Iniciado há 22 anos, o plantio de flores no Ceará deve ter as experiências de implantação e evolução encaradas como aprendizado no processo de entrada nesta agricultura moderna da qual o Estado quer fazer parte, agora.
Semelhante ao que acontece com mirtilo e abacate hass (culturas abordadas nos próximos episódios), o cultivo de flores era desconhecido pelos produtores locais e a entrada de grandes investidores brasileiros estimulou o negócio e trouxe efeitos positivos para a agricultura local.
O avanço, como recorda o secretário da Agricultura do Estado à época, Carlos Matos, é visto em números: área plantada saltou de 25 hectares para mais de 300 hectares, com valor bruto da produção estimado em R$ 150 mil por hectare.
Dentre os ambientes apresentados, a Serra da Ibiapaba foi o que mais atraiu empresas já consolidadas e de atuação nacional.
A mais conhecida delas, a Reijers – maior produtora de flores do Brasil –, já possuía áreas de plantio e mercado consolidado em Holambra, em São Paulo – cidade referência do setor de flores no País –, mas optou por ampliar a produção a partir de São Benedito, a 347,3 quilômetros de Fortaleza.
O movimento atraiu outras produtoras e, principalmente, estimulou a criação de empresas do tipo no Ceará. Surpreendentemente, a produção de flores no Estado não conta com dados precisos apurados por órgãos federais ou estaduais ao longo desses 22 anos.
Mas, segundo contaram os produtores ao O POVO, consegue chegar em todo o Nordeste e, por algumas temporadas, teve cargas enviadas para a Holanda – principal mercado internacional.
"A gente conseguiu desenvolver a floricultura de uma maneira bem rápida. Em poucos anos, o Ceará se tornou o estado que mais exportava flores cortadas. Estamos falando de um estado que não tinha tradição nenhum no setor de flores. É um feito histórico e uma experiência muito boa."
Com a crise internacional, a empresa parou de exportar. Mas voltou atenções para o mercado local. Atualmente, ocupa a posição de maior fornecedora de flores do Nordeste com números expressivos: 150 mil vasos com plantas e 500 mil hastes de flores cortadas por semana. Ao todo, são mais de cem itens no portfólio.
“Nós temos condições aqui de produzir muito mais, muito melhor e muito mais barato que São Paulo. A Serra da Ibiapaba tem grande potencial de produção de flores e plantas ornamentais”, arremata Reijers, apoiado por Carlos Matos, que acrescenta: “Custo de produção aqui é 20% menor que em Minas Gerais e São Paulo e temos mais 1h de Sol e temos mais colheitas que o clima frio.”
À frente da Secretaria de Agricultura do Ceará há 22 anos, Carlos Matos relembra do trabalho de atração das empresas e de como a instalação delas abriu uma nova fase na geração de empregos naquela região. Experiência que, devido aos preconceitos dos homens em trabalhar com flores, gerou oportunidade para a contratação em massa de mulheres.
Mesmo os agricultores mais experientes e capacitados tinham ou enfrentavam preconceito ao trabalhar com floricultura. As empresas, então, ampliaram a participação feminina nos quadros. “As rosas abriram uma avenida para as mulheres”, destaca o ex-secretário, relembrando o período no qual as contratações começaram.
“Elas se destacaram e se adaptaram muito bem à produção de flores. Tanto é que a maioria dos cargos de chefia e coordenação são de mulheres, aqui”, complementa Reijers, sobre o comando das cerca de 500 pessoas empregadas por ele.
Uma delas é Leidiane Azevedo, 39 anos, que começou na plantação e colheita de lisianthus aos 19 anos e hoje é supervisora da roseira. Os pais dela eram agricultores familiares e criaram os seis filhos na lida do campo, o que a ajudou quando ela começou no novo – e único – emprego.
“Meu pai dizia que eu era mais cabra macho que os meus irmãos”, conta aos risos. Dois, dos cinco, inclusive, também trabalharam na Reijers. O trabalho, inicialmente, fez com que as conquistas das pessoas fossem traduzidas “na compra de sofá, fogão, que não tinham.” Em 20 anos, Lady, como é chamada na empresa, ajudou os pais, os irmãos e, hoje, cria três filhos: de 20 anos, 12 anos e 2 anos.
“Hoje, eu tenho a minha casa, tenho a minha moto e tenho minha casa”, orgulha-se. O filho mais velho, Michel, trabalha sob a supervisão dela. Mas, pelo gosto da mãe, isso deve demorar pouco tempo, porque ela quer vê-lo mais dedicado aos estudos, numa faculdade.
Desejo de toda mãe que pode reverter um cenário típico do Interior: quando, sem emprego, o cearense sai de casa para a cidade grande, seja no Ceará ou no Sudeste, atrás de um trabalho com salário melhor, deixando a família aqui.
Este é o cenário que o secretário executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), Sílvio Carlos, quer eliminar com as novas culturas: ter uma mão de obra qualificada, de alto nível salarial e residente no Interior do Ceará.
Somente assim as macrorregiões poderão gozar de desenvolvimento, tendo empresas e profissionais de ponta investindo localmente. E muito do trabalho começa na mudança cultural, como lembra o engenheiro agrônomo colombiano Julio Cantillo.
Responsável por parte da implantação do cultivo de flores na Serra da Ibiapaba, ele relembra que foi uma mudança completa, começando pelos horários. “Aqui, a cidade começava tudo 8 horas. Parava na hora do almoço, retomando 14h e indo até o fim da tarde. Mas flores precisam de cuidados cedo. Começamos 6h, com 1h de almoço, e 15h todos estão indo para casa”, conta.
O profissional prestou consultoria para o Estado do Ceará quando Carlos Matos era secretário e acompanhou a evolução do cultivo de flores em São Benedito, após uma temporada de dois anos em São Paulo – para onde ele foi contratado por uma multinacional tão logo se formou em Bogotá. Assim como as empresas que se instalaram na Serra da Ibiapaba, ele também montou morada lá há 22 anos.
Além da cultura, os avanços técnicos também foram essenciais para o desenvolvimento agrícola da Região, como destaca o ex-secretário de Agricultura do Estado. Ele enumera desde a economia de água até o pós-colheita:
"Aqui, não havia cultivo protegido, hoje tem cem hectares só de flores. A hidroponia começou irrigada em estrato artificial. Se chove 1,2 mil milímetros, eu consigo captar 12 mil m³ por ano e as rosas em hidroponia só consomem 5 mil m³. E também surgiu possibilidade de campo aberto."
Técnicas assimiladas, principalmente, pelas empresas que cultivam hortaliças. Algumas, inclusive, chegaram a se instalar na região para aproveitar a tecnologia já existente, assim como a mão de obra especializada.
Com a crise de 2015 e a pandemia, Julio Cantillo conta que muitas empresas de flores não conseguiram manter o pessoal trabalhando diariamente na manutenção das plantações e foram vendidas justamente para produtores de hortaliças, com toda a infraestrutura aproveitada, inclusive os funcionários.
Outra possibilidade que a adoção de culturas de valor agregado traz para cidades do Interior é o turismo. Semelhante ao que já se viu no Ceará no Maciço de Baturité, com a Rota do Café, os produtores da Serra da Ibiapaba visualizam, agora, uma rota das flores. Sem apoio de governos, as iniciativas ainda são tímidas e conduzidas individualmente pelas empresas.
Na prática, consiste em um passeio guiado pelas plantações para que os turistas possam fazer fotos, conhecer a produção – muitas vezes desconhecida até pelos habitantes daquela região – e disseminar isso Brasil a fora.
Na Reijers, é planejado um tour com término no café que fica ao lado da “loja de fábrica” e a oportunidade de um novo negócio foi observada justamente porque todo comprador pedia para conhecer as plantações e fazer fotos ao conhecer a empresa.
O mesmo acontece na Flora Fogaça, também de São Benedito. Matheus Fogaça, filho do fundador – um paulista que veio ao Ceará para coordenar a distribuição de flores de outra empresa – conta 7 hectares produzindo e distribuindo flores próprias e de outras empresas pelo Nordeste, com lojas em 4 capitais nordestinas para atacado e varejo.
Mas, na sede, Fogaça prepara a ampliação da loja da fábrica, na qual vende, além dos arranjos, bebidas e comidas típicas da região. O projeto inclui uma praça arborizada com as flores cultivadas por eles e até uma fonte.
*O jornalista viajou para São Benedito a convite da Trainer DG.
Reportagem seriada sobre culturas nobres em cultivo no Ceará