Quantas pessoas estão vivas no mundo hoje? Quantas nasceram e quantas morreram ontem? Como serão, no futuro, os habitantes espalhados por este planeta? Você já imaginou a sua cidade com metade das pessoas que tem atualmente e a maioria delas idosa?
Não podemos entender o mundo sem entender as mudanças demográficas — principalmente em um século que será marcado por transformações na demografia global.
Ante 8,2 bilhões de pessoas em 2024, até 2100 a população mundial atingirá seu pico e ultrapassará os 10 bilhões de habitantes — quando, então, iniciará um processo de declínio gradual nesse número.
Estimativa da população global em bilhões de habitantes (2040-2100)
Mas essa mudança não será homogênea: enquanto países africanos enfrentarão explosões populacionais, nações emergentes como o Brasil precisarão lidar com o aumento da longevidade e o encolhimento de sua população.
Em nove desses países e áreas, incluindo Angola, República Centro-africana, República Democrática do Congo, Nigéria e Somália, o crescimento populacional provavelmente será muito rápido, com as populações dobrando entre 2024 e 2054.
A trajetória da mudança populacional deste último grupo terá uma grande influência no tamanho e no momento do pico populacional em nível global. Acompanhe no gráfico a seguir.
Variação da população mundial entre 2024 e 2100 (%)
Quem desenha esse cenário é a Organização das Nações Unidas (ONU), que em 2024 divulgou uma versão atualizada do levantamento bianual World Population Prospects — um conjunto de dados com estimativas de como a população mundial do futuro pode parecer.
É importante frisar que essas são projeções, não previsões de transformações futuras. Em sua publicação de 2022, a ONU estimou que, em um cenário médio, a população global atingiria o pico em 2086 com aproximadamente 10,4 bilhões de pessoas.
A edição do ano passado antecipou ligeiramente esse pico para 2084, com a população chegando a pouco menos de 10,3 milhões.
Dinâmicas populacionais por continente (2020-2100)
De acordo com o levantamento, países ricos decrescerão de modo geral, mas há três exceções importantes: Estados Unidos (+22%), Austrália (+62%) e Israel (+110%).
Os EUA, que possuem o maior valor de Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, continuarão com uma população em ritmo crescente (não há ponto de inflexão até 2100), enquanto que seus principais rivais geopolíticos — Rússia e China — terão populações menores.
Já Israel passará de 9 milhões para quase 20 milhões de habitantes — enquanto que a Palestina crescerá de 5,5 milhões para 11 milhões de habitantes. Isso significa que, no mesmo território onde hoje vivem 14 milhões de pessoas em situação de permanente conflito, haverá cerca de 31 milhões.
A China, por sua vez, apresenta a tendência de uma situação oposta: uma queda brutal que faz o país chegar a 2100 com menos da metade da população atual.
O mesmo vale para a Coreia do Sul, que passará dos atuais 52 milhões de habitantes para 26 milhões — pouco mais que a região metropolitana de São Paulo.
Esses exemplos mostram que, embora espere-se que a população global aumente por muitas décadas, a taxa de crescimento populacional tende a diminuir rapidamente.
O século XXI será marcado por contrastes populacionais extremos e a forma como as nações lidarem com isso determinará o futuro da humanidade. Como ficará o Brasil nesse cenário?
No caso brasileiro, o horizonte já está traçado: a população do Brasil, sétimo maior país globalmente em 2024, provavelmente atingirá o pico no início da década de 2040, com cerca de 220 milhões de pessoas.
Ano de inflexão do crescimento populacional do Brasil por estado
Após viver um crescimento expressivo no século XX, a população do País deve começar a diminuir e cair para cerca de 163 milhões até 2100 — um número próximo ao que registrava no início dos anos 1990.
Entre os países latino-americanos, apenas Chile, Argentina, Colômbia e Uruguai deverão apresentar quedas populacionais tão expressivas.
Evolução da população brasileira da Independência ao século XXI (em milhões de habitantes)
Uma constatação desafiadora, porém, não é somente a redução do número total de habitantes— e sim a mudança na composição etária dessa sociedade.
Atualmente, há cerca de cinco pessoas em idade ativa para cada idoso acima de 65 anos. Em 2100, essa relação será de apenas 1,5 para 1.
Isso significa que, em menos de cem anos, a estrutura populacional brasileira passará por uma inversão drástica, com um número proporcionalmente muito maior de idosos e menos trabalhadores na ativa.
Percentual de idosos de 60 anos ou mais no Brasil por sexo (1950-2100)
Essa perspectiva já era projetada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2021, que apontava que 40,3% dos brasileiros deverão ser idosos até 2100.
Em 2010, pessoas na terceira idade representavam 7,3% da população brasileira (cerca de 14 milhões de pessoas). Já em 2100, a expectativa é que o País ultrapasse os 60 milhões de idosos.
Ao passo que essa faixa etária aumenta, a quantidade de jovens diminui ao longo desse período. O número de pessoas com menos de 15 anos deve cair de 24,7 para 9%.
Esperança de vida ao nascer no Brasil (por sexo)
Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também mostram que, de 2000 a 2023, a proporção de idosos (pessoas com 60 anos ou mais) na população quase duplicou — subiu de 8,7 para 15,6%.
Em números absolutos, o total de pessoas idosas passou de 15,2 milhões para 33 milhões no período. No ano de 2070, cerca de 37,8% dos habitantes do País serão idosos, o que corresponderá a 75,3 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade.
Outro indicador que ilustra a mudança no padrão etário do Brasil é a idade média da população, que era de 28,3 anos em 2000 e subiu para 35,5 anos em 2023. Para 2070, a idade média projetada da população brasileira é 48,4 anos.
A transição demográfica em curso no Brasil e no mundo deve redesenhar profundamente a economia, o mercado de trabalho e as relações sociais.
Com uma taxa de fecundidade em queda há décadas e um acelerado envelhecimento da população, o País caminha para um futuro inédito em sua história: menos pessoas em idade produtiva, um sistema previdenciário pressionado e a necessidade de novos modelos de desenvolvimento.
Em países como China e Coreia do Sul, que também enfrentarão quedas populacionais expressivas, o número de idosos superará o de trabalhadores, criando uma verdadeira bomba-relógio previdenciária e econômica.
A dona de casa Iraneide Silvano, 58, que cuida dos pais idosos em Maranguape, testemunha a dificuldade para encontrar cuidadores de idosos — uma profissão que, com o aumento do envelhecimento populacional, deverá ser bem mais demandada.
“Além de ser muito caro, não conseguimos encontrar pessoas que fazem esse trabalho. Quando a gente consegue alguém, geralmente são pessoas que não têm paciência”, narra.
“Sendo que o idoso tem uma mobilidade mais complicada, não tem a mesma rapidez de raciocínio. O meu pai tem 87 e ainda é muito ativo, mas tem cegueira parcial. Já a minha mãe tem 88 e tem Alzheimer. Eu precisei largar tudo para cuidar deles”.
De acordo com o relatório da ONU, essas mudanças profundas na estrutura etária são uma consequência direta da transição demográfica para vidas mais longas e famílias menores.
Especialistas atribuem a maior longevidade da população brasileira à queda das taxas de fecundidade nos últimos anos — com fatores como a inserção da mulher no mercado de trabalho, o maior planejamento familiar e a maternidade tardia associados ao fenômeno.
O número médio de filhos por mulher tem reduzido no Brasil desde a década de 1960: naquela época, uma mulher tinha, em média, 6 filhos. Em 2000, esse número caiu para 2,3 e, em 2024, chegou a 1,5.
Taxa de fecundidade no Brasil (1940-2050)
A taxa de fecundidade registra sucessivas diminuições ao longo dos anos em um país que, noutros tempos, já registrou uma das mais elevadas do mundo.
De acordo com levantamento do IBGE, a redução desses números também se reflete no total de nascimentos por ano, que passou de 3,6 milhões em 2000 para 2,6 milhões em 2022 — e deve continuar caindo, chegando a 1,5 milhão em 2070.
Outra informação das projeções do instituto é a idade média da fecundidade, ou seja, a idade média em que as mulheres tinham seus filhos, que era de 25,3 anos em 2000, passou para 27,7 anos em 2020 e deverá chegar a 31,3 anos em 2070.
A nível global, a taxa de fecundidade caiu mais da metade desde a década de 1960, de mais de 5 filhos por mulher para 2,3.
Isso aconteceu em taxas diferentes no mundo todo: as taxas de fertilidade na Europa, Américas e Ásia estão agora abaixo ou perto de 2 filhos por mulher.
Em toda a África, esse número é maior, mas também caiu significativamente. Na década de 1970, eram quase 7 filhos por mulher; hoje, são quase 4. A ONU espera que as taxas continuem caindo para menos de 3 em 2050 e se aproximando de 2 até o fim do século.
Alguns países como o Japão já demonstram preocupação. Lá, o governo tem tomado medidas na tentativa de incentivar a população a ter filhos.
Mas essa é uma conjectura que também depende de outros fatores, a exemplo de como vai caminhar o sistema econômico: isso porque quanto mais caro o custo de vida, mais precisaremos trabalhar e menos filhos teremos.
A confeiteira Ana Elizabely, 29, e seu companheiro Matheus Rodrigues, 30, que é físico, são exemplo de um casal jovem que deseja ter poucos filhos.
“Eu venho de família grande e fui criada em uma casa com muita gente. Minha bisavó teve dez filhos, minha avó teve seis, minha mãe teve dois. Mas eu pretendo ter apenas um”, conta Elizabely.
Ela e Matheus estão em busca de uma casa para morarem juntos com seu cachorrinho Pierre Curie e o futuro filho ou filha: “Nossa decisão de ter apenas um filho foi tomada recentemente e, como qualquer escolha na vida, pode mudar com o tempo. No entanto, hoje sentimos que essa é a melhor decisão para nós. O principal motivo é a questão financeira. Mesmo tendo uma boa condição, sabemos que criar um filho envolve muito mais do que apenas suprir as necessidades básicas”.
“Queremos proporcionar uma educação de qualidade, oportunidades e uma vida confortável. Ter um filho significa redirecionar boa parte do nosso tempo, energia e recursos para garantir o melhor para ele, e queremos fazer isso da melhor forma possível. Até agora, nosso foco tem sido alcançar nossos objetivos pessoais e profissionais, construir nossa estabilidade e realizar sonhos que fazem parte da nossa trajetória como casal”, conclui.
Especialistas alertam que, embora esse fenômeno represente desafios, ele também abre oportunidades para inovação, sustentabilidade e novas formas de organização social.
Em entrevista ao O POVO+, o demógrafo Julio Racchumi, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), analisa o cenário e as possíveis respostas que o Brasil pode dar a essa nova realidade.
“São projeções baseadas em dados sólidos, com revisões periódicas. A tendência é clara: a população continua crescendo, mas em velocidade cada vez menor. Essas projeções podem sofrer mudanças, mas costumam ser bastante próximas da realidade observada”, assegura.
A pandemia da Covid-19, por exemplo, foi um evento inesperado que impactou a expectativa de vida e as taxas de natalidade e mortalidade global, mas os números já mostram que essa tendência está se normalizando a níveis pré-pandêmicos.
Na análise de Racchumi, a redução da fecundidade entre as famílias brasileiras pode ter raízes culturais, sociais e econômicas.
“As mulheres hoje ocupam cada vez mais espaços no mercado de trabalho e na política, o que influencia diretamente no planejamento familiar. Antes, a maternidade era vista como obrigação; agora, há outras perspectivas de vida. É algo muito complexo, tem a ver com política pública, educação, direitos da mulher, representatividade feminina na sociedade, na política.”
A mudança também reflete o aumento da escolaridade feminina: “Mulheres com maior nível educacional tendem a ter menos filhos e em idades mais avançadas. O primeiro filho, que antes nascia entre os 20 e 34 anos, agora está mais concentrado entre 35 e 39 anos.”
Além disso, os altos custos para criar uma criança em um ambiente urbano e competitivo podem fazer com que muitas famílias optem por ter menos filhos.
Na opinião do professor, o maior envelhecimento dos brasileiros “não deve ser encarado como algo drástico ou ruim, mas como um desafio e uma oportunidade”.
“A gente tem que pensar que sempre fez de tudo para que as pessoas pudessem estender um pouco sua longevidade sendo ativas dentro da sociedade e da própria família. Então eu acredito que seja um desafio para o Brasil, e a gente precisa ver como uma oportunidade de refletir sobre o que precisamos mudar em relação a esses aspectos como o sistema previdenciário, que com certeza é uma das primeiras áreas afetadas.”
“O sistema previdenciário, o mercado de trabalho e as políticas de saúde pública precisam ser pensados juntos. O Brasil precisa promover a inclusão de trabalhadores mais velhos e garantir que eles permaneçam ativos e produtivos por mais tempo”, afirma Racchumi.
Esse cenário exige mudanças profundas na estrutura trabalhista e previdenciária, o que inclui idosos no mercado de trabalho, educação contínua e previdência sustentável.
Além disso, Racchumi lembra que o envelhecimento exigirá mudanças na infraestrutura urbana como mobilidade e acessibilidade, habitação e inclusão digital.
O declínio populacional ainda deverá impactar a organização das cidades. Regiões metropolitanas podem crescer de forma mais lenta, enquanto cidades menores podem sofrer despovoamento.
Com a redução da força de trabalho, a imigração pode ser um caminho para suprir a falta de mão de obra. A Europa já vive esse dilema: países como Alemanha, Itália e Portugal têm dificuldade em equilibrar a necessidade de trabalhadores e as tensões políticas sobre o controle de fronteiras.
No Brasil, a questão migratória também entra em pauta. O País tem recebido um fluxo crescente de imigrantes, principalmente venezuelanos, e pode se tornar um destino para trabalhadores estrangeiros no futuro.
“A redução populacional pode ser encarada como um problema ou como uma oportunidade. O Brasil precisa planejar políticas públicas que equilibrem crescimento econômico, bem-estar social e sustentabilidade”, conclui Racchumi.
Políticas públicas que promovam inclusão, inovação e sustentabilidade serão fundamentais para garantir qualidade de vida às próximas gerações.
O século XXI será marcado por essa nova ordem demográfica. O Brasil pode se antecipar e construir um futuro próspero — ou enfrentar o envelhecimento de forma desorganizada e desigual.
Diante de um futuro de rápido crescimento no número e na proporção de idosos, os países e áreas podem considerar medidas como fortalecer seus sistemas de assistência médica e de cuidados de longo prazo, promover o aprendizado ao longo da vida, expandir as oportunidades de emprego para idosos que desejam continuar trabalhando, abordar o preconceito e a discriminação com base na idade, investir e explorar novas indústrias que atendam a esse crescente grupo populacional e melhorar a sustentabilidade e a equidade dos sistemas de proteção social.
É o que sugere, em entrevista ao O POVO+, o demógrafo Márcio Mitsuo, gerente de estimativas e projeções populacionais do IBGE.
Na avaliação de Mitsuo, o fato de que o pico da população global está projetado para ocorrer mais cedo e em um nível menor do que o previsto anteriormente é importante por várias razões: “Primeiro, sinaliza o fim da era de rápido crescimento populacional, que começou por volta de 1800 em algumas regiões e em meados do século XX em escala global”.
“Segundo, dado que o crescimento populacional tende a amplificar as pressões ambientais ao aumentar a demanda econômica total, ele tem implicações para o progresso em direção a um futuro mais sustentável, uma vez que a demanda agregada por alimentos, moradia, infraestrutura e serviços, dentre outros, provavelmente será afetada.”
Mitsuo destaca que “a disponibilidade, pontualidade e cobertura dos dados continuam sendo desafios para muitos países” e que “essas lacunas podem impactar a precisão das estimativas populacionais e a confiabilidade das projeções”.
Crescimento populacional, envelhecimento, urbanização e migração internacional são quatro grandes tendências demográficas que moldam nosso mundo.
Mudanças no tamanho, estrutura etária e distribuição espacial das populações trazem desafios e oportunidades.
O relatório da ONU oferece uma série de recomendações de políticas para ajudar os países a se prepararem para tamanhos populacionais, estruturas etárias e distribuições especiais que podem diferir apreciavelmente daqueles de seu passado recente.
“Ao gerenciar os desafios e aproveitar as oportunidades, podemos acelerar a obtenção de desenvolvimento inclusivo e sustentável, criar oportunidades para erradicar a pobreza, melhorar o acesso à proteção social, assistência médica e educação, promover a igualdade de gênero, avançar padrões mais sustentáveis de produção e consumo e proteger o meio ambiente”, salienta o estudo.
Por outro lado, conforme o relatório, atingir os objetivos e metas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável pode ajudar a evitar os resultados demográficos mais extremos.
Isso significa facilitar uma mudança para famílias menores em populações que estão crescendo rapidamente e onde indivíduos e casais que frequentemente têm mais filhos do que desejam, e permitir que os pais tenham famílias maiores em populações que estão diminuindo e onde as pessoas frequentemente não conseguem atingir o tamanho de família desejado.
“Entender como as tendências populacionais provavelmente se desenvolverão no curto, médio e longo prazo é fundamental para alcançar um futuro mais inclusivo, próspero e sustentável”, acrescenta o texto.
Para esta reportagem, foram utilizados dados da revisão do World Population Prospects 2024, levantamento realizado a cada dois anos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e disponibilizado através de arquivos em planilhas, tabelas e indicadores demográficos.
As estimativas consideram os resultados de 1.910 censos populacionais nacionais conduzidos entre 1950 e 2023, bem como informações de sistemas de registro vital e de 3.189 pesquisas amostrais nacionalmente representativas.
Um banco de dados on-line (Portal de Dados) fornece acesso a um subconjunto de indicadores-chave e visualização de dados interativa, incluindo uma API aberta para acesso programático.
Agregados Especiais também fornecem agrupamentos adicionais de países (por exemplo, geográficos, econômicos e comerciais, políticos, relacionados à ONU).
"Oie :) Aqui é Karyne Lane, repórter do OP+. Te convido a deixar sua opinião sobre esse conteúdo lá embaixo, nos comentários. Até a próxima!"