Logo O POVO+
A vida que pulsa a partir do Oceano
Reportagem Seriada

A vida que pulsa a partir do Oceano

Rotinas e relações entre pescadores artesanais, rio e mar evidenciam as sutilezas de se falar sobre o Oceano e a sociedade
Episódio 2

A vida que pulsa a partir do Oceano

Rotinas e relações entre pescadores artesanais, rio e mar evidenciam as sutilezas de se falar sobre o Oceano e a sociedade
Episódio 2
Tipo Notícia Por


"Oi, aqui é a Catalina, sou repórter do OP+. No dia 8 de junho, comemora-se o Dia Mundial do Oceano. Por isso, te convidamos a ler nosso especial de 3 episódios Década do Oceano!"

 

 

A vida das 35 marisqueiras da comunidade Jardim de Baixo, em Fortim (CE), é definida pela maré. Quando ela está subindo durante a manhã, o jeito é madrugar: acordam todas bem cedo, lá para as quatro da manhã, e seguem ladeira abaixo até a beira do rio Jaguaribe. A areia cheia de pequenas conchas ecoa um “crec crec” suave enquanto elas sobem os materiais nas canoas. Todas prontas, vão rumo ao meio ou mais para baixo do rio.

As mulheres procuram os bancos de areia quase expostos durante a maré baixa, para facilitar a mariscagem, que possui várias técnicas: rede de arrasto, mergulho, tarrafa, rengaio, linha, balaio... O trabalho é duro. Quando a técnica usada é o balaio, é ► preciso enfiar uma caixa com os cantos vazados no rio, levantá-la e sacudir. Dentro dela, entram os búzios, limpos com o chacoalhar da caixa. Depois, eles vão para uma bacia dentro da canoa, esperando a limpeza novamente.

abrir

Já no mergulho, duas estacas de madeira são enfiadas na terra lodosa do rio Jaguaribe, entre as quais se pendura o mesmo tipo de caixa vazada. Com a estrutura pronta, as marisqueiras mergulham até o fundo do rio e recolhem uma mão cheia de lama. Ao sair da água, elas fazem careta, limpam o rosto - que fica manchado de um cinza meio azulado da terra lodosa - e derramam o recolhido na caixa. Aí elas sacodem. É quando o sururu vai aparecendo, com conchinhas pretas.

abrir

O esforço dentro da água só acaba quando elas conseguem recolher dez a 15 quilos (kg) de mariscos. O que vem a seguir é a ida à casa, a fervura dos mariscos, a limpeza delas e, no caso dos caranguejos, a preparação dos filés; o que leva a tarde inteira. Em média, o quilo do que as marisqueiras capturam é vendido entre 15 a 20 reais. Barato demais para o trabalho que dá; o que não impede os restaurantes locais de querer comprar um filé de caranguejo ou sururu já preparados por 11 reais o kg.

Tem sido difícil, afirmam as marisqueiras. A época do derramamento de óleo nas praias nordestinas não ajudou, pois cresceu o preconceito com os mariscos oriundos do Jaguaribe. Depois, veio a pandemia. Das aproximadamente 75 marisqueiras que viviam do rio antes dos desastres ambientais, sobraram apenas 35. Muitas largaram a pescaria para trabalharem “em casa de família”, conta a marisqueira Francisca Albuquerque, de 40 anos.

Parece destoante pensar que o óleo vindo do mar - que ainda mancha as rochas da praia de Pontal do Maceió, em outro distrito de Fortim - fosse afetar a vida de quem trabalha com o rio. Mas a realidade é mais complexa do que se imagina, e muito mais interconectada.

Afinal, o rio Jaguaribe deságua no mar e vice-versa. Dona Maninha (Maria Eliane do Vale, 50), marisqueira há 40 anos e militante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), explica que a mariscagem costumava pausar durante o inverno, mas agora o período de coleta é constante. Na interpretação das marisqueiras, foi a baixa salinidade da água no rio que propiciou a produção natural de mariscos - o que ocorreu logo após a construção do Canal da Barra Fortim, obra que impediu o deságue de água do mar no Jaguaribe.

abrir


A mudança para elas foi boa, refletem, diferente da situação do pescador José Ferreira Monteiro, o Dedé, de 55 anos. Segundo ele, o desencontro da água doce no mar fez com que a areia cobrisse todos os buracos na praia, onde frutos do mar e peixes moravam. “Até dez anos atrás, a gente arrastava de rede e pegava muito camarão, muito siri e toda espécie de peixe. Mas hoje em dia é difícil, bem mais difícil”, contou, enquanto pescava com linha no topo de uma falésia, na praia do Pontal de Maceió.

“Eu queria um trabalho mais digno para meu filho [de 15 anos, que já atua como pescador artesanal]”, reflete a marisqueira Francisca. Não por desgosto à profissão, diz, mas pela desassistência e pela falta de reconhecimento ao trabalho dos pescadores artesanais. Para seu Dedé, o pensamento é o mesmo. “Graças a Deus” os filhos não são pescadores. Ele mesmo ama pescar, vê liberdade nisso; no entanto, a ausência do apoio aos profissionais é sinônimo de luta constante pela sobrevivência.

 

 

A vida dos pescadores artesanais, assim como as percepções deles em relação ao rio e ao mar, expõe perfeitamente como o meio ambiente é assunto social e político. No próximo episódio do especial, a ser publicado no dia 10 de setembro, teremos uma entrevista com o doutor Marco Quesada, vice-presidente de Oceanos da Conservation International ― organização não governamental focada na proteção da biodiversidade da Terra ― da divisão das Américas.

 

 
>> Artigo

Junto com o Oceano: a década da restauração dos ecossistemas

por Fabiana Pinho*

 

Fabiana Pinho é geógrafa e coordenadora de projetos no Ecomuseu Natural do Mangue.(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Fabiana Pinho é geógrafa e coordenadora de projetos no Ecomuseu Natural do Mangue.

A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o período 2021-2030 também como a Década da ONU da Restauração de Ecossistemas. A nova data é uma oportunidade única para a criação de empregos, segurança alimentar, enfrentamento da mudança do clima, conservação da biodiversidade e fornecimento de água. Duas agências da ONU – ONU Meio Ambiente e FAO – lideram a implementação da Década.

Apesar de fornecerem inúmeros serviços essenciais, como a provisão de água doce e alimentos, os ecossistemas-chave estão diminuindo rapidamente. A degradação dos ambientes terrestres e marinhos já compromete o bem-estar de 3,2 bilhões de pessoas e custa cerca de 10% da renda global anual em perda de espécies e serviços ecossistêmicos.

“A ONU Meio Ambiente e a FAO estão honradas em liderar a implementação da Década com parceiros. A degradação dos nossos ecossistemas tem causado um impacto devastador nas pessoas e no meio ambiente. Estamos animados com o fato de que o impulso para restaurar nosso ambiente natural vem ganhando ritmo, porque a natureza é nossa melhor aposta para enfrentar as mudanças do clima e garantir o futuro”, afirmou Joyce Msuya, diretora-executiva interina da ONU Meio Ambiente.

Nesta década, a restauração contará com recursos da iniciativa privada e também de fundos globais oriundos dos acordos internacionais dos quais o Brasil, mesmo com os retrocessos recentes, ainda é signatário como, o Acordo de Paris. Cabe lembrar que na ocasião da realização da COP de Paris (2015) o Governo brasileiro teve seu protagonismo reconhecido internacionalmente, tanto por sua capacidade de diálogo como pelas metas ousadas apresentadas, dentre elas restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares no país até 2030.

Ação do Museu Natural do Mangue(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Ação do Museu Natural do Mangue

Existem várias técnicas e maneiras diferentes de se fazer a restauração ecológica. Em ambientes florestais e savânicos, como é o caso dos ecossistemas prioritários para a restauração no Brasil (Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia) podemos fazer o mais conhecido: o plantio de mudas. Porém, ultimamente outras técnicas estão se mostrando, do ponto de vista econômico e social, mais interessantes devido ao seu custo menor e sua maior capacidade de geração de renda aos envolvidos.

Em se tratando especificamente do ecossistema manguezal, por ser de transição entre a terra e mar, o solo apresenta características como umidade, salgado, lodoso, pobre em oxigênio e muito rico em nutrientes. Por possuir grande quantidade de matéria orgânica em decomposição, às vezes apresenta odor característico, mais acentuado se houver poluição.

Entre os muitos serviços ecossistêmicos realizados pelo manguezal, temos: berçário da vida marinha; realiza a contenção da linha de costa; captura cerca de 5 vezes mais carbono que outros tipos de floresta; alimentação para as comunidades, etc.

Registro de uma nuvem de girinos no mangue do Parque do Cocó (7/5/2020).(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Registro de uma nuvem de girinos no mangue do Parque do Cocó (7/5/2020).

Além de infinidade de outros serviços ecossistêmicos, frente as atuais situações de destruição ambiental, comungamos inteiramente com a criação tanto da Década da Restauração dos Ecossistema como da Década do Oceano, ambas propostas pela ONU, conclamando as instituições públicas e privadas (órgãos ambientais, escolas, universidades), empresas e comunidade em geral.

 

"O manguezal por todos os serviços que nos fornece por sua resiliência deveria chamar-se mãeguezal." Rusty Sá Barreto, diretor do Museu do Mangue

 

A nível de Brasil foi criado em 2018 da parceria entre as ONGs Museu do Mangue(CE) e Guardiões do Mar (RJ) a Rede Nacional de Manguezais (Renaman), que busca a interação entre pesquisadores, instituições e comunidades que trabalham para a proteção desse ecossistema. No Ceará foi criado em 2019 a partir de texto inicial da equipe do Ecomuseu, apreciado e tornado em projeto de lei pelo deputado Acrísio Sena, sancionada pelo governador Camilo Santana através da Lei 16996/2019, a Semana Estadual de Proteção aos Manguezais.

O Ecomuseu Natural do Mangue, referência por seu trabalho de educação ambiental e recuperação de áreas de mangues, tornou-se através da Lei Municipal 11053/2020 patrimônio de Fortaleza, iniciativa do vereador Iraguassu Filho. Nossas atividades presenciais suspensas pelas normas de segurança da Covid19 estarão retornando no início de agosto, bem como, está disponível no nosso site a exposição virtual que nasceu de parcerias com as empresas Pague Menos e Uber.

*Fabiana Barros Pinho é geógrafa pela Universidade Estadual do Ceará e especialista em Gestão Ambiental pela Uninter, coordenadora de projetos no Ecomuseu Natural do Mangue e co criadora da Renaman.

 

  • Edição Fátima Sudário
  • Concepção e recursos digitais Catalina Leite
  • Capa Isac Bernardo
  • Edição de arte Cristiane Frota e Isac Bernardo
  • Fotografias Fco Fontenele
O que você achou desse conteúdo?