Desde criança, a professora de português Kathleen Barros, 25, apresentava sinais de ansiedade, mas foi só na vida adulta que ela começou a entender que alguns comportamentos eram sintomas do transtorno. Mesmo assim, conta que demorou um pouco para decidir buscar ajuda e tinha 22 anos quando resolveu ter um apoio externo. Precisou de um tempo para desconstruir estigmas que ela mesma tinha em relação à psicoterapia.

"Consegui entender que a mente funciona de formas diferentes e quebrei bastante esse tabu, mas só na vida adulta, depois que eu tive acesso à internet, que comecei a ver pessoas falando sobre isso e depois que consegui ter contato com pessoas que se sentiam (de forma) similar ao que eu sentia", conta.

Em um momento complicado pelo qual passou, Kathleen viveu na pele o preconceito. "As pessoas não queriam me chamar (para sair) porque eu estava em crise, então eu podia 'sugar' a energia", conta. Apesar de isso ter feito ela ficar ainda pior, depois conseguiu ressignificar a situação.

Na família, por sua vez, ela recebe grande apoio emocional e conversa com todos sobre o que está sentindo. Entre os amigos também há suporte. "Minha mãe e meus parentes também conseguem respeitar mais. Quando vamos falando abertamente sobre isso, quando vamos conversando e explicando nossos sentimentos e nossas sensações para eles, eles vão conseguindo mudar essas percepções que foram criadas ao longo do tempo", constata.

A pandemia trouxe dias "muito difíceis" para a professora, com incerteza e medo em relação ao futuro. Às vezes, por exemplo, pensa que vai adoecer se sair de casa para receber uma encomenda. "Tenho buscado coisas para fazer, ver o que pode ser feito para diminuir (a ansiedade), e tentado dar uma reduzida em tudo isso que está acontecendo na minha cabeça. Mas, em grande parte, é uma luta."

Para cuidar da própria saúde mental, Kathleen tem se afastado das redes sociais e de notícias, que antes consumia em excesso, e tem buscado "desacelerar". Além disso, ela vem praticando atividades físicas e se alimentado bem.

Impactos no rendimento e no bem-estar

O nervosismo ao precisar apresentar trabalhos, mesmo virtualmente, e a falta de rendimento nos estudos em um semestre importante para o futuro profissional foram algumas formas como a ansiedade interferiu no dia a dia de Karla Pinheiro, 24, estudante do último semestre de Medicina. O ano que normalmente já seria "mais difícil" — por conta das responsabilidades exigidas no internato e da prova para residência médica — tornou-se mais complicado com a pandemia.

A maior dificuldade foi lidar com a incerteza e com o medo. Ela temia pelos familiares que moram no interior do Estado, como a avó de 95 anos, e se perguntava se nunca mais iria vê-los e abraçá-los. No trabalho em hospitais, Karla não precisou lidar diretamente com pacientes que tiveram Covid-19, mas envolveu-se emocionalmente com as histórias das famílias desses pacientes. "Sofríamos junto aquela angustia de não ter notícias direto e de pacientes jovens falecerem", recorda.

No final de abril, ou em meados de maio último, Karla percebeu o sono desregulado. Chegou um momento em que, mesmo sem ter feito uso de cafeína ou de qualquer outra substância estimulante, ela ficou 40 horas ininterruptas sem dormir. Outra mudança percebida no dia a dia foi a maior frequência das brigas com o irmão, além de sentir taquicardia, tremor e formigamento nas mãos ao fazer uma apresentação e da fome nervosa.

"Eu comia não porque tinha fome, mas porque tinha a sensação constante de que faltava algo, de que tinha que fazer alguma coisa. E, quando não estava fazendo nada, ia comer. Acabei ganhando peso nesse período", relata. Não foi apenas na pandemia que a estudante sentiu sintomas de ansiedade. Por volta do quinto semestre do curso, teve uma experiência "menor escala", e a psicoterapia foi suficiente para ela sentir-se melhor, sem necessidade de tratamento medicamentoso.

Dessa vez, porém, a estratégia precisou ser diferente. Neste mês de setembro, ela buscou uma psiquiatra e deu início ao tratamento com remédio. Também retomou a atividade física e adotou novas formas de estudar. Apesar do pouco tempo, ela conta que já percebe efeitos da mudança de rotina: tem mais disposição, e sono está mais regulado. "O que mais me ajudou, primeiramente, foi o apoio e o carinho das minhas amigas e da minha família. Conversar foi fundamental para todo esse processo", acrescenta.

O alcoolismo e a solidão na pandemia 

Durante os 30 anos nos quais bebeu, o consumo de álcool foi tóxico. Não apenas fisicamente. Os danos foram, sobretudo, profissionais e familiares. Um servidor público aposentado, que prefere não se identificar, conta sua história: o uso abusivo de bebida alcoólica foi desmoralizante. Aos 63 anos, ele conta que os últimos 19 foram em tratamento, um processo de retorno ao equilíbrio e à sobriedade emocional. Durante a pandemia, aumenta a preocupação com as pessoas que já têm transtornos por uso de álcool, como os amigos do grupo de Alcoólicos Anônimos do qual faz parte.

Com a recaída, aumentam os riscos de suicídio. Ainda mais quando se considera o isolamento social. O risco também está associado à falta de cuidados com a infecção pelo novo coronavírus. “O álcool, por ser hiperativo, é propulsor de instintos e negligência, faz com que a gente desconheça o grau de perigo ou de precaução”, diz. “Nós sabemos que o isolamento é benéfico para evitar a transmissão, mas quando a pessoa já tem problemas com drogas, preocupa. Muitas tem depressão, pode levar ao suicídio”, relaciona.

Durante o período em que fez uso da substância, ele conta que confusões, acidentes de trânsito e até mesmo agressões eram comuns. Ele relata que o hábito de beber começou a ser um problema grave quando percebeu que estava “perdendo o controle da vida e do consumo”. O servidor público aposentado explica que participar da entidade foi fundamental para se manter sóbrio. "Conheci o AA e conheci muitos com problemas iguais ao meu. É um programa de identificação, que prima por mudar o comportamento, ser mais honesto, participar das atividades da sociedade, melhorar na família”, diz.

Ele frisa, contudo, que o transtorno associado ao uso de bebidas alcoólicas precisa de um processo de recuperação contínua e requer acompanhamento especializado. “Não é uma panaceia, não é remédio para todos os males. Esse processo de identificação, força, esperança e histórico pessoal fortalece. Mesmo assim, o alcoólico também precisa de apoio clínico médico”, destaca. Ele frisa que mais da metade das pessoas que entram no AA também têm problemas com uso de outras drogas.

Na pandemia, a coordenação nacional dos Alcoólicos Anônimos disponibilizou mais de 1 mil salas no Google Meets para a realização das reuniões de forma remota. O objetivo foi ajudar as pessoas solitárias com problemas de alcoolismo, explica o membro da entidade, que já foi delegado do Ceará na organização nacional. O plano dele é continuar com os cuidados e os hábitos para lidar com a quarentena: “já li 21 livros na pandemia. A minha meta é 40 até a vacina chegar”.

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