Além de perder Mizael Fernandes da Silva, 13, adolescente morto em uma ação de policiais militares no município cearense de Chorozinho, parte da família do garoto também “perdeu a liberdade e a saúde”. A agricultora Leidiane Rodrigues, 33, mãe do estudante, avalia assim a situação após a tragédia ocorrida no dia 1º de julho deste ano.
Quarenta e cinco dias depois da execução do garoto, ela diz não entender por que os policiais envolvidos na operação ainda não foram presos. Ou pelo menos os que entraram na casa sem mandado judicial e o que atirou enquanto Mizael dormia na residência da também agricultora Lizangela Rodrigues, irmã de Leidiane.
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“Eles estão soltos e minha irmã Lizangela está presa. Ela, meus dois sobrinhos, o marido dela e meu tio é que estão presos, escondidos, sem poder voltar para casa. Eles mataram e continuam livres. Pensei que o doutor Camilo (Santana, governador do Ceará) tinha mandado prender”, critica a mãe de Mizael. "Ele não tinha arma, não era bandido e estava dormindo", revolta-se Leidiane Rodrigues.
Lizangela Rodrigues, o marido, os filhos e um tio da agricultora foram incluídos no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas no Ceará (Provita) após presenciarem a ação policial, no bairro do Triângulo, na sede de Chorozinho. Cidade que fica a 72 km de Fortaleza.
Por precaução e porque os PMs foram apenas afastados do policiamento de rua, a defensora pública Mariana Lobo, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Ceará, achou melhor retirá-los da casa onde aconteceu a execução de Mizael Fernandes.
Antes de ficar incomunicável em lugar seguro, Lizangela Rodrigues denunciou que os PMs retiraram o corpo do adolescente do quarto, colocando-o “feito um porco na viatura”, e voltaram para alterar mais ainda a cena do crime.
De acordo com Lizangela, dos dois policiais do Comando Tático Rural (Cotar) que entraram na casa, o “mais alto” foi o que invadiu o quarto onde Mizael dormia e atirou no adolescente. A testemunha viu “um clarão” e “ouviu um disparo” que vinha do cômodo onde vítima e atirador estavam.
O PM “mais alto” teria sido identificado na Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD) como o autor do único tiro da ocorrência. Segundo o depoimento de Lizangela, após efetuar o disparo, o militar teria repetido a expressão “fiz merda, fiz merda, fiz merda”.
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Em vez de ser autuado pelo comandante da operação por ter executado Mizael, o mesmo PM e outro policial voltaram ao cenário do crime, retiraram o corpo, levaram o edredom da cama, um travesseiro e o celular do estudante. Além de limparem o sangue da vítima, recolherem a única capsula detonada no quarto. Informações confirmadas por peritos criminais.
“Cadê o celular do meu filho? Não devolveram o telefone e ainda disseram que foi legítima defesa, que meu filho tinha uma arma. Mentira. Mentiram, não há marca de tiroteio nas paredes. Mataram meu filho e ainda estão livres, deveriam estar presos”, sustenta Leidiane Rodrigues.
O POVO enviou sete perguntas para a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), onde o caso está sendo investigado pelo Estado. Entre os questionamentos, as razões pelas quais o PM que atirou em Mizael não ter sido preso. Indagação feita por Leidiane Rodrigues.
Em nota, a CGD informou que "a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) continua apurando o caso ocorrido no município de Chorozinho, que vitimou Mizael Fernandes. As investigações seguem em caráter reservado e todos os envolvidos estão prestando depoimentos. Além disso, os policiais envolvidos no caso estão respondendo a procedimentos administrativos e disciplinares e foram afastados dos serviços operacionais pelo Comando Geral da Polícia Militar".
Na certidão de óbito está escrito que a causa da morte de Mizael Fernandes da Silva, 13, se deu por conta de uma “ferida transfixante de tórax e abdômen causada por projétil único de arma de fogo”. Informação que confirma o depoimento de Lizangela Rodrigues, tia do adolescente que foi morto por um policial militar do Comando Tático Rural (Cotar), em Chorozinho, no dia 1º deste mês.
Para o comerciante José Ferreira da Silva, 63, pai de Mizael Fernandes, além do assassinato do garoto, o revoltante dessa história são os policiais sustentarem uma “versão mentirosa” sobre o filho que não “era bandido e nunca teve envolvimento com facções criminosas”.
“O que eu acho mais errado da covardia que ele (PM) fez é ainda querer incriminar o meu filho. Mentir, dizer que o menino estava com uma arma é uma covardia, rapaz! Uma vagabundagem muito grande de um cabra desse. Né assim, né?”, revolta-se o pai de Mizael, mais conhecido por Zé Vicente no distrito rural de Lagoa Nova, no município de Barreira.
Mizael Fernandes acabou engrossando a trágica estatística dos 409 jovens, de 10 a 19 anos de idade, assassinados somente no primeiro semestre desde ano. Um aumento de 149% em relação ao mesmo período de 2019, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS).
“Ele não era menino que saísse para nenhum um canto. O movimento dele era aqui (Lagoa Nova) com um bicho, um animal. O mais que ele ainda saia era de tardezinha, às vezes, era quando terminava a lutinha dele pra ir bater uma bolinha ali no campo”, conta Zé Vicente.
“Ele (Mizael) tinha três mães. Eu quem criei, logo quando ele nasceu e a mãe (Leidiane) dele morava comigo. E uma tia (Maria da Conceição) dele que era como se fosse a outra mãe. Eu estava dormindo quando me chamaram, nem pensei que algo de ruim tivesse acontecido com ele (Mizael). Pensava de ser outra coisa. Quando cheguei lá, meu fi já não existia mais lá. Nem no quarto eu entrei mais. Já tinham levado, eles mesmo (os PMs) já tinham levado (Mizael)”.
Luísa da Silva Rodrigues Fernandes, 59, avó materna de Mizael Fernandes
“Dizem que eles (PMs) andavam atrás de um louro e parecia com o meu fi, mas eles não eram pra fazer isso. Eles eram pra ter acordado meu fi, ter olhado. Dizem que esse tal desse louro tinha tatuagem. Eu quero que esses policiais paguem por isso, porque meu fi não merecia isso”.
Luísa da Silva Rodrigues Fernandes, 59, avó materna de Mizael Fernandes
“Chamava ele de ‘louro véi’. Quando a pessoa nasce para ser boa, ele var ser bom. Era o caso do Mizael. Nunca na vida esperava que acontecesse isso na vida dele, pior é ser morto por violência da própria polícia. Porque aí, não é natural”.
Maria da Conceição Garcia de Lima, 48, tia paterna de Mizael. Considerada a “terceira mãe” do adolescente
Bernardo Garcia de Lima, 59, tio de Mizael.
“Tô com vontade de ir embora daqui. A gente ficou traumatizada, o que eles fizeram com o Mizael, podem fazer de novo com qualquer um da rua”.
Moradora da rua onde se deu a execução de Mizael Fernandes, no residencial Irmã Alzira, no bairro Triângulo em Chorozinho (CE). Ela não quis se identificar
“Recebi a notícia de manhã, eu estava dormindo. De madrugada minha mãe acordou sonhando que meu irmão tinha levado um tiro. De manhã, ela perguntou: ‘tu soube? Mataram seu amigo, o Mizael. Não acredite, depois vi no facebook”
Paulo Gabriel Almeida Silva, 15, amigo de de Mizael Fernandes, moradora do distrito de Lagoa Nova, em Barreira, onde Mizael passava as férias com a família do pai dele
Especial mostra a dor da família do adolescente Mizael Fernandes da Silva, 13 anos, assassinado por PMS enquanto dormia