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A escola como espaço de prevenção e acolhimento
Reportagem Seriada

A escola como espaço de prevenção e acolhimento

Na reportagem especial Tabu: assédio em escolas, falamos sobre as questões culturais que permeiam agressões a crianças e adolescentes no próprio ambiente educacional. Nesta parte do material, discutimos como a escola pode prevenir e acolher casos de assédio garantindo segurança aos estudantes e agentes escolares
Episódio 3

A escola como espaço de prevenção e acolhimento

Na reportagem especial Tabu: assédio em escolas, falamos sobre as questões culturais que permeiam agressões a crianças e adolescentes no próprio ambiente educacional. Nesta parte do material, discutimos como a escola pode prevenir e acolher casos de assédio garantindo segurança aos estudantes e agentes escolares
Episódio 3
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“Não lembro de outro movimento que tenha causado repercussão tão grande quanto o #Exposed, ocorrido em junho de 2020. Houve um grande aumento desse tipo de denúncia (pela internet) nos últimos seis meses, principalmente durante a pandemia, que tem exposto questões muito íntimas e delicadas das pessoas. O assédio sexual deixa marcas que podem causar traumas profundos em quem passa por ele”, afirma Ana Cristina Teixeira Barreto, supervisora do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública na Infância e Juventude (Nadij).

Ana Cristina Teixeira Barreto  Defensora Pública do Estado do Ceará  (Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Ana Cristina Teixeira Barreto Defensora Pública do Estado do Ceará

A a defensora pública analisa a questão do assédio nas escolas como um problema histórico que não deve ser ignorado e muito menos omitido. “O papel das escolas nesse contexto é o de que elas precisam não só averiguar e adotar as medidas cabíveis, mas também ter uma atuação profilática com os alunos, por meio de ações educativas informativas. Ou seja, é preciso conversar com os alunos sobre sexo, assédio e consentimento, dentre outros assuntos", orienta Cristina Teixeira.

Para ela, o assédio sexual "é um problema estrutural" que deve, inclusive se agravar durante a pandemia pelo uso excessivo das mídias sociais e internet.  "Se nós, adultos, ainda não sabemos até que ponto podemos confiar na pessoa com quem estamos conversando, muito menos um adolescente sabe. E o resultado é que informações que deveriam ser confidenciais acabam sendo compartilhadas. Aqui me refiro especificamente à questão dos adolescentes que compartilharam imagens íntimas das ex-namoradas”, indica a defensora.

Quando a Defensoria Pública do Ceará tomou conhecimento dos casos, se colocou à disposição das famílias para acompanhar os inquéritos e prestar assistência jurídica gratuita para acompanhar as investigações (cujo andamento independe da vontade da vítima), oferecer auxílio psicológico e social e proceder com ações de reparação dos danos. “Ficamos abalados diante de alguns relatos mais pesados. Nos comovemos diante das fragilidades daquelas meninas, que ainda estão em desenvolvimento e formação”, destaca.

Para Ticiana Santiago, psicóloga e doutora em Educação, há boas iniciativas no Ceará onde adolescentes possam procurar auxílio no ambiente das escolas. "Temos o movimento dos Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cucas) e o movimento de vários programas e projetos nas escolas. Mas eles ainda precisam ser fortalecidos e legitimados. Ações concretas precisam ser encaminhadas. E acredito que isso não é por falta de sensibilidade, mas de articulação política e pedagógica, de ter essa rede de proteção fortalecida", aponta.

 

Bate-pronto

Rafaela Frankenthal  Co-fundadora da SafeSpace, plataforma para prevenir, comunicar e resolver problemas de assédio e discriminação em ambientes de trabalho e estudo
Foto: Divulgação
Rafaela Frankenthal Co-fundadora da SafeSpace, plataforma para prevenir, comunicar e resolver problemas de assédio e discriminação em ambientes de trabalho e estudo


Um exemplo de como a tecnologia
pode ajudar a combater o assédio nas escolas

Rafaela Frankenthal é co-fundadora da SafeSpace, plataforma para prevenir, comunicar e resolver problemas de assédio e discriminação em ambientes de trabalho e estudo.

O POVO - Como surgiu a ideia de criar SafeSpace?

Rafaela Frankenthal - A ideia surgiu quando eu estava fazendo mestrado na Inglaterra e estudava gênero. Minha dissertação foi sobre as causas do assédio sexual. Enquanto estava fazendo a pesquisa, surgiu a ideia de usar a tecnologia para combater o assédio, primeiro no ambiente de trabalho e mais recentemente, no escolar. Voltei ao Brasil no ano passado (2019) e sozinha comecei a ver a demanda do mercado. A SafeSpace se estabeleceu e hoje estão no time Giovanna Sasso, Natalie Zarzur e Claudia Farias.

OP - Quais os benefícios para as pessoas que passaram por situações desconfortáveis?

Rafaela - Oferecemos um espaço seguro para elas fazerem seus relatos e a coordenação, setor de psicologia ou comitê da empresa ou escola poderem resolver o caso internamente, sem comprometer as pessoas envolvidas. É como se fosse um canal de denúncia, só que com a tecnologia a gente consegue proporcionar muito mais segurança para a pessoa que está relatando o caso. Usamos “relatar” em vez de “denunciar” para tirar o peso negativo de delegacia, queremos incentivar as pessoas a fazerem os relatos quando os problemas ainda não estão tão graves, ou seja, quando a situação gera um incômodo pequeno.

Usamos ‘relatar´ em vez de ‘denunciar´para tirar o peso negativo de delegacia, queremos incentivar as pessoas a fazerem os relatos quando os problemas ainda não estão tão graves, ou seja, quando a situação gera um incômodo pequeno.

OP - Como a ferramenta funciona?

Rafaela - Na plataforma, a pessoa consegue fazer um relato completamente anônimo, a escola não tem como descobrir quem denunciou. Mesmo com o relato anônimo, a escola consegue entrar em contato para pegar informações adicionais ou contar como o caso vai ser resolvido ou acompanhar o processo durante a investigação. Além disso, a pessoa pode fazer um relato e deixar salvo, só na plataforma dela, de forma privada, sem que ninguém tenha acesso. É muito comum, em casos de assédio, que aconteça uma coisa com uma pessoa, e depois outras vezes, e só depois de muitas vezes, ela tem coragem de falar para alguém. Então esses registros na plataforma ajudam a vítima a entender que os episódios ocorrem com uma frequência. Outro recurso é o “relato com match”, quando a pessoa faz um relato e marca para enviar com condicional. Significa que esse vai ficar salvo de forma privada e só vai ser enviado para o administrador (psicólogo, ou coordenação) quando outra pessoa denunciar o agressor. Criamos isso baseadas no fato de que, na grande maioria dos casos, o assediador assedia mais de uma pessoa e que é muito difícil ser a primeira a denunciar a agressão. Mas basta uma pessoa ir adiante que as outras tomam coragem, como no caso do #Exposed.

OP - Você falou dos casos de assédio em escolas do Rio de Janeiro e São Paulo, onde mora, mas no Ceará também tivemos vários casos expostos nas redes sociais, pela hashtag ExposedFortal. Isso mudou a forma como vocês estavam lidando com a questão do assédio?

Rafaela - Sim, estamos conversando para rodar alguns pilotos em universidades e ambientes escolares, por conta dos casos que vieram à tona na mídia. Chegamos há pouco no mercado e o foco inicial era as empresas, mas como o assédio é um problema estrutural e acontece tanto em ambiente de trabalho quanto no escolar, estamos sendo contatadas por escolas e universidades de algumas regiões do País.

Ilustração para o Especial Assédio nas Escolas(Foto: Domitila Andrade)
Foto: Domitila Andrade Ilustração para o Especial Assédio nas Escolas

Punição para os culpados de crimes sexuais

O crime de assédio sexual, geralmente associado à superioridade hierárquica em relações de emprego, pode ser caracterizado no caso de constrangimento cometido por professores contra alunos, pois há uma posição de autorida de um sobre o outro. A diferença é que para estes casos, há aumento de pena quando a vítima é menor de 18 anos.

Quem explica é Flávio Corte, coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional da Infância, da Juventude e da Educação (Caopije) do Ministério Público do Ceará (MPCE). A instituição que ele representa tem atuado em vários aspectos na questão do assédio sexual nas escolas do Ceará.

Indicando que o assunto ainda é tratado como tabu nas instituições, o promotor de Justiça faz questão de ressaltar que uma das vertentes da atuação do Ministério Público é a prevenção e, para isso, o diálogo com as secretarias municipais e estaduais de educação têm se intensificado para a atualização de uma lei estadual de 2002, que prevê a criação de comissões nas escolas para tratar de diversas violências, e a aplicação da lei federal que garante atendimento psicológico a alunos de escolas públicas.

O MP também está atuando na vertente repressiva, com a responsabilização criminal dos acusados. “O abusador pode ser responsabilizado administrativamente e sofrer uma ação de improbidade administrativa, se for servidor público. Se funcionário de empresa privada, poderá ser demitido por justa causa, de acordo com legislação trabalhista, além de responder ações indenizatórias por danos morais individuais e coletivos, penalidade que pode ser estendida à escola, caso seja comprovado que o estabelecimento tinha conhecimento posterior do caso, mas não tomou providências”, afirma.

“O assédio sexual é um assunto que tem que ser discutido nas escolas. A direção precisa orientar que a conduta é ilícita, criminosa não pode ser tolerada. Deve ser tratada com os pais e adolescentes para conscientizar de que isso nao é normal. Logo ao primeiro indício de suspeitas, a escola deve fazer uma comunicação formal, porque não pode ficar inerte. O estabelecimento tem que abrir um procedimento administrativo e punir exemplarmente quem for responsável pela situação”, explica.

"As escolas têm um papel essencial no processo de acolhimento de meninas que sofreram abuso sexual e precisam ser espaços de escuta, porque se o assédio em si já é degradante, muito mais ele é quando praticado por pessoas em posição hierárquica superior, caso de professores e coordenadores. O que queremos, com a nossa atuação, é ajudar as vítimas a quebrar o silêncio guardado, às vezes, por anos e fazer com que as vítimas se sintam mais fortalecidas com o apoio do MP; e a atuação para que crimes como esses não voltem a ocorrer”, diz. 

 Como devem ser os lugares seguros de acolhimento às vítimas de assédio sexual no ambiente escolar?

“O papel das escolas nesse contexto é o de que elas precisam não só averiguar e adotar as medidas cabíveis, mas também ter uma atuação profilática com os alunos, por meio de ações educativas informativas. Ou seja, é preciso conversar com os alunos sobre sexo, assédio e consentimento, dentre outros assuntos. O assédio sexual é um problema estrutural e que deve ser agravado durante essa pandemia, já que estamos sendo mais bombardeados pela internet."

Ana Cristina Teixeira Barreto, supervisora do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública na Infância e Juventude (Nadij)


 

 

Leia na próxima reportagem: Saiba como reconhecer sinais no comportamento de crianças e adolescentes que estão sofrendo assédio assexual. Assista também ao vídeo explicativo com o passo a passo sobre o que fazer para denunciar casos de agressão sexual e conheça livros que abordam o temática.

 

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