de educação física, explica que a corrida tem sido predominantemente associada ao treinamento de resistência aeróbica.

No entanto, alguns estudos destacam a importância do treinamento de força para os corredores.

“Atividades como a musculação oferecem benefícios bem significativos, aumentando a força e potência muscular, prevenindo lesões, além do aprimoramento da eficiência da biodinâmica do movimento. Tudo isso ajuda incluir no trabalho de potência muscular, resistência e trabalho de estabilidade”, evidencia.

Andréa lista as precauções básicas e necessárias para uma boa corrida: “Uma boa alimentação, roupas leves, tênis adequado, utensílios de proteção ao sol — como protetor solar e óculos escuros —, uma boa noite de sono, acompanhamento médico e a prática de outros exercícios são os cuidados mais recomendáveis”.


 

A corrida em meio a uma rotina agitada

Natural de Salvador, e atualmente residente no Ceará, Regina Lúcia teve seu primeiro contato com a corrida aos 18 anos, através da influência de seu tio boxeador, atleta e um verdadeiro amante da corrida.

Ele a convidou a se inscrever em uma corrida de rua, onde os dois participaram, mesmo Regina não sabendo dos preparos básicos para a prática dessa atividade.

O percurso a ser trilhado era de 10 quilômetros, mas a guarda civil municipal — sua atual profissão — conseguiu alcançar só 6 quilômetros de todo o trajeto, pela forte câimbra que começou a sentir.

Regina concilia atualmente a prática da corrida com suas responsabilidades domesticas e profissional (Foto: Arcevo Pessoal )
Foto: Arcevo Pessoal Regina concilia atualmente a prática da corrida com suas responsabilidades domesticas e profissional

Apesar do ocorrido, algo naquele dia nascia em Regina: a paixão pela atividade que iria florescer com o passar dos anos que viriam.

“Conversei com meu tio e ele fez os meus treinos. Então comecei a treinar para participar de outras corridas, porém com a quilometragem menor, comecei com 5 quilômetros”, recorda Regina.

Em seu relato, ela diz que foi se apaixonando cada vez por essa prática, e que foi aqui no Ceará que ela alcançou o seu objetivo de correr primeira vez os 10 quilômetros, percurso que não completara antes.

“Esse foi o meu primeiro desafio, eu corri muito tranquila, não fiquei ofegante, não deu câimbra nas minhas pernas, e então eu consegui completar a prova de 10 km e homenagear o meu tio, que na época já tinha falecido, e essa medalha acabou ganhando um significado muito especial para mim”, relata.

A professora e treinadora de atletismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), Sonia Ficagna, esclarece como deve ser feita a inserção da corrida na rotina de quem não tem essa prática.

O ideal é começar com atividades leves e depois, conforme for ganhando o condicionamento, a pessoa pode ir aumentando tanto a frequência cardíaca, como também a distância, que poder ser intercalada com caminhada.

“A gente, como profissional, usa um cálculo de frequência cardíaca, além de uma preparação progressiva para a pessoa. Trabalhamos no sentido de que a pessoa faça um determinado esforço, mas que ele não seja exagerado, então o ideal é trabalhar com uma frequência cardíaca entre 70 e 85%, para as atividades moderadas, e para quem está iniciando entre 60 e 70%”, revela a educadora.

Hoje, com 52 anos, Regina tem para além do desafio de sempre o conseguir completar a prova em um tempo menor do que as corridas anteriores, o de conciliar a atividade física com suas responsabilidades domésticas e profissionais.

Após a pandemia, o numero de praticantes da corrida de rua aumentou(Foto: Barbara Moira)
Foto: Barbara Moira Após a pandemia, o numero de praticantes da corrida de rua aumentou

“Uma forma que busquei de ajustar os meus treinos de corrida foi através da planilha. Eu a faço mensalmente, de acordo com os meus plantões, as atividades de casa e também academia” explica. Sua rotina segue com uma alimentação adequada, sem muitos açúcar e frituras e com bastante hidratação. Ela detalha que vai ajustando a corrida nos dias da semana, pelo menos duas ou três vezes, além do final de semana, variando entre a manhã e a tarde.

“Quando acordo cedo é sempre desafiador, porque é um horário que todos estão dormindo, e nós — os corredores — estamos acordando para colocar nosso corpo em movimento. Mas depois que você acorda e se prepara, você tem aquela sensação de dever cumprido e de se sentir revigorado” finaliza.

“Montar uma rotina de treinamento não é algo simples e fácil. No início aparecerá muitas dificuldades para que você consiga manter, mas o ideal é se organizar e planejar tudo que fará, porque sempre aparecerá alguma coisa que tirará o seu foco, ou algo parecido”, destaca Sonia Ficagna, que acrescenta que os benefícios da corrida surgem com o tempo.

Hidratação exige atenção não para quem corre como para quem treina de uma forma geral(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Hidratação exige atenção não para quem corre como para quem treina de uma forma geral

“A corrida, como qualquer outro exercício, liberam endorfina e dopamina, o que a gente chama de Hormônios da Felicidade. A gente só consegue sentir no corpo com o tempo, havendo inclusive por algumas pessoas, um certo vício, justamente para poder sentir essa sensação de alívio e de bem-estar”.

A treinadora define que o início é sempre doloroso, mas depois que você cria uma rotina e passa a sentir os benefícios da atividade, a corrida se torna mais fácil.

“Recomendo fazer uma lista das coisas que você precisar deixar já organizadas, porque isso já vai mandando alguns estímulos para o cérebro de que vamos praticar tal atividade no dia seguinte”, completa a especialista.


 

Qualquer lugar é um lugar ideal mesmo?

Foi em uma tarde qualquer, em meio a suas horas livres, que Pedro Álex, estudante, decidiu vestir uma roupa leve que encontrara em seu guarda-roupa e calçar um tênis para começar a colocar em prática o que já tinha decidido como meta para esse ano: a sua corrida diária.

A necessidade surgiu como um suporte para o seu bem-estar físico e o controle de sua ansiedade. Ele queria utilizar esse tempo para se cuidar, e começou a correr próximo de casa, pela praticidade que esse lugar oferecia, visto a sua rotina agitada e de tempo preenchido.

“Apesar de eu saber que a presença de um profissional me auxiliando nesse início era essencial, o fato de eu não ter acesso não foi o maior desafio, mas sim o espaço que eu estava inserido. Onde eu estava correndo não era um lugar seguro, e sim bem perigoso, violento e de muitos assaltos e mortes. E daí tem essa questão também de você não conseguir acessar cantos melhores e recomendáveis para correr”, coloca o estudante.

O calçadão da Beira Mar, em Fortalexza, passou pelo processo de revitalização e atualmente vive o impasse de aglomeração entre pedestres, ciclistas e feirantes, tanto na calçada, quanto no corredores . (Foto: Fernanda Barros/O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS O calçadão da Beira Mar, em Fortalexza, passou pelo processo de revitalização e atualmente vive o impasse de aglomeração entre pedestres, ciclistas e feirantes, tanto na calçada, quanto no corredores . (Foto: Fernanda Barros/O Povo)

Ele relata que a apreensão era grande quando estava praticando a atividade e que sempre ficava atento por sua segurança.

“Os lugares que você precisa correr livremente e que são recomendáveis são cantos mais arborizados, com mais árvores e segurança. Quero muito continuar a correr, amei fazer isso e os resultados positivos foram imediatos, mas infelizmente não sei se vou continuar”, finaliza.

O ortopedista Plínio Linhares destaca que o mais recomendado para a corrida ao ar livre são ambientes como parques, praças ou até mesmo em avenidas que têm uma boa sinalização.

“Esses locais são mais agradáveis e tem uma ventilação mais adequada, evitando a fadiga a curto prazo. É também importante sempre ficar atento à regularidade do piso, se forem irregulares com calçamento inadequado, podem predispor a lesões. Uma dica é iniciar a corrida em ambientes fechados, como na academia com a esteira ou elíptico, dois equipamentos adequados para esse início”, conclui.

Quais são os 10 lugares mais adequados para correr em Fortaleza?

 

A corrida é um caminho que precisa ser traçado com paciência, seguindo os cuidados necessários e com responsabilidade, como qualquer outra atividade.

Ela é um exercício que oferece muitos benefícios, e de acesso, em sua maioria das vezes, prático. Percorrendo esse caminho, você já pode começar a despertar o atleta que tem dentro de você.

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