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Quando a fome lateja todo dia
Reportagem Seriada

Quando a fome lateja todo dia

Cenário modificado. É na Praça do Ferreira que Pabla Caroline, 26, faz morada e sobrevive dia após dia, com esmolas
Episódio 3

Quando a fome lateja todo dia

Cenário modificado. É na Praça do Ferreira que Pabla Caroline, 26, faz morada e sobrevive dia após dia, com esmolas
Episódio 3
Tipo Notícia Por

Outro cenário modificado durante o isolamento social foi a Praça do Ferreira, no Centro da Cidade. Trabalhadores passando apressados, consumidores com sacolas, idosos sentados em bancos em frente à Coluna da Hora, e vendedores ambulantes não circulam mais por ali com o fechamento do comércio.

No entanto, a população em situação de rua, que migrava pelo bairro durante o horário comercial para ocupar a praça somente à noite e nos fins de semana, está manifesta todos os dias. Eles se aglomeram pelo largo, delimitando com colchões, papelões ou o próprio corpo os espaços para cada grupo.

Pabla Caroline, 26, está no meio dessa multidão de miseráveis. Caminha de um lado para o outro, com o olhar desconfiado. Ela aceita falar com O POVO após recusar algumas vezes, mas deixa claro que não quer ser fotografada. Senta-se em um banco, diz o nome completo e idade, mas logo interrompe para correr para a fila da comida, distribuída pela Prefeitura de Fortaleza.

A reportagem acompanha. Pabla fica cerca de cinco minutos esperando e volta disposta a falar, enquanto almoça. Comemora a feijoada. Sacode as mãos meio fechadas em formato de concha para que as moedas não escapem entre os dedos.

A jovem tinha R$ 1,40, mas precisava de R$ 3,50 para comprar um remédio para cólicas menstruais. Somente após almoçar tudo, sente-se mais confortável para contar sua história. Agora que tirar fotos. Faz pose com a quentinha na mão. Sorri.

Pabla Caroline Pereira, 26, decide contar sua história(Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Pabla Caroline Pereira, 26, decide contar sua história

Surgiu uma vontade repentina de lembrar do passado, quando chegou de Palmas, em Tocantins, aos 15 anos. Veio com a mãe – que estava se tratando de um câncer – e a irmã para Sobral, distante cerca de 231 km de Fortaleza.

A mãe morreu pouco tempo depois e ela foi enviada para um abrigo, depois, transferida para a Capital. Aos 16 anos, saiu porque tinha dificuldades de relacionamento. “As meninas eram muito B.O (gíria para falar sobre situação problemática), já tinham sido presas, eram agressivas. Não era bom”, justifica a saída.

Ainda menor de idade, começou a se prostituir. “Conheci um gringo que me ajudou, pagou meus estudos e terminei o terceiro ano. Mas, quando ia procurar emprego, não conseguia”, lembra. Há cinco anos, quando perdeu a ajuda financeira do companheiro, foi parar nas ruas e perdeu a guarda do filho, de dois anos.

Desde então dorme na Praça do Ferreira, alimenta-se e faz a higiene pessoal em abrigos perto do Centro. Não tem dinheiro para comprar remédios, absorventes e alimento. Quando a dor castiga, pede aos transeuntes ou se prostitui por R$ 30 ou R$ 40.

E ainda sonha em “sair dessa vida, conseguir um emprego, fazer uma faculdade de Psicologia e ficar com o filho novamente”. Soube da pandemia quando viu passar na televisão, mas não acredita muito. “Só uso a máscara porque, às vezes, a Polícia passa aqui dizendo para usar, mas eu acho que é tudo mentira”, diz ao colocá-la para falar.

Em situação de rua, Pabla conta como perdeu a guarda do filho(Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Em situação de rua, Pabla conta como perdeu a guarda do filho

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