Destaque internacional pela produção de frutas frescas como melão, o Ceará planeja uma transformação no cultivo e investe para dar uma nova cara ao agronegócio do Estado a partir de culturas de valor agregado que impulsionem as exportações e gerem mais empregos de renda elevada.
O investimento pode resultar em um valor bruto da produção (VBP) agrícola de até R$ 11,21 milhões – três vezes maior que o atual.
A estimativa é da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), que tem estimulado estudos e experiências com frutas como mirtilo (ou blueberry, em inglês, ou arándano, em espanhol) e o abacate hass – variedade típica do México e de alto consumo em países latinos e Estados Unidos.
Soma-se à aposta o desenvolvimento de sementes de grãos, como soja, trigo e milho, de alto potencial produtivo. Os itens despertaram o interesse de pequenos, médios e grandes produtores do Estado, e de fora.
O POVO foi conferir essas iniciativas e mostra, a partir de hoje, em episódios semanais, como os produtores cearenses estão lidando com a nova plantação: o investimento inicial, as dificuldades para fazer as tentativas darem certo e os resultados já obtidos.
As histórias do especial Agronegócio Nobre dão nova cara do agronegócio cearense e vêm da Serra da Ibiapaba e de Crateús, com protagonistas diversos, cujo objetivo em comum é o progresso pessoal e do Estado.
"Temos clima, acesso à água e logística excelentes. Temos tudo para fazer uma agricultura moderna. É essa agricultura que a gente quer ver no Estado. Isso gera a possiblidade de viver no meio rural com qualidade de vida e renda boa, e observamos isso em todo o Ceará."Silvio Carlos Ribeiro, secretário executivo de Agronegócio da Sedet
Amílcar Silveira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), valoriza o empenho, alerta sobre a segurança hídrica e reforça: “Eu acredito na cultura de valor agregado e não tem outra saída para nós. Além disso, o mundo precisa de fruta e a gente está na saída do Oceano Atlântico. Resumindo, o Brasil está engatinhando na fruticultura e a gente está no canto correto.”
Com apoio do setor e de posse de estudos feitos por consultores, o cientista-chefe da Sedet e pesquisadores parceiros, Sílvio Carlos selecionou culturas específicas para a realização de workshops e até de transmissões pela internet ao longo da pandemia.
As projeções, segundo destaca, são promissoras. O clima escolhido para cada nova iniciativa permite uma colheita em janelas de exportação competitivas, nas quais os principais produtores estão sem oferta no mercado internacional e os compradores poderão experimentar os itens cearenses.
Além disso, o investimento e determinadas técnicas aplicadas nas novas plantas, em alguns casos, assemelha-se ao que já é feito no Ceará, dando conforto e segurança ao produtor rural. Para completar o cenário positivo, o secretário executivo assegura que há a possibilidade de abastecimento do principal recurso necessário para a garantia das plantações: água.
Principal gargalo para agricultores e pecuaristas, sejam micro ou de grande porte, o volume de água pode ser ampliado em mais de duas vezes para a irrigação, de acordo com Sílvio Carlos. Atualmente, ele contabiliza 80 mil hectares de perímetros irrigados no Estado.
Mas ressalta um estudo da Agência Nacional de Águas (ANA), em parceria com o Ministério da Integração, que aponta a possibilidade de chegar a 200 mil hectares.
No mundo, segundo o secretário executivo, 70% da água vai para o agro, 20% para abastecimento humano e 10% para a indústria, a depender de zonas industriais e vocação local.
Mas, “o Estado do Ceará tem menos recurso indo para a indústria. Não chega a 60% porque não temos um setor tão forte.” Mesmo dentro desta divisão, a expectativa é que os metros cúbicos (m³) destinados ao agronegócio também devem ser ampliados nos próximos anos.
Um contrato com o Banco Mundial que envolve estações meteorológicas monitoradas pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e a gestão de tecnologia da informação sobre os dados colhidos dos produtores com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Estado do Ceará (Ipece) serão implantados em 2022 para “uma nova gestão de demanda do setor agropecuário” a partir de 2023.
“Nós tivemos ainda um aporte de 64 milhões de m³ no ano passado e esse ano vai ser mais de 100 milhões de m³ por causa da Transposição das Águas do Rio São Francisco. A ideia é que venha mais água, porque o Rio São Francisco tem condições de ofertar mais água, e o Estado está trabalhando essa nova outorga”, afirma, estimando a ampliação dos atuais 10 m³ por segundo para 26 m³ por segundo.
Foi ciente destas condições que mirtilo, abacate hass e sementes de grãos foram eleitos como novas culturas do agro cearense.
A lógica, segundo ele, é simples: “Se melhorar a eficiência do uso de água, podemos ampliar o cultivo dessas plantas, tendo maior valor agregado numa área menor.” Assim, culturas de grande consumo de água e baixo preço devem ser substituídas, com reflexo também na mão de obra, uma vez que, “como é cultura de trato manual e delicado, o emprego dela é de maior valor agregado, melhor nível salarial.”
“A gente tem muito para crescer e podemos dobrar ou até triplicar nosso valor bruto da produção. Se eu dobrar o plantio com culturas de maior valor, posso triplicar o VBP. Esse é o caminho que a gente tem quer seguir”, arremata.
O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), datado de 2020, estima do VBP agrícola do Ceará em R$ 3.737.596 – montante que representa apenas 0,79% do VBP agrícola brasileiro (R$ 470.481.746). A estimativa de Sílvio Carlos lançaria para o Ceará um potencial de chegar a R$ 11.212.788.
“Foi a primeira coisa que falei: segurança hídrica. Precisa de outorga e reduzir a demora com licenças. Mas o que falta é capital financeiro para injetar cerca de R$ 10 milhões”, avalia Osvaldo Yamanishi sobre os objetivos cearenses. O professor da Universidade Nacional de Brasília (UNB) prestou consultoria para o Estado e é um entusiasta do mirtilo e do abacate hass no Brasil.
Por indicação dele, “pelo menos meia dúzia de grandes empresários”, tanto estrangeiros quanto brasileiros, estiveram no Ceará avaliando o início de alguma dessas culturas nos últimos dois anos. Mas esses dois gargalos apontados por ele fizeram esse pessoal recuar. Em contrapartida, o pesquisador estimulou o cultivo por cearenses.
Os dois produtores rurais visitados pelo O POVO – e que serão conhecidos nas próximas edições do especial Agronegócio Nobre no Ceará – tiveram consultoria de Yamanishi. Desde visitas até troca de mensagens sobre técnicas, compras de insumos e mudas e ainda dicas de comercialização foram dadas para viabilizar o plantio no Estado.
As duas frentes, de atração e estímulo, fazem parte do foco da Sedet neste momento, conta SÍlvio Carlos. Na última semana, inclusive, ele esteve juntamente com a equipe da secretaria no Peru. O país é um dos exemplos no cultivo de mirtilo e abacate hass na América Latina.
“Temos atração internacional, nacional e o estímulo ao interesse local. O secretário Maia Júnior (titular da Sedet) tem nos provocado bastante. Temos que mostrar que temos resultados e que a gente tem potencial de atrair investidores. Mostrar, promover e atrair, seja no Brasil seja no exterior”, diz, acrescentando que possui ainda agenda em feiras em Berlim (Alemanha) e Madri (Espanha) neste ano com esses objetivos.
Perguntado sobre as técnicas estimuladas e a forma como desenvolver as novas culturas sem o uso de agrotóxicos, o secretário executivo afirmou que não desconsidera a possibilidade de estimular o cultivo orgânico, mas que, inicialmente, e para produção em larga escala ainda é inviável economicamente.
“Esse é um caminho que está crescendo, mas que ainda vai demorar principalmente para os grãos, como soja e milho. Para frutas e hortaliças, não, a gente vê um caminho mais rápido voltado para o orgânico. Mas ainda vai ter mercado para os dois”, diz, afirmando que há rigor nas lavouras cearenses que fazem uso dos tóxicos.
De acordo com Sílvio Carlos, o monitoramento sobre o que é feito em todos os aspectos nas plantações garante segurança ao produtor e ao consumidor sobre as frutas e sementes, “até porque o mercado exige.”
“Mas é ruim (o uso de agrotóxicos)? Não. Tem produtos de qualidade, saudáveis e que as pessoas podem se alimentar sem problema. As certificações tratam da preocupação com o produto”, argumenta.
Dentro das possibilidades de ampliar a produção de orgânicos no Estado nesta vertente de culturas de maior valor agregado, ele cita as plantações de acerolas e ainda aponta para o cultivo protegido como uma técnica propícia ao desenvolvimento de alimentos sem agrotóxicos no Ceará.
A técnica permite uma proteção maior das plantas, criadas em estufa e com condições climáticas ideias para o pleno desenvolvimento.
Para isso, o Estado trabalha na conclusão do Centro de Tecnologia em Cultivo Protegido (CTCP). O equipamento está sendo construído em Barbalha, onde operava a antiga usina de cana-de-açúcar.
O investimento foi estimado em R$ 20 milhões e deve reunir especialistas do Estado e até de fora do País para disseminar técnicas modernas aos agricultores cearenses. Na lista de novas iniciativas, cita Sílvio Carlos, estão cacau, hortaliças e aquicultura.
“Já estamos tendo um novo corpo técnico entrando na Ematerce (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará). Pessoal jovem que vem com essa vontade de trabalhar, porque vamos precisar muito deles nessa revolução da agricultura no Estado. Centro de Barbalha está com expectativa muito grande e creio que vai ser referência nacional”, finaliza.
Reportagem seriada sobre culturas nobres em cultivo no Ceará