Mais uma das grandes apostas para dar uma nova cara ao agronegócio cearense tem a Serra da Ibiapaba como ambiente promissor. Trata-se do cultivo de abacate hass, ou avocado (como se escreve em espanhol).
Negociado a R$ 50 por quilo enquanto as outras variedades da fruta saem por R$ 8 nos supermercados locais, o hass está sendo adotado pelos agricultores cearenses devido à familiaridade de alguns com o plantio de abacate naquela região, além de enorme potencial de exportação.
O cultivo desta variedade, hoje, consolida-se entre os produtores da Ibiapaba em várias cidades, como Ubajara, Tianguá e São Benedito. A fruta é conhecida há quase uma década por agricultores mais experientes, mas nunca emplacou uma larga escala pela pouca penetrabilidade no mercado local e pelo desconhecimento do valor que o produto tem no Exterior.
De cara, o hass não despertou interesse nem dos produtores nem dos consumidores do Estado. A fruta causou estranhamento pelo visual, pois apresenta tamanho menor e casca mais áspera que os abacates já conhecidos pelos cearenses.
“Tem uma aparência mais ou menos feia, como se fosse a pele de um cururu, bem rugosa, e quando amadurece vai ficando mais para o preto”, descreve Erildo Pontes, coordenador de Recursos Hídricos para o Agronegócio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho (Sedet).
Ele lembra ainda que, “onde se consome mais o avocado, consomem como legume”, acrescentando que o principal prato feito é a guacamole – receita típica do México feita de abacate, pimenta, tomate e cebola e que serve de acompanhamento a proteína animal ou petisco. Maduro, o hass tem textura amanteigada e caroço pequeno. Já a planta não difere tanto dos demais abacateiros, inclusive no consumo de água.
O investimento é uma das estratégias da Sedet no projeto de mudança do agro local. Os esforços, materializados em workshops e palestras feitos nos últimos anos, mostraram como o hass é valorizado tanto dentro quanto fora do Brasil e, assim, a aversão deu lugar ao interesse pelos agricultores.
Com auxílio do professor Osvaldo Yamanishi, da Universidade Nacional de Brasília (UNB), alguns começaram a fazer experimentos e, alguns, já alcançam resultados promissores.
Arnaldo Fernandes Damasceno é um dos produtores da Serra da Ibiapaba que desconheciam o abacate hass até cerca de dez anos. Agricultor desde a infância, quando ajudava os pais a lidar com o plantio de cana-de-açúcar e café, ele herdou “alguns hectares de terra”, nos quais trabalha, simultaneamente, com criação de 90 cabeças de gado para abate, cultivo de maracujá e abacates, que substituíram as culturas as anteriores por se mostrarem mais rentáveis a ele e os irmãos, além da produção de mudas das mais variadas plantas.
O encontro com o “avocado” se deu quando visitou a propriedade de um primo, também agricultor, e viu um abacateiro “carregadinho de fruta, e tudo no chão já se estragando.” À revelia da indiferença do parente que deixou os frutos apodrecerem no chão, ele provou, achou muito bom e levou uns galhos para cultivar.
Com os abacateiros já produzindo, enviou alguns para uma irmã que mora na Capital e descobriu o real valor do abacate hass. “Ela me ligou e disse: ‘Onde tu arrumou esses abacates? São bons de demais.’ Ela disse que tinha, em Fortaleza, è época, custando de R$ 43 o quilo. Mais caro que um quilo de carne, homem”, relembra, ainda admirado.
Arnaldo, então, acrescentou a nova variedade às mudas que já cultiva e passou a investir na plantação em larga escala do hass. Logo, algumas fileiras da fruta “mais feiosa” surgiram entre os abacates dos tipos betânia, margarida, quintal e pingo de ouro já plantados em oito hectares de terra em Ubajara. Os frutos são enviados para a Ceasa e, conforme as negociações entre os atravessadores, chegam em quase todo o Nordeste.
Quando O POVO esteve na propriedade de Arnaldo, em dezembro de 2021, os planos dele eram de aumentar o cultivo do hass em, ao menos, 500 novos pés em um terreno de 22 hectares que divide com os irmãos.
O investimento, no entanto, não seria apenas focado para produção do fruto, mas de mudas também. Mudas ajudaram a disseminar a variedade da fruta na Ibiapaba e já foram vendidas pelo Brasil e Exterior.
Proprietário do Viveiro Mulungu, em Ubajara, Arnaldo trabalha com mudas há mais de 20 anos. Da propriedade dele, atualmente, saem diversas plantas – desde abacateiros até pitaia – para maioria dos produtores da região e, assim, o abacate hass chegou em outras propriedades.
O impulso veio nos últimos anos a partir da disseminação de informações sobre o valor agregado daquele “abacate feioso” feito pela Sedet, e a demanda do viveiro aumentou.
Mas a expansão não chegou a ser tão veloz, uma vez que só para preparar a muda leva mais de 1 ano, segundo conta Arnaldo.
Tudo começa com parte de abacateiros de outras variedades, os chamados “cavalos”, que são usadas como base para o enxerto do hass.
"Quando eu enxerto, é como se a planta pulasse da infância para a idade adulta, sem adolescência. Assim, ela produz mais rápido."Erildo Pontes, coordenador de Recursos Hídricos para o Agronegócio da Sedet, sobre a aceleração que faz a planta atingir maturidade para produção em cerca de três anos
Dos negócios fechados, ele destaca uma remessa acertada com o professor Osvaldo: “Ele trouxe os enxertos e eu fiz, somente de avocado, 10 mil mudas que ele levou para Buriti, em Minas Gerais.”
Mas as mudas de Arnaldo também chegaram ao Exterior. Um colombiano que já comprava outras plantas dele visitou a propriedade e deu de cara com o avocado de mais de 5 metros plantado por Arnaldo nos arredores da casa de varanda onde mora com a esposa e a filha.
Admirado, o colombiano perguntou quantas mudas tinha para vender. Na ocasião, no entanto, apenas foi possível providenciar 260 delas. “Não dá para fazer de má qualidade. Mas de pouco em pouco, a gente vai fazendo nosso nome.”
Trabalho que tem valido à pena para o viveirista de Ubajara, uma vez que o valor da muda do hass custa R$ 20 e dos demais abacates, R$ 14. Mas ele não consegue atender toda a demanda e conta que grandes produtores locais chegaram com pedidos de milhares de mudas de hass que não conseguiu entregar. Volume que deve consagrar a cultura nos próximos anos.
Um dos que demandaram mudas de Arnaldo é um gigante da agricultura brasileira com áreas plantadas na Serra de Ibiapaba. De posse de todo o conhecimento – e recurso financeiro – necessário para produzir o abacate hass, Roberto Reijers, um dos maiores produtores de flores do País e o maior do Ceará, resolveu investir na fruticultura.
Ao mesmo tempo que mantém a produção de flores, ele prepara 500 hectares naquela região para o plantio de abacate hass exclusivamente para exportação, além de mais dezenas de hectares de outras culturas para atender o mercado nacional.
“Nós fizemos vários testes, mas o projeto que a gente quer fazer, que é grande, é o abacate hass, com 500 hectares destinado à exportação. Vamos começar a primeira fase mês que vem (março de 2022) com 50 hectares só de avocado”, planeja, lembrando que parte das plantas foram compradas de Arnaldo e restante veio de São Paulo.
Sem revelar o montante investido, ele adianta que o recurso inicial é próprio. O empresário planeja tomadas de créditos apenas após a produção estar vendida. As negociações para isso, segundo conta, devem acontecer nos próximos anos, mais perto da colheita dos abacates.
Ao comparar a fruticultura com a floricultura, Reijers aponta o clima e a localização como adequado para ambos e alerta para estratégias de mercado diferentes, que envolvem plantio e colheita em determinadas épocas do ano para encaixar a produção em uma janela de exportação na qual não haja concorrentes.
Julio Cantillo, agrônomo colombiano radicado no Ceará há 20 anos e que acompanhou O POVO na visita à produção da Reijers em São Benedito, em fevereiro de 2022, ainda aponta outro nicho a ser atendido além do consumo humano: “Avocado é utilizado especialmente para óleo e os holandeses estão muito interessados. Tanto assim que Peru e Colômbia tem um milhão de hectares plantados de avocado.”
Outra característica da plantação do hass planejada por Reijers quando comparada a flores é a menor empregabilidade, visto que os abacateiros devem ter mão de obra mais intensa durante a plantação e a colheita, além da adoção de processos mecanizados.
"É preciso algo em torno de 4 a 6 pessoas por hectare para cuidar dos abacates enquanto as flores precisam em torno de 12 a 14. Como em Petrolina, em Pernambuco, vamos precisar de pessoas para poda e os cuidados diários dos abacateiros."
Além do hass, Roberto Reijers ainda revela o investimento em outras frutas na região da Ibiapaba, ao plantar 25 hectares de limão, 20 hectares de goiaba, 5 hectares de pitaia em áreas significativas no município de São Benedito, mas voltadas ao mercado nacional.
“Da mesma forma que as flores, as frutas têm uma região muito propício para friticutura. Se você vier de Recife até Pará, pode ser abastecido pela serra da Ibiapaba. Aqui pode ser o grande cinturão verde do Nordeste”, ressalta.
Apesar da expansão e do reconhecimento adquirido nos últimos anos, o abacate hass ainda enfrenta obstáculos relevantes na missão de dar uma nova cara ao agro cearense atribuída a ele pela Sedet.
A falta de comprador que torne o investimento na produção confortável é o principal para Arnaldo Fernandes Damasceno. Como a produção do hass é semelhante em tudo às demais categorias, para ele, só falta a garantia de que haja compradores dos frutos.
“Mas tem que ser uma coisa certa para a gente plantar. Arrumar 20 produtores e cada um com 5 hectares, já dava 100 hectares. Bota aí 15 mil ‘pés’ por hectare, cada um dando de 40kg a 50kg. Temos um começo para exportação”, estima.
Já Ernesto Emori, sócio proprietário da Agropecuária Sem Fronteira, apontam para a irrigação como o principal desafio. Localizada em Tianguá, a empresa possui uma área de 1.700 hectares nos quais são produzidos, principalmente, acerola orgânica (70%) e abacates (30%) – com pequena área arrendada para hortifruti e, em 2022, milho e soja.
A experiência no cultivo de abacateiros e os contatos do sócio dele no Exterior estimularam o teste com o hass nos últimos anos, mas a estiagem não viabilizou a continuidade.
“Nós temos 60 hectares de abacate comum. Nessa seca que passamos, cortaram nossa água e passamos 1 ano e meio sem poder irrigar”, lamentou. A área é abastecida pela água da represa do Jaburu que teve o envio para irrigação interrompido devido à seca.
Isso fez com que as mudas de hass não se desenvolvessem a contento, segundo ele, e os planos de uma produção para exportação que entrasse no intervalo da safra de São Paulo e Minas Gerais fossem cancelados pela Agrícola Sem Fronteira.
Dessa forma, a empresa concentrou o hass em Minas Gerais, onde também possui terras, e deixou no Ceará a produção de acerola orgânica – colhida ainda verde é vendida para empresas que fazem o extrato e vendem para Euripa para a fabricação do pó concentrado de vitamina C.
Na colheita de acerola e abacates, além dos 150 profissionais entre contratados diretos e indiretos, a agrícola chega a aumentar a mão de obra em 200 pessoas. A estimativa é de que esse número fosse expandido à medida que o novo cultivo se fortalecesse.
O abastecimento para a irrigação também foi o gargalo encontrado pelos investidores trazidos pelo professor Osvaldo Yamanishi à Serra da Ibiapaba e em outras regiões cearenses.
“Estamos vendo terra no Araripe (a 527km de Fortaleza), mas a questão da água complica. Precisa de mais políticas públicas. Investiu muito em irrigação na parte baixa, mas na serra, pouco se fez. Lá está o maior potencial de frutas de valor agregado”, aponta o pesquisador.
Ao apontar o mesmo problema como definidor de investimentos iniciais e também para a ampliação da área plantada, Roberto Reijers precisou montar uma estratégia de plantio para garantir o abastecimento de água na área plantada de hass.
“Nós vamos resolver nosso problema momentâneo plantando em pequenas áreas espalhadas. Eu não conseguiria, nem que eu tivesse 500 hectares junto... Eu não ia poder plantar porque não tem água para isso. Mas como eu tenho 50 hecateres em um local mais 100 hectares aqui... Vou conseguir fazer os 500 hectares pulverizados para poder irrigar.”
Para ele, este é um problema que apenas deve ser resolvido “a nível de Governo Federal” e sugere a aplicação dos recursos na construção de pequenas barragens localizadas estrategicamente, reduzindo o custo de transporte da água e atendendo todos os produtores. Isso, segundo ele, pode garantir a produção de diversas culturas, incluindo o hass para exportação.
Hoje, ao exportar cargas de abacate, os produtores cearenses faturam, em média, US$ 1,74 por quilo. Valor que poderia ter um impulso se a maior parcela de exportação for do hass. Se os esforços para converter os agricultores à nova cultura surtirem efeito, o Estado deve também dar uma guinada na exportação da fruta, que tem baixa expressão na pauta local e nacional.
Depois de uma participação quase imperceptível na exportação de abacate do País entre 2002 e 2003 - quando enviou 50kg e 68kg, respectivamente, ao Exterior, e faturou US$ 25 e US$ 39 em cada ano -, o Ceará somente voltou a figurar entre os estados brasileiros exportadores desta fruta em 2018.
Mais uma vez foi uma quantidade de baixo porte, 72kg, que saltou para 1.432kg no ano seguinte. Em 2020, o volume expandiu para 1.721kg, segundo os dados da plataforma Comex Stats, recuando para 1.525 no ano passado. Obviamente, o faturamento saltou de US$ 180, em 2018, para US$ 2.104 (2019) e US$ 2.713 (2020). Em 2021, o recuo no volume foi visto nos valores, que reduziram para US$ 2.667.
Na prática, considerando os últimos 21 anos, o Ceará está entre os cinco últimos exportadores do País em termos de quantidade, com 4.868kg enviados para fora do Brasil neste tempo. Isso o deixa a frente de Roraima (3.545kg), Amazonas (1.684kg), Amapá (452kg) e Sergipe (5kg).
Quando o comparativo é o valor, o Ceará sobe uma posição ao somar US$ 7.728 em 20 anos e ultrapassar o Mato Grosso do Sul - estado que, mesmo tendo maior volume enviado para fora do País, teve menor faturamento: 55.248kg e US$ 7.276.
O cenário, no entanto, não é irreversível e, mais uma vez, como ressalta o professor Osvaldo Yamanishi, o espelho é o Peru. Assim como o mirtilo, os produtores peruanos investiram no abacate hass nos últimos anos. Entre novembro de 2020 e igual mês de 2021 – últimos dados disponíveis até o fechamento desta reportagem –, a fruta com o segundo maior crescimento na exportação peruana era o abacate hass.
Foram 40% em 12 meses, saltando de US$ 747 milhões para US$ 1,049 bilhão, de acordo com dados do órgão responsável pelas exportações peruano. A expansão, inclusive, foi maior do que a do mirtilo, que saltou 27% no mesmo período – apesar de movimentar bem mais dinheiro: 1,146 bilhão ao todo.
De vantagem competitiva para exportação, o empresário Roberto Reijers destaca a localização da Serra da Ibiapaba – onde se desenha a área mais promissora de plantio do abacate hass – como estrategicamente próxima ao Porto do Pecém.
O terminal já possui estrutura adequada ao envio de frutas para o Exterior devido à experiência obtida na exportação dos melões produzidos em Icapuí e das mangas e uvas do Vale do São Francisco, entre Pernambuco e Bahia.
A partir do Pecém, segundo ressalta, os abacates hass produzidos no Ceará podem chegar a outros locais do mundo, desde a Europa até os Estados Unidos, sem dificuldade logística.
Por Filipe Oliveira de Brito (*)
O avocado e seu primo abacate apresentam uma composição de nutrientes que chama a atenção. É uma fruta com grande quantidade de lipídios, o que o torna com alto teor de calorias. Contudo, esses lipídios são do tipo monossaturado (similar ao encontrado no azeite de oliva), o que podem ajudar no controle e prevenção de doenças cardiovasculares como a hipercolesterolemia.
Apresenta boa quantidade de vitamina C e, por ser rico em gordura, também tem boa quantidade de vitaminas A e E (vitaminas lipossolúveis). A reunião dessas vitaminas numa mesma fonte alimentar a torna uma ótima fonte de vitaminas antioxidantes, tão importantes para a manutenção de nossa saúde, auxílio ao envelhecimento saudável e bom funcionamento do Sistema imunológico.
Mas não podemos olhar as frutas apenas em relação aos nutrientes! As frutas e vegetais possuem componentes chamados “Compostos Bioativos”, os quais não possuem função de nutriente, mas promovem grande auxílio à manutenção de nossa saúde.
Esses compostos bioativos são substâncias produzidas pelas frutas e vegetais para se proteger da “agressão” do clima, insetos e fungos. No corpo humano, esses compostos apresentam grande efeito antioxidante e anti-inflamatório, ajudando no envelhecimento saudável, manutenção da saúde e bom funcionamento do sistema imune.
Já o avocado possui glutationa em sua composição, componente importantíssimo do nosso Sistema antioxidante. Além disso, possui grande quantidade de carotenoides, substâncias similares à vitamina A, mas que não possuem efeito de vitamina. Mesmo não sendo utilizado pelo corpo como vitamia, eles promovem grande efeito antioxidante, ajudando no controle das doenças crônicas.
(*) Nutricionista funcional, mestre em Saúde Coletiva (Uece), com atuação em consultório, e professor do curso de graduação em Nutrição da Universidade de Fortaleza (Unifor) e de cursos de especialização em Nutrição Clínica, Funcional, Esportiva e Fitoterapia.
Reportagem seriada sobre culturas nobres em cultivo no Ceará