Outro cenário modificado durante o isolamento social foi a Praça do Ferreira, no Centro da Cidade. Trabalhadores passando apressados, consumidores com sacolas, idosos sentados em bancos em frente à Coluna da Hora, e vendedores ambulantes não circulam mais por ali com o fechamento do comércio.
No entanto, a população em situação de rua, que migrava pelo bairro durante o horário comercial para ocupar a praça somente à noite e nos fins de semana, está manifesta todos os dias. Eles se aglomeram pelo largo, delimitando com colchões, papelões ou o próprio corpo os espaços para cada grupo.
Pabla Caroline, 26, está no meio dessa multidão de miseráveis. Caminha de um lado para o outro, com o olhar desconfiado. Ela aceita falar com O POVO após recusar algumas vezes, mas deixa claro que não quer ser fotografada. Senta-se em um banco, diz o nome completo e idade, mas logo interrompe para correr para a fila da comida, distribuída pela Prefeitura de Fortaleza.
A reportagem acompanha. Pabla fica cerca de cinco minutos esperando e volta disposta a falar, enquanto almoça. Comemora a feijoada. Sacode as mãos meio fechadas em formato de concha para que as moedas não escapem entre os dedos.
A jovem tinha R$ 1,40, mas precisava de R$ 3,50 para comprar um remédio para cólicas menstruais. Somente após almoçar tudo, sente-se mais confortável para contar sua história. Agora que tirar fotos. Faz pose com a quentinha na mão. Sorri.
Surgiu uma vontade repentina de lembrar do passado, quando chegou de Palmas, em Tocantins, aos 15 anos. Veio com a mãe – que estava se tratando de um câncer – e a irmã para Sobral, distante cerca de 231 km de Fortaleza.
A mãe morreu pouco tempo depois e ela foi enviada para um abrigo, depois, transferida para a Capital. Aos 16 anos, saiu porque tinha dificuldades de relacionamento. “As meninas eram muito B.O (gíria para falar sobre situação problemática), já tinham sido presas, eram agressivas. Não era bom”, justifica a saída.
Ainda menor de idade, começou a se prostituir. “Conheci um gringo que me ajudou, pagou meus estudos e terminei o terceiro ano. Mas, quando ia procurar emprego, não conseguia”, lembra. Há cinco anos, quando perdeu a ajuda financeira do companheiro, foi parar nas ruas e perdeu a guarda do filho, de dois anos.
Desde então dorme na Praça do Ferreira, alimenta-se e faz a higiene pessoal em abrigos perto do Centro. Não tem dinheiro para comprar remédios, absorventes e alimento. Quando a dor castiga, pede aos transeuntes ou se prostitui por R$ 30 ou R$ 40.
E ainda sonha em “sair dessa vida, conseguir um emprego, fazer uma faculdade de Psicologia e ficar com o filho novamente”. Soube da pandemia quando viu passar na televisão, mas não acredita muito. “Só uso a máscara porque, às vezes, a Polícia passa aqui dizendo para usar, mas eu acho que é tudo mentira”, diz ao colocá-la para falar.
Série de reportagens faz um recorte sobre os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus em nossas vidas. Mostra como todos empobrecemos juntos, situação que se agrava para quem já vive em uma realidade de baixa renda. As reportagens oferece soluções para sair da crise.