Neste ano, de 1º de janeiro até o último dia 23 de novembro, mais de R$ 562 bilhões deixaram de entrar nos cofres públicos brasileiros por conta da sonegação de impostos. A estimativa é do Sonegômetro, ferramenta desenvolvida pelo Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), a partir do cruzamento de dados de arrecadação nas três esferas do governo, federal, estadual e municipal, com indicadores técnicos de evasão fiscal.
O montante ultrapassa em pouco mais de R$ 90 milhões de tudo o que a União investiu até agora em medidas de combate à pandemia neste ano, que foi de R$ 471,6 bilhões, segundo dados do portal da Transparência do Governo Federal. Incluindo o que foi pago de auxílio emergencial, ajuda aos estados e programa emergencial de crédito.
Também equivale a 30,8% do montante de R$ 1,8 trilhão arrecadado no País em 2020, de acordo com o Impostômetro, ferramenta da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que contabiliza tributos federais, estaduais e municipais.
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“São recursos que, se tivessem entrado no caixa do Governo, poderiam ser revertidos em políticas públicas: em estradas, construções de escolas, ou como agora, na pandemia, com mais investimentos em saúde ou ajudando a população mais vulnerável com o auxílio emergencial”, afirma o presidente do Sinprofaz, José Ernane de Souza Brito.
Ele explica que, embora muitas pessoas e empresas estejam enfrentando dificuldades financeiras em razão da recessão econômica que o País atravessa e algumas delas terem, inclusive, decretado falência, há uma parcela significativa de empresários que não pagam impostos por uma estratégia fiscal. São os chamados devedores contumazes.
Para se ter uma ideia, a dívida ativa da União, cadastro de quem não efetuou o pagamento no prazo legal, tem hoje mais de 4,6 milhões contribuintes inscritos. São pessoas físicas e jurídicas que devem ao Governo Federal de R$ 2 trilhões, acumulados ao longo dos anos. Porém, desse total, 62% são devidos por apenas 28 mil empresas, o que corresponde a 0,6% dos devedores.
“São grandes grupos econômicos que devem uma quantia muito grande à União, mas usam de vários artifícios, fraudes e recursos jurídicos para sonegar o imposto dentro do seu planejamento tributário”, observa.
José Ernane explica que fechar o cerco contra os grandes devedores não é tarefa fácil. Mas, com o avanço tecnológico no cruzamento de dados e das investigações, tem sido possível recuperar parte desse passivo. “Apesar de termos apenas pouco mais de 2 mil procuradores em todo País, além de todas as nossas limitações de sistema, conseguimos recuperar mais de R$ 24,4 bilhões em 2019, o que é fantástico, porque é um recurso que poderá ser devolvido à sociedade por meio de políticas públicas”, diz.
A sonegação é um peso que recai também sobre as empresas que trabalham corretamente. Como o tributo é parte expressiva na composição do preço de um produto, fica mais difícil concorrer em termos de preço com quem não age da mesma maneira.
Estudo do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) mostrou que o mercado ilegal no Brasil foi responsável por um rombo de R$ 291,4 bilhões, no ano passado, em 15 setores industriais. Nessa conta, está a soma das perdas registradas por esses setores e a estimativa dos impostos que deixaram de ser arrecadados por conta da ilegalidade.
Além disso, outro estudo, feito pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), revela que a economia subterrânea (informalidade) movimentou R$ 1,2 trilhão em 2019.
“Isso equivale ao PIB da Suécia. Ou seja, temos uma Suécia que não está no radar oficial, porque está na informalidade, que ninguém consegue apurar em termos de impostos e da regularização da atividade”, afirma o presidente do Etco, Edson Vismona.
O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, que equivale a 32,29% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. E também uma das mais complexas, que faz com que as empresas gastem, em média, pelo menos 1.958 horas por ano só para calcular e pagar tributos, segundo o Banco Mundial. Rever esse sistema e investir na educação fiscal da população são caminhos para reduzir a sonegação.
Hoje, tramitam no Congresso Nacional diferentes projetos para unificar e simplificar a tributação sobre o consumo. Mas o presidente do Sinprofaz, José Ernane Brito, acredita que é preciso também rever as regras da tributação sobre a renda e o patrimônio.
“Precisamos simplificar, mas também tornar o sistema tributário mais justo para todos. O Brasil tem uma carga tributária baixíssima sobre herança, em relação a outros países. Hoje, quem pode mais não é quem paga mais. Pelo contrário, esse peso recai sobre quem pode menos”, explica.
Fomentar a educação fiscal na sociedade também tem papel importante nessa trajetória. O presidente da Etco, Edson Vismona, acredita que, se o cidadão entendesse de forma plena o caminho do dinheiro, como o imposto funciona e fizesse a relação direta entre esse pagamento e o serviço que é prestado pelo Estado, seria possível combater de forma mais efetiva esses gargalos de sonegação.
E não só isso. Pode levar a uma cobrança mais efetiva em relação à qualidade do serviço prestado pela administração pública.
“A consequência de não se fazer a relação direta entre pagamento de impostos e os serviços prestados pelos governos é o Estado achar que pode usar o dinheiro público como é conveniente, que não precisa prestar contas da qualidade do serviço, do tempo em que o serviço é prestado. Muita gente acha que não adianta reclamar do serviço público porque é de graça. E não é, todos nós estamos pagando”, alerta Edson Vismona.
O Ceará tem dado passos importantes no combate à sonegação fiscal. No campo repressivo, o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira) do Governo do Estado já recuperou, só neste ano, mais de R$ 30 milhões para os cofres públicos. E, em outra frente, dentro do programa Contribuinte Pai D’égua, foram lançadas medidas para estimular os bons pagadores.
A mais recente delas foi publicada no último dia 20, com a regulamentação do programa de conformidade tributária, criado em 2019. Além de simplificar, reduzir custos de obrigações acessórias, automatizar processos e fomentar a autorregularização, o programa cria uma espécie de score, de um a cinco jangadas, que vai conceder benefícios processuais, como mais prazo, credenciamento diferenciado ou uma restituição mais rápida, às empresas que agirem corretamente.
A ideia é justamente separar o joio do trigo, afirma a titular da Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz), Fernanda Pacobahyba. “Precisamos estratificar o Fisco. Dar o mesmo tratamento é ruim porque desestimula as empresas a agirem corretamente. Queremos incentivar o bom comportamento, aproximar e fortalecer a relação com o contribuinte”, diz.
Ela explica que o programa ainda está em fase de maturação no Estado, mas pesquisas internacionais têm demonstrado que, quando existe incentivo aos bons contribuintes, há incremento também de arrecadação na ordem de 20%. “Por enquanto, ainda não temos muitos dados porque o programa é novo. É mais um sentimento, pela experiência que estamos vendo na prática, de que estamos no caminho certo”, reforça.
Segundo a secretária, para entender melhor o peso que a sonegação tem na economia cearense, o Governo também encomendou dois estudos ao Instituto de Pesquisa e estratégia Econômica do Ceará (Ipece) sobre o mercado ilegal e a informalidade.
Fernanda ressalta, ainda, que o Estado vem colhendo bons frutos com o Cira. O comitê é uma espécie de força-tarefa que, além da Sefaz, é formada pela Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE), Ministério Público Estadual (MP-CE), Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e Tribunal de Justiça (TJCE). Foi criado em 2019 para intensificar o combate à sonegação fiscal no Ceará por meio de ações de inteligência.
O grupo, além de fechar o cerco em relação aos devedores contumazes, têm traçado estratégias para aprimorar o sistema e trazer mais empresas à legalidade. De outubro de 2019 até fevereiro deste ano, mais de 62 empresas já foram ouvidas pelo comitê e 12 denúncias apresentadas em comarcas da Região Metropolitana de Fortaleza, envolvendo cerca de R$ 20 milhões em valores sonegados. Também foram firmados acordos para recuperação de crédito.
“Em 2020, mesmo com a pandemia, por conta dessa ação do Cira, foi possível recuperar mais de R$ 30 milhões envolvendo apropriação indébita (quando o contribuinte apura imposto, mas não repassa ao Fisco), seja de empresas que possuíam débitos absurdos e resolveram quitar ou parcelar, ou de empresas que mudaram o comportamento mesmo e passaram a recolher corretamente o tributo”, explica o promotor de Justiça Ricardo rabelo, coordenador do Cira.
Ele reforça que não se trata de perseguição ao contribuinte, mas a ação busca facilitar a regularização e endurecer a fiscalização para quem usa a sonegação fiscal como estratégia de negócio. “Eu vejo mais como uma atuação ao lado do bom contribuinte, para que não haja concorrência desleal”, diz.
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Série de reportagens aborda os efeitos da sonegação no Brasil e aponta soluções com base na educação do consumidor.