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O papel dos pais contra o assédio
Reportagem Seriada

O papel dos pais contra o assédio

Na reportagem especial Tabu: assédio em escolas, falamos sobre as questões culturais que permeiam agressões a crianças e adolescentes no próprio ambiente educacional. Nesta parte do material, discutimos como pais e/ou responsáveis podem identificar sinais de assédio em crianças e adolescentes, a necessidade de uma relação de confiança com os filhos e que medidas tomar para combater esses casos
Episódio 4

O papel dos pais contra o assédio

Na reportagem especial Tabu: assédio em escolas, falamos sobre as questões culturais que permeiam agressões a crianças e adolescentes no próprio ambiente educacional. Nesta parte do material, discutimos como pais e/ou responsáveis podem identificar sinais de assédio em crianças e adolescentes, a necessidade de uma relação de confiança com os filhos e que medidas tomar para combater esses casos
Episódio 4
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Os pais são a primeira relação social que os filhos constroem, virando referência e simbolizando conforto e confiança para a criança. E é essa sensação de porto seguro que leva crianças e adolescentes a confiarem nos pais para denunciar casos de assédio sexual. No entanto, manter esse relacionamento de confiança depende da presença ativa dos pais na vida dos jovens.

Para isso, a psicopedagoga Ticiana de Sá reforça a importância dos responsáveis conversarem sobre “o corpo, a vida e as relações do filho no mundo” desde a infância. Isso envolve abrir espaços para o diálogo sem julgamentos: “A criança poder dizer tudo o que está vivendo sem nenhum julgamento de valor. Essa responsabilidade é o que forma a autoestima, autonomia e personalidade da criança”, afirma.

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São esses pais presentes os que mais conhecem os filhos e conseguem identificar alterações comportamentais estranhas, que podem ser sinais de envolvimento em casos de assédio sexual. Muitas vezes, os sentimentos de culpa e vergonha da vítima podem impedi-la de falar sobre a violência, apesar de confiar nos pais, reforçando a necessidade de atenção constante aos modos dos jovens.

Infográfico - Alerta aos pais(Foto: Cristiane Frota)
Foto: Cristiane Frota Infográfico - Alerta aos pais

Em situações do tipo, o alerta para a escola pode partir dos responsáveis. “Os pais que identificam (sinais de assédio) podem incentivar a escola a debater sobre o tema de assédio. Fazer reuniões com os pais de modo geral e com as crianças e adolescentes, para que eles também possam identificar e denunciar casos”, sugere a psicóloga Rebeca Fontgalland.

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Inclusive, esse contato com a instituição precisa vir de uma lógica de parceria, em vez de rivalidade. “Ninguém quer que casos de assédio aconteçam”, lembra a psicóloga Thaisa Nobrega. “As brigas entre as partes nesse momento podem fazer com que a vítima sinta-se (mais) culpada pelo ocorrido. Além disso, são pouco produtivas e se perde a comunicação e o foco para a resolução do problema”, ressalta.

Outra responsabilidade dos pais é conhecer com quem os filhos convivem. “Uma coisa boa de ter proximidade com o filho é você conhecer os amigos dele. Assim, você acaba auxiliando o próprio jovem a filtrar o que os amigos fazem e falam”, explica a psicóloga Jéssica Rosa. Afinal, existem casos em que os adolescentes se sentem na necessidade de cometer ou apoiar assédios sexuais pela pressão social do grupo de colegas.

Na compreensão das especialistas, os pais e responsáveis devem criar uma rede de apoio que se demonstre disposta a ouvir, acreditar e proteger as crianças e adolescentes. “A família é lugar do sentimento de proteção. Quando esses vínculos são rompidos ou deturpados, há um impacto muito significativo na formação da personalidade, além de casos muito severos de depressão”, comenta Ticiana.

“Esses vínculos são poderosos. A criança e o adolescente precisam acessá-los de alguma forma para conseguir ressignificar aquela dor, para ter uma rede de proteção e para entender que não é culpa deles”, reforça a psicopedagoga. Os responsáveis precisam estabelecer um espaço de diálogo amoroso e empático capaz de demonstrar ao jovem que, apesar de tudo, ele não está sozinho e pode ter alguém em quem confiar.

 

 

 Débora Britto, médica sexóloga da MEAC/UFC, responsável pelo Programa Superando Barreiras, de atenção a vítimas de violência sexual.(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Débora Britto, médica sexóloga da MEAC/UFC, responsável pelo Programa Superando Barreiras, de atenção a vítimas de violência sexual.

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Acolher sem julgamentos

Débora Britto *

Movimentos como “#exposed” constroem verdadeiras narrativas comunitárias sobre violência contra a mulher. Simbolicamente revolucionam, transformando a cultura generalizada de silêncio que protege os agressores e obscurece os danos generalizados causados pela violência de gênero.

A forma como a família lida com a situação e a resposta de apoio pode ser um importante fator para compor o ajustamento psicológico necessário para a superação. Sabemos, no entanto, que os processos de comunicação entre os membros de uma família podem ser influenciados pela presença de dinâmicas que dificultam o diálogo.

E como se poderia agir na revelação de uma violência sexual? Acolha sem julgamentos:

1) Ouça, dê espaço para conversar e tente não interromper. Foi necessária muita coragem para compartilhar isso. Mostre que está ouvindo ativamente;

2) Seja empático: Não importa o que a vítima fez ou não fez antes, durante ou após o ocorrido. A culpa nunca é a vítima! Ninguém tem o direito de viver ou obter prazer sexual em situações que não houve consentimento mútuo;

3) Explore as opções de apoio: deixe-a saber que existe uma rede de suporte social e jurídico e de atenção à saúde disponível para ajudar em situações desse tipo.

O medo de reações negativas da família, como o de passar a ser tratada de maneira diferente, culpabilização, ou de serem tomadas medidas violentas de vingança, estão entre os principais aspectos relatados para a demora ou escolha de não fazer a revelação. Alguns casos jamais virão à público, contribuindo para isolamento e sequelas negativas do que aconteceu.

É importante lembrar que garotos também podem ser vítimas de violência sexual. E é enorme subnotificação, por todo um universo de questões relacionadas aos estereótipos de gênero.

Outro ponto necessário é pensar a educação para a sexualidade. Na maioria dos casos, adolescentes tem informação sobre o tema violência sexual, porém há falta de maturidade psicológica para compreender com profundidade a vulnerabilidade quando estão expostos. E é na adolescência, em meio ao desenvolvimento da sexualidade, permeado por novos impulsos e descobertas, que os risco de vitimização somado aos sentimentos de capacidade de cuidar de si mesmos, e de medo de perda de liberdades conquistadas, montam um cenário desafiador para as vítimas de violência compartilharem com as famílias.

A sexualidade é uma dimensão da vida. Transcende temas como sexo. É sobre autoestima, autoconfiança, autovalorização também. Logo, a educação para a vivência da sexualidade de forma sadia e segura, precisa ir além da evitação de desfechos como a gestação indesejada e infecção sexualmente transmissível. Ela deve considerar também os aspectos psicoemocionais.

Atuar para o desenvolvimento de interações sociais mais sadias pode ser um caminho para a enfretamento da violência contra a mulher e da masculinidade tóxica que tanto nos permeia e amedronta. É um dever de todos nós. Porém, é no leito da família que se constrói as bases do que entendemos ser nossa rede de apoio e suporte social.

* Débora Britto é médica sexóloga da Meac/UFC, responsável pelo Programa Superando Barreiras, de atenção a vítimas de violência sexual

Assédio nas escolas(Foto: Domitila Andrade)
Foto: Domitila Andrade Assédio nas escolas


Que papel têm os pais em casos de assédio em escolas?

“Conhecer as características dos filhos, o padrão de personalidade e de comportamento deles é uma responsabilidade intransferível dos pais e das famílias. Os pais têm que criar um clima de confiança entre os filhos e de educação sobre o corpo, sobre a vida, sobre as relações do filho no mundo, nesse processo de socialização primária, desde o começo.”

Ticiana de Sá, psicopedagoga

 


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