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Plantas medicinais: tradição, saúde e ciência lado a lado
Reportagem Especial

Plantas medicinais: tradição, saúde e ciência lado a lado

Os conhecimentos tradicionais e as pesquisas científicas demonstram o potencial curativo de centenas de plantas brasileiras, além de destacarem o uso delas na produção de alimentos como sorvetes, pães e biscoitos

Plantas medicinais: tradição, saúde e ciência lado a lado

Os conhecimentos tradicionais e as pesquisas científicas demonstram o potencial curativo de centenas de plantas brasileiras, além de destacarem o uso delas na produção de alimentos como sorvetes, pães e biscoitos
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O uso de plantas medicinais é uma das diversas tradições praticadas no Brasil. Elas são historicamente utilizadas para solucionar problemas digestivos, inflamações, dores e insônia, além de serem base para produtos de beleza.

Afinal, quem nunca escutou que um chá de camomila resolveria as noites mal dormidas? Ou que o boldo ajudaria naquele problema na barriga? Seja para uso que for, a babosa, o alecrim, a erva-doce, a hortelã, o gengibre, e tantas outras fazem parte da rica diversidade vegetal brasileira.

São mais de 40 mil espécies conhecidas no Brasil, considerado o maior país do mundo com essa variedade. Inúmeras dessas plantas sempre foram consideradas medicinais por povos originários, precursores desse conhecimento.

O conhecimento sobre plantas medicinais é um legado dos povos indígenas e africanos(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA O conhecimento sobre plantas medicinais é um legado dos povos indígenas e africanos

É estimado que 80% da população mundial utiliza fitoterápicos (medicamentos derivados de plantas), segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, cerca de 82% da população utiliza produtos à base de plantas medicinais em seus cuidados com a saúde.

A primeira descrição sobre o uso de plantas como medicamento foi feita por Gabriel Soares de Souza, autor do Tratado Descritivo do Brasil, de 1587. Esse tratado descrevia os produtos medicinais utilizados pelos indígenas “d'as árvores e ervas da virtude”.



Hoje, esse conhecimento é muitas vezes a única fonte de recurso terapêutico para alguns brasileiros, já que essas plantas são bastante acessíveis. Muitas delas são comercializadas em feiras livres, mercados populares, junto a raizeiros e encontradas em quintais residenciais.

Uma das pesquisas mais recentes que unem essa sabedoria popular com a ciência foi desenvolvida no campus de Sobral do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), dividida em duas partes: a catalogação de bulas farmacológicas e a de receitas alimentícias, como sorvetes e biscoitos.

A primeira parte da pesquisa foi o desenvolvimento do e-book “Plantas Medicinais: sabedoria popular e conhecimento científico para o ensino das funções orgânicas”, que reúne bulas de 23 plantas, apresentando o nome popular e científico de cada uma, propriedades, indicações, contraindicações, partes utilizadas, formas de uso e imagens para identificação.

Entre as espécies abordadas estão alecrim-pimenta, alfavaca, aroeira, babosa, boldo, capim-santo, erva-cidreira, eucalipto e mastruz. A escolha foi fruto de um mapeamento, com aplicação de questionários em Sobral e em municípios vizinhos, que destacava as mais utilizadas na medicina caseira local.

 

E-book IFCE: Plantas Medicinais

 

A pesquisa iniciou há mais de uma década, quando a professora à frente do projeto Daniele Teixeira, do curso de Tecnologia em Alimentos do IFCE, aceitou o convite de uma ex-colega de graduação para investigar plantas medicinais, por meio de uma parceria que unia projetos de pesquisa e extensão.

Ela nunca havia estudado esse tema, mas viu ali a oportunidade de unir a química orgânica com algo mais aplicado e próximo da realidade dos seus alunos e da comunidade.

Receitas variam entre sorvete de capim-santo com limão, dindim gourmet de capim-santo, biscoitos de gengibre e pão de alecrim (Foto: Agência IFCE )
Foto: Agência IFCE Receitas variam entre sorvete de capim-santo com limão, dindim gourmet de capim-santo, biscoitos de gengibre e pão de alecrim

“O primeiro foi lançado em 2021, trazendo essa importância em oferecer informação segura e baseada em evidências científicas, além de contribuir para o ensino de química orgânica. Vivemos num momento em que há muitas informações circulando, e nem todas são confiáveis”, comenta a pesquisadora.

O e-book é resultado de uma parceria entre o IFCE e a Universidade Federal do Ceará (UFC), a partir da dissertação de mestrado da professora Zaide Cunha Maia, orientada pela docente Maria Goretti. Os alunos de Daniele participaram ativamente do projeto.

Um site também foi criado para difundir o conhecimento sobre plantas medicinais relacionado ao ensino de química. Para Daniele, a parceria garantiu respaldo técnico e científico ao trabalho.

“Cada aluno escolhia uma planta, que já conhecia ou já tinha ouvido falar, e realizava um levantamento bibliográfico sobre ela. Hoje temos um projeto de extensão voltado a esse estudo, com foco em levá-lo também às escolas de ensino médio, mostrando a importância para a saúde”, revela.

 

 

Alimentos como alternativa

O segundo passo da pesquisa foi explorar o potencial das plantas medicinais, além dos tradicionais chás, xaropes e condimentos. Com os estudos, foi identificado que elas podiam ser empregadas na produção de novos alimentos funcionais, com propriedades que favorecem a saúde e o bem-estar.

A pesquisa foi dividida em duas partes, com catalogação de bulas e receitas alimentícias, como sorvetes e biscoitos. (Foto: Agência IFCE )
Foto: Agência IFCE A pesquisa foi dividida em duas partes, com catalogação de bulas e receitas alimentícias, como sorvetes e biscoitos.

A pesquisadora Daniele Teixeira lembra que primeiro foi investigado se havia alimentos, na literatura científica, que utilizassem essas plantas. Eles encontraram brigadeiros com capim-santo, sucos diversos, bolos, e até artigos sobre sorvetes.

Ela explica que muitas dessas plantas contêm compostos químicos com atividades anti-inflamatória, diurética, antioxidante, antimicrobiana e expectorante, agregando não somente aroma e sabor, mas também valor nutricional aos alimentos.

“Após a pandemia (período em que trabalhamos com questionários e revisões bibliográficas), começamos a testar sorvetes com plantas medicinais. Os resultados foram muito bem recebidos, então passamos a trabalhar com grupos de mulheres em associações comunitárias”, diz.

Oficina com mulheres, que promovem a práticas de receitas, como pães, sorvetes e dindins com plantas medicinais (Foto: Agência IFCE )
Foto: Agência IFCE Oficina com mulheres, que promovem a práticas de receitas, como pães, sorvetes e dindins com plantas medicinais

As oficinas com mulheres tinham foco educativo, com explicações sobre as plantas, suas bulas e a importância de cada uma para a saúde. Após isso, seguiam com a preparação de receitas, como pães com alecrim, biscoitos de gengibre e dindins gourmet de capim-santo, além dos sorvetes.

“As oficinas surgiram por demanda, e elas ficaram muito entusiasmadas, pois estavam acostumadas apenas com o uso das plantas em forma de chá. Às vezes, algumas associações pediam a oficina, oferecendo os materiais. Já fizemos parcerias com a prefeitura, realizando-as em espaços públicos”, lembra.

Uma das participantes da oficina, Bárbara Sousa, de 21 anos, conta que conheceu o projeto em março. Ela achou a experiência surpreendente, com receitas bem diferentes e inovadoras.

Bárbara Sousa é estudante de gastronomia(Foto: Rafael Santana )
Foto: Rafael Santana Bárbara Sousa é estudante de gastronomia

“A gente costuma pensar nessas plantas só como remédio caseiro e chá para quando está doente, porque nossas mães e avós já colocaram essa ideia na nossa cabeça. Mas a oficina mostrou outros jeitos de usá-las, de forma mais criativa e de muita contribuição para a saúde”, enxerga.

Para a jovem, o dindim de capim-santo ganhou o seu coração. “A gente pode, digamos, ‘se medicar’ de outras formas — mais leves e mais gostosas. Nunca imaginei que daria para fazer um dindim com capim-santo. Foi surpreendente e delicioso. Com certeza vou levar isso para minha vida e para minha profissão. Foi uma experiência muito enriquecedora”, finaliza.

Daniele Teixeira ressalta que houve muito cuidado na escolha das plantas para uso alimentar, já que muitas delas são usadas em pequenas quantidades e por tempo limitado.“Nem todas têm estudos que comprovem sua segurança para o consumo contínuo. Por isso, focamos em plantas mais conhecidas e com estudos de toxicidade disponíveis”, destaca.

Ela conta que atualmente existe um horto com cerca de 12 espécies catalogadas, e que trabalhos de conclusão de curso e projetos de iniciação científica nessa linha seguem sendo desenvolvidos.

“Pretendo trabalhar com óleos essenciais para aumentar o tempo de prateleira de alimentos. O que mais me encanta é ver o brilho nos olhos dos alunos. Quando são desafiados, eles se envolvem de verdade, pesquisam, propõem, criam, ensinam e interagem com a comunidade, isso faz a diferença”, conclui.

 

 

O legado cearense

“A planta do lugar para o povo daquele lugar”, foi com esse lema que o cearense Francisco José de Abreu Matos (1924 – 2008), farmacêutico-químico, pesquisador e professor, pautou toda sua carreira científica, reconhecida e valorizada internacionalmente.

Francisco José de Abreu Matos (Foto: Agência UFC)
Foto: Agência UFC Francisco José de Abreu Matos

Também um dos fundadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), ele foi idealizador do Programa Farmácias Vivas, projeto que serviu de modelo para a criação, pelo Ministério da Saúde, da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, adotada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

As Farmácias Vivas incentivam o uso adequado de plantas e seus extratos com respaldo científico, visando tratar várias doenças. O legado de Abreu é fruto de 40 anos de pesquisa pelo sertão nordestino, coletando e catalogando informações sobre as plantas medicinais que já faziam parte da região.

Ele foi membro da Academia Nacional Cearense de Ciência, da Academia Cearense de Farmacêuticos e da Academia Nacional de Farmácia da França. Foram mais de 20 livros publicados, e a espécie de planta Croton regelianus var. matosii recebeu esse nome em sua homenagem.

Hoje, a UFC conta com um Horto de Plantas Medicinais, localizado no campus do Pici, constituído de 139 espécies com certificação botânica, cultivadas em canteiros, covas individuais, cercas ou caramanchões. Quem coordena o espaço e o programa Farmácias Vivas é Mary Anne Bandeira.

Para além de farmacêutica, professora e presidente da Associação Brasileira de Farmácias Vivas, ela é também uma grande admiradora e provedora desse legado. “Me tornei discípula. Quando ele faleceu, a família e a universidade me procuraram, então assumi a coordenação do projeto”, relembra.

Ela relembra o início da amizade enquanto nos mostrava o acervo, repleto de arquivos que contavam toda essa trajetória, além de uma sala de aula e um Laboratório de Produtos Naturais.

Mary Anne Bandeira é farmacêutica, professora e coordenadora do Horto  (Foto: Rafael Santana )
Foto: Rafael Santana Mary Anne Bandeira é farmacêutica, professora e coordenadora do Horto

“Comecei como estagiária, estudando plantas anti-inflamatórias e cicatrizantes. Ele me incentivou a fazer mestrado e doutorado. Quando surgiu a oportunidade de doutorado na França, não fui. Não queria deixar dr. Matos”, comenta.

Para ela, o maior legado do professor foi a sensibilidade. Ela revela que ele costumava acolher tanto pesquisadores internacionais, quanto alunos de escolas públicas com o mesmo respeito.

“Ele dizia: 'Você tem que aprender a ver o homem que faz uso da planta dentro do seu contexto social e econômico. Não adianta ensinar uma receita de chá sem entender a realidade de quem vai usar’. Isso, para mim, foi transformador”, afirma.

Mary Anne descreve que o pesquisador utilizava todos os recursos disponíveis na época, e tinha também um hábito curioso: se encontrasse um objeto que se parecesse com algo da natureza, ele guardava e trazia para o acervo.

“Dr. Matos era muito atento às questões ambientais. Uma vez, ele me perguntou por que o marmeleiro era chamado de 'sabiá chorando'. Ele explicou que durante as queimadas, a resina da planta derretia e escorria como se fosse uma lágrima”, recorda.

Na Farmácia Viva, a coordenadora fala sobre o viveiro com árvores, arbustos e plantas medicinais, no qual são produzidas mudas certificadas, distribuídas para prefeituras. Ainda, às sextas-feiras realizam-se as oficinas com a comunidade, ensinando a preparar remédios caseiros com base científica.

“Essa riqueza de conhecimento vem dos povos originários e da ancestralidade negra. O estudo científico parte dessas informações populares passadas de geração em geração, é a fronteira entre a comunidade e a ciência. O dr. Matos incentivava diversos grupos de pesquisa”, ressalta.

 

 

Reflexões necessárias

Entre a diversidade verde presente no Horto do Pici, estava Jeruza Magalhães, gestora ambiental e técnica agrícola, e Amélia Ramos, química e professora de capacitação de recursos humanos.

Jeruza Magalhães, Amélia Ramos e Mary Anne(Foto: Rafael Santana )
Foto: Rafael Santana Jeruza Magalhães, Amélia Ramos e Mary Anne

Elas plantavam a batata de purgaOperculina macrocarpa — usada na “pílula do mato”, conhecida pelo efeito laxante e de “limpeza do sangue”.

“Ainda não temos estudos científicos sobre ela, falta muito o que fazer pela Farmácia Viva na ciência. A pílula do mato é famosa, mas a origem se perdeu. Muitas dessas plantas são altamente tóxicas, como a cabacinha (Luffa operculata), e exigem cuidado e dosagem correta”, explica Amélia Ramos.

Segundo Jeruza Magalhães, nem tudo que é natural é inofensivo. Um chá, por exemplo, não é só “água com açúcar”. Na infusão ou decocção, extraem-se substâncias químicas da planta com efeito farmacológico.

“Quando trabalhamos com a comunidade, usamos os sentidos — cheiro, cor, sabor — para entender princípios ativos e como as plantas funcionam. Algumas são tóxicas. Planta medicinal é medicamento, quando usada corretamente. Aqui mesmo temos a espirradeira, altamente tóxica”, alerta.

Durante essa troca de interação, Amélia Ramos revela a paixão por plantas e os 13 anos que trabalhou com o professor Matos. “Ele dizia que quando a gente não conhece elas, tudo é mato. Mas quando conhece, vira farmácia. A gente aprende a preservar. A integração da medicina tradicional com as plantas são fundamentais”, enxerga.

Mary Anne, que também estava presente na conversa, fez uma reflexão sobre a cannabis, planta com alto teor medicinal e com cultivo proibido por lei no Brasil e permitido somente com habeas corpus. Para ela, é uma questão delicada, mas importante.

“Não fazemos cultivo, mas defendemos que cada estado tenha seu horto-matriz, com apoio das secretarias de saúde e segurança. Há uma dívida social, ela tem compostos eficazes e precisamos discutir seu uso como medicamento. O dr. Matos já questionava por que olhamos somente o lado negativo”, comenta.

Ela ainda destaca os desafios da descontinuidade política para consolidar mais ainda essas farmácias no SUS. “As verbas são escassas. E quando muda a gestão, o trabalho pode ser interrompido. Isso impacta diretamente as comunidades”, finaliza.

 

 

As guardiãs da tradição

Para essa reportagem, O POVO visitou a comunidade indígena de etnia Tapeba, na Aldeia do Trilho, no município de Caucaia. Lá, fomos recebidos por Elizabete Cruz, conhecida como Bete Tapeba, líder da aldeia e artesã, e Lucilene de Oliveira, responsável pelo horto da área.

Os Guardiões da Medicina Tradicional do Povo Tapeba procura a continuidade desse legado (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Os Guardiões da Medicina Tradicional do Povo Tapeba procura a continuidade desse legado

Elas fazem parte do grupo Guardiões da Medicina Tradicional do Povo Tapeba, responsável pela manutenção dos ensinamentos dos troncos velhos (nome dado aos mais velhos) relacionados ao uso das plantas medicinais. São mais de 20 mulheres, além de homens, juntos nesse trabalho.

Além das reuniões mensais, nas quais cada membro compartilha os ensinamentos dos seus antepassados, o grupo promove eventos em escolas e universidades, tem parceria com o posto de saúde da aldeia e criou um livro com a catalogação de mais de 51 plantas medicinais.

“É a sabedoria do povo Tapeba. O nosso intuito é não deixar que a nossa medicina tradicional morra. É o ensinamento dos nossos ancestrais. A gente troca saberes entre si, além de experiências e pesquisas. No começo a gente fazia caderninhos à mão e distribuía para todo mundo”, comenta Bete Tapeba.

Lucilene de Oliveira, responsável pelo horto da comunidade (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Lucilene de Oliveira, responsável pelo horto da comunidade

Lambedores, garrafadas e a retomada da utilização de plantas é uma realidade no grupo. “Nos reunimos muito com os troncos velhos, desde pequena fui acostumada a tomar remédio do mato e nunca perdi esse costume. Nosso objetivo é incluir os jovens para continuarem esse legado”, explica Lucilene.

Bete Tapeba, que também é Conselheira Cultural de Caucaia e a primeira professora a iniciar uma escola na comunidade,  enxerga a participação da juventude como ponto crucial para a permanência da tradição e a luta por reconhecimento aos povos originários.

“Eles estão se engajando, aprendem e procuram a gente. Sou uma das que está sempre nas escolas. Mas ainda falta muito trabalho, a gente ainda sofre muito preconceito, principalmente quando falamos de remédio tradicional. Não querem aceitar, mas resistiremos, porque o povo precisa ter esse conhecimento”, reflete.

Não só a sabedoria das plantas medicinais, mas o artesanato e o conhecimento das parteiras são um dos resgates da comunidade. Lucilene destaca que para além da medicina, as plantas são direcionadas também para a espiritualidade, e se sente muito realizada quando esse conhecimento circula.

 Elizabeth Cruz da Silva, líder da comunidade (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Elizabeth Cruz da Silva, líder da comunidade

Existe muito apagamento. Tem gente querendo tomar isso para si, como se fossem descobertas novas. Poucos vêm até nós para aprender como usamos as plantas. Quando vêm a gente ensina, sempre foi assim”, conclui.

O estudante de farmácia da UFC, Carlos Teixeira, também indígena Tapeba, é um exemplo dessa continuidade de legado. Em sua vivência, as plantas sempre foram muito utilizadas, e ele procurou os estudos para entender todo o funcionamento desse universo.

“Temos várias crenças e formas de cuidado. Quando a própria família não sabe tratar, a gente recorre à curandeira da aldeia, à rezadeira, aos raizeiros ou à pajé. É um conhecimento passado pela oralidade, que muitas vezes pode se perder, e essa perda de saberes é algo que vivemos constantemente”, afirma.

Carlos Teixeira é indígena Tapeba é estudante de farmácia da UFC(Foto: Rafael Santana )
Foto: Rafael Santana Carlos Teixeira é indígena Tapeba é estudante de farmácia da UFC

Segundo ele, fora da aldeia as pessoas ainda olham com desdém para esse saber popular.
“Infelizmente, na universidade isso ainda acontece. Levo comigo o nome do meu povo para onde eu for. Tentamos manter vivo esse legado, a convivência ajuda muito, nos rituais tradicionais e nas conversas do dia a dia”, diz.

Sobre a espiritualidade, Carlos explica que é uma conexão com os espíritos das plantas, dos encantados das florestas e com tudo que tem vida.

“Acreditamos que tudo isso está interligado. A ciência dá outros nomes para isso, mas é observando e se relacionando com o território que esse conhecimento nasce. Nenhuma espécie é superior à outra. A forma de obter conhecimento deveria partir da escuta, do respeito à vida”, destaca.

Ele afirma que ainda há muita luta para ser feita, e que o método colonizador ainda torna tudo reprodutível, “sem viés”. Para o estudante, a academia pega seus saberes e os transforma no método científico, padronizando e explorando, sem nenhum retorno.

“Toda observação parte de uma percepção. Muitas vezes nossos conhecimentos são oferecidos com generosidade. Acho que hoje precisamos reconhecer que existem outros métodos de conhecimento, outras formas de pensar e de viver”, finaliza.

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