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Universidade, construtora e banco ganham imunidade de impostos como se fossem igrejas
Reportagem Seriada

Universidade, construtora e banco ganham imunidade de impostos como se fossem igrejas

O POVO encontra distorções em listagem de isenção e imunidade fiscal dada a organizações religiosas na Capital. Sefin confirma, e diz que R$ 1,3 milhão deixaram de ser cobrados a 42 imóveis que constavam como religiosos, e não eram.
Episódio 3

Universidade, construtora e banco ganham imunidade de impostos como se fossem igrejas

O POVO encontra distorções em listagem de isenção e imunidade fiscal dada a organizações religiosas na Capital. Sefin confirma, e diz que R$ 1,3 milhão deixaram de ser cobrados a 42 imóveis que constavam como religiosos, e não eram.
Episódio 3
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O imóvel da rua Carneiro da Cunha, número 110, por trás do colégio Liceu do Ceará, no bairro Jacarecanga, pertence à empresa Empreendimento Educacional Maracanaú Ltda. É a razão social do Centro Universitário Fametro (Unifametro). Conforme a Secretaria de Finanças do Município (Sefin), esse endereço, com a inscrição nº 493191-2, é beneficiário de imunidade/isenção tributária. Mas é citado como se fosse uma “organização religiosa” pela autoridade fiscal municipal.

Na Praça Portugal, área nobre, a agência do banco Bradesco ocupa o imóvel número 44. O endereço já há muitos anos sedia agência bancária - no mesmo local já funcionou o antigo Banco do Estado do Ceará (BEC). A inscrição nº 20456-0 do imóvel também esteve imune de imposto predial porque seria uma “organização religiosa”. Para registrar, a igreja mais próxima fica na rua de trás, a Visconde de Mauá, onde está a sede da Paróquia da Paz.

 

 Endereço da Unifametro localizada à rua Carneiro da Cunha tem isenção tributária aplicada aos templos religiosos(Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Endereço da Unifametro localizada à rua Carneiro da Cunha tem isenção tributária aplicada aos templos religiosos

 

Caso semelhante acontece com o imóvel da rua Delmiro de Farias, 1.900, no bairro Rodolfo Teófilo, que pertence à empresa Alfa 2 SPE Empreendimento Imobiliário Ltda. No endereço por muitos anos funcionou o Colégio da Congregação Redentorista do Norte do Brasil, adquirido pela Alfa 2 em 2014. Mas a imunidade tributária foi mantida como imóvel religioso mesmo que o proprietário tenha mudado. O local hoje está em ruínas.

A Central de Jornalismo de Dados do O POVO - DATADOC identificou na base de benefícios concedidos a templos religiosos dezenas de distorções cadastrais, os exemplos acima citados são a ponta do iceberg dos achados da reportagem, que também incluem pessoas físicas como titulares dos benefícios. Ou mesmo endereços onde sequer existem imóveis religiosos (conforme foi exposto no episódio 2 deste especial).

As irregularidades foram confirmadas pela gestão municipal, e até com mais casos de outras empresas e igrejas em nome de particulares. Mas seriam situações que estariam sendo desfeitas caso a caso. “Muitos desses benefícios da lista foram identificados como irregulares ao longo do ano e estão sendo retirados”, admite o gerente da Célula de Análise e Informações Tributárias (Ceint), Paulo César Leitão.

Em vermelho no mapa estão os 16 beneficiários da imunidade de IPTU que são empresas privadas e sem atividade religiosa. Em azul, o restante da amostra identificada pela DATADOC que também destoa da finalidade. 

O caso da construtora Alfa 2 ainda seria analisado, segundo ele - quando conversou com O POVO. Mas informou que a imunidade do Bradesco da Praça Portugal já foi desfeita - “porque lá era um BEC, era imunidade de patrimônio público”. Já a imunidade dada à faculdade estaria identificada e em vias de cancelamento.

As igrejas com registros em nomes de particulares ou benefícios de organizações religiosas dados a pessoas físicas também estariam sob análise individualmente.

 

 

Mais de R$ 1,3 milhão em benefícios a 42 imóveis irregulares

Seria apenas uma distorção cadastral, mas a universidade, a construtora e a agência bancária, ao passarem anos como beneficiários de imunidade e isenção tributárias como “organizações religiosas”, tiveram vários anos sem a cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Nenhum teria avisado do erro, segundo a administração municipal. O BEC, por exemplo, foi adquirido pelo Bradesco em dezembro de 2005.

O gestor da Ceint, Paulo César Leitão, confirmou que a imunidade do Bradesco da Praça Portugal já foi desfeita - “porque lá era um BEC, era imunidade de patrimônio público”. A imunidade dada à faculdade já estaria identificada e em vias de cancelamento. O caso da construtora ainda seria analisado, segundo ele - quando conversou com O POVO. As igrejas com registros em nomes de particulares ou benefícios de organizações religiosas dados a pessoas físicas também estariam sob análise individualmente.

Em 2022, benefícios fiscais concedidos indevidamente a 266 imóveis em Fortaleza chegaram a R$ 2.060.732,88. O valor é confirmado pela Secretaria de Finanças do Município (Sefin). Imposto que deveria ter sido cobrado, mas escapou do fisco.

"Deste total, 42 imóveis tinham isenção/imunidade para templo religioso, cujos benefícios representavam um valor de R$ 1.307.302,17", informou a Sefin ao O POVO. Não foram especificados quais templos e imóveis desfrutaram desse perdão fiscal, nem por qual período.

Saiba mais sobre os templos com imunidade tributária classificados pela central DATADOC 

 

 

Principais igrejas com imunidade tributária em Fortaleza

 

Após o problema constatado, a relação aumentou para 45 imóveis, na condição de templos religiosos, que tiveram imunidade e isenção de IPTU canceladas para o novo ano fiscal, no caso 2022. Em nota, a Sefin afirma que o cancelamento é fruto da intensificação das verificações fiscais realizadas no ano de 2021, mas não especifica como será a cobrança dos valores que vinham sendo perdoados.

“Foram cancelados os benefícios fiscais de 37 imóveis que estavam usufruindo indevidamente a imunidade do IPTU, na condição de templo religioso. Também foram canceladas oito isenções de imóveis locados a templos religiosos", detalhou em nota.

A base de dados trabalhada nesta série de reportagens foi repassada pela Sefin em novembro de 2021. Havia sido formatada pela autoridade fiscal ainda no início do ano passado, com os atuais 910 imóveis de Fortaleza pertencentes a segmentos religiosos que usufruem da anistia do IPTU. Os benefícios são garantidos pela Constituição Federal (imunidade) e pelo Código Tributário Municipal (isenção).

 

 

 

 

Cadastro tem defasagem de 40 anos

A Sefin teria adotado novo modelo de cadastro a partir de 2015, distinguindo se eram templos, entidades de trabalhadores ou instituições de assistência social. Ainda assim vários benefícios indevidos foram mantidos. O credenciamento antigo não fazia a classificação por tipo, “apenas dizia que era imunidade”.

“É um acúmulo de informações, com mais de 40 anos de cadastro. Tem algumas coisas que precisam ser corrigidas. É um trabalho praticamente artesanal”, explica Leitão .

Segundo o gerente da Ceint, foi iniciado em 2019 um trabalho para identificação de mais perdões irregulares. Um dos critérios adotados foi abordar 20% desses contribuintes que correspondam à maior parte do valor a ser cobrado. O levantamento diminuiu no início da pandemia em 2020 e foi retomado no ano passado.

"Foram feitas 146 notificações para imóveis que estavam com indícios/evidências de estarem usufruindo indevidamente o benefício fiscal da imunidade do IPTU e 210 notificações para imóveis que tinham isenção, totalizando 356 notificações", informou o órgão.

 

 

Em 10 anos, Fortaleza triplica valor dos benefícios fiscais a templos religiosos

 

A Sefin estaria recorrendo a imagens georreferenciadas para ajudar nas avaliações. O POVO quis saber detalhes do levantamento, mas há restrição pelo sigilo de informações.

"Esse trabalho de natureza investigativa, realizado desde o início de 2021, está em pleno desenvolvimento, de modo que informações a ele relacionadas estão temporariamente sob sigilo fiscal", explicou formalmente a Sefin na mesma nota.

 

 

O que dizem as empresas citadas

 

As três empresas citadas foram contatadas pelo O POVO, por telefone e email. O Bradesco, em uma nota curta, respondeu que "a agência da Praça Portugal funciona em um prédio alugado. O banco irá apurar os fatos para eventuais providências".

O POVO falou com secretárias da Fametro e o informado foi que a assessoria jurídica iria dar retorno, mas a universidade não respondeu aos questionamentos até o fechamento da reportagem.

Já a empresa Alfa 2 SPE Empreendimento Imobiliário, em nota mais longa, explicou que depois de adquirir o prédio religioso firmou um contrato de locação com o próprio Município de Fortaleza. Por alguns anos, o endereço foi a sede da Guarda Municipal, mas hoje está desocupado e em ruínas.

“Referido contrato perdurou por anos após a aquisição e findou por Ação de Despejo, ante sucessivos e recalcitrantes descumprimentos contratuais praticados pelo Município de Fortaleza, dentre eles inadimplência e depredação dos bens, causando efetivo prejuízo patrimonial. Certa da idoneidade de seus atos, a empresa Alfa 2 buscou a tutela jurisdicional do Estado para ter esclarecido o conflito envolvendo o sobredito imóvel e reparados os danos causados, a quem confia e aguarda a justa solução. Esclarece que, de acordo com políticas internas da empresa, se reserva, pois, ao direito de não expor detalhes sobre os autos”, detalha a nota da Alfa 2.

 

Metodologia

Para as análises e mapeamentos dos credos existentes em Fortaleza, a central DATADOC utilizou dados da Secretaria Municipal das Finanças (Sefin) e Superintendência da 3ª Região Fiscal da Receita Federal do Brasil, obtidos via Lei de Acesso à Informação. A categorização das religiões usada pelo IBGE foi norteadora do trabalho de classificação dos templos pela Central.

Como forma garantir a integridade e confiabilidade deste material, disponibilizamos aqui a metodologia detalhada do projeto, as fontes de dados utilizadas, nossas análises, dados agregados resultantes e o conjunto de códigos desenvolvidos.

Expediente

  • Edição DataDoc Thays Lavor
  • Edição O POVO+ Fátima Sudário e Regina Ribeiro
  • Identidade visual e Edição de arte Cristiane Frota e Isac Bernardo
  • Texto Cláudio Ribeiro
  • Análise e visualização de dados Alexandre Cajazeira
  • Pesquisa e classificação Miguel Pontes e Roberto Araújo
  • UX Design Maria Fernandes
  • Front-end Michele Medeiros
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